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Quinta-feira, Março 28, 2024

Paradoxo da estupidez

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

A subida do nível de qualificações académicas das gerações mais novas, consequência da melhoria das condições de vida e duma maior facilidade no acesso à informação, é um facto que se vem registando há alguns anos; o mesmo porém não pode ser dito da qualidade da gestão da vasta maioria das empresas, mesmo das grande multinacionais.Há umas décadas o problema poderia ser atribuído à diferença de formação entre os mais novos e os mais velhos, e à ideia que estes bloqueariam a ascensão dos primeiros aos lugares mais elevados da hierarquia empresarial. Hoje o problema subsiste e mesmo em casos em que os lugares de topo são já ocupados pelos jovens promissores de elevado potencial de há uns anos…

Entre as teorias formuladas para justificar este efeito sobressaiu a apresentada pelo Prof. Laurence J. Peter (1919-1990), que nos finais da década de 1960 enunciou a máxima (que ficaria conhecido como o Princípio de Peter) de que numa hierarquia todo e qualquer membro tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência. Esta ideia, que nunca foi substancialmente rebatida, ganhou contornos populares mas pouco ou nenhum efeito prático no mundo empresarial. Continua actualmente a ser evidente aos mais variados níveis hierárquicos e nos mais diversos domínios (da esfera pública à privada e dos grandes conglomerados empresariais às empresas de média dimensão, porque nas pequenas empresas de dimensão familiar o problema é congénito), e a ela se juntou o Paradoxo da Estupidez enunciado por Mats Alvesson (professor de Gestão de Empresas na Universidade de Lund, Suécia e na Cass Business School da Universidade de Londres) e André Spicer (professor de Comportamento Organizacional na Cass Business School da Universidade de Londres), no livro homónimo “The Stupidity Paradox”, editado em Junho de 2016 pela Profile Books.

O estudo observou dezenas de empresas e centenas de jovens trabalhadores inteligentes e com elevados níveis de educação, para concluir que os jovens são normalmente condicionados a deixarem de pensar (desligar o cérebro) e absorvidos em tarefas particularmente entediantes. Basicamente as empresas procuram recrutar pessoas suficientemente inteligentes para fazer prosperar o negócio, transmitir uma imagem sedutora e manter a aparência de dinâmica modernidade, mas não o suficiente para desafiarem o seu modo de funcionamento.

Esta será, actualmente, uma das primeiras regras de um grande negócio; mas não foi sempre assim?

Já nos anos 80 do século passado se falava muito dos yuppies – derivado da sigla “YUP”, expressão inglesa que significa “Young Urban Professional” (Jovem Profissional Urbano), é usado para caracterizar jovens profissionais com elevada remuneração, com formação universitária e ocupação na área dos negócios; mais conservadores e materialistas que a geração anterior, os hippies, abandonaram as causas sociais por estes abraçadas (que já tinham recusado os valores tradicionais), os yuppies tendem a ser antes de mais profissionais competitivos – que eram então tidos como o modelo a seguir mas cuja aura começou a desvanecer-se com o crash de 1987 e o que ele revelou sobre o modelo de negócio envolvido.

E quem, entre os mais velhos, não se recorda da habitual resposta – o “sempre se fez assim” – a qualquer questão que envolvesse métodos de trabalho?

Mas este sistema de domesticação só funciona através da aceitação dos intervenientes, o que terá conduzido à aplicação dum modelo dual de solução: dinheiro e infantilização. Quando as grandes empresas pagam excessivamente bem, oferecem participação nos lucros e outros benefícios ou simplesmente projectam os seus espaços de trabalho como recreios para crianças (como é o conhecido caso da Google), esperam a aquiescência das suas regras (por mais absurdas que sejam); quem aceitar estas regras sacrifica a sua opinião ou a vontade de pensar, situação que, mais cedo ou mais tarde, conduz a um estado de desmotivação.

As organizações contratam pessoas inteligentes, mas depois encorajam-nas a não usar positivamente a sua inteligência; assim os funcionários talentosos aprendem rapidamente a usar os seus significativos dons intelectuais apenas das formas mais simples e míopes, a não fazer perguntas difíceis ou a pensar com mais profundidade, porque isso é visto como uma iniciativa perigosa.

O problema é que as grandes empresas da actualidade estão tão particularmente condicionadas pela burocracia que só procuram pessoas capazes de perpetuar essa herança, vivendo o climax do paradoxo da estupidez: se nada o incomodar nem incomodar ninguém (o paradigma do tipo que não faz ondas), será considerado um bom líder.

A burocratização do pensamento, ou seja, o processo que, através duma metódica criação de meros clones (mas duma geração muito superior à clássica ovelha Dolly, pois são diferentes por fora mas perfeitamente iguais por dentro), tem levado paulatinamente à atrofia da crítica interna nas organizações, conduziu ao aparecimento de burocratas disfarçados de líderes, infalivelmente rodeados de yes-men (aquela melíflua carneirada que faz coro na concordância com o chefe porque é absolutamente incapaz de formalizar uma ideia ou uma dúvida), cada vez mais alheados da realidade. No entanto, circunstâncias há em que é impossível esconder os desastres da estupidez colectiva; foi o que aconteceu na Nokia, entre 2007 e 2013, quando perante um problema genuíno na concepção dos novos smartphones, desenvolvidos para competir com o iPhone da Apple, poucos se atreveram a denunciá-lo, levando a que a organização demorasse demasiado tempo a perceber o erro, o gigante das telecomunicações fosse ultrapassado na corrida para dominar o mercado de smartphones e posteriormente adquirido pela Microsoft.

Podemos ainda falar sobre as consequências dos trabalhos de trampa (bullshit jobs) que não são apenas cada vez mais inúteis como estão totalmente desligados dos valores aprendidos durante os anos de formação (que normalmente ensinam a ter sempre ideias), ou no facto de cada vez mais jovens procurarem o ensino superior enquanto cada vez menos empregos o exigem (depois refere-se o divórcio entre a formação teórica e as “necessidades empresariais” como um dos entraves ao crescimento económico), o que só aumenta a frustração daqueles que se sentem subutilizados, mas que se vêem obrigados a aceitar essa situação.

 

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