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Quarta-feira, Maio 1, 2024

Porque não cresce Portugal?

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Contrariamente a países como a Irlanda, que também registaram uma tendência inflacionista que compensaram com o aumento da produtividade e uma melhor escolha dos sectores exportadores (produtos de tecnologia mais avançada e com maior valor acrescentado), Portugal reduzido à produção de têxteis, vestuário e calçado, sofreu ainda a forte concorrência de economias emergentes como a chinesa.Esta é a questão que coloca o Prof. César das Neves na sua habitual crónica semanal no DN e à qual procurou responder dizendo que a primeira e principal explicação para a falta de crescimento é «…a ausência de ambição de uma elite nacional (…) que se contenta com o alívio após terrível aperto, desde que seja possível reduzir alguns impostos e subir certos salários e pensões». Fá-lo, apontando o mesmo alvo de sempre – os funcionários públicos –, a ausência de «planos claros para a ascensão nacional» e até uma aparente crítica à venda da «…banca ao estrangeiro, bem como boa parte das empresas marcantes…», como se ele próprio, ex-acessor económico nos governos de Cavaco Silva, não fosse um reconhecido defensor dos princípios do liberalismo económico e do livre funcionamento dos mercados.

A força das circunstâncias sempre o leva a reconhecer que a economia portuguesa «…está em recuperação desde meados de 2013…», mas com uma «…taxa média de crescimento anual desde o início da retoma (1,9%) e desde a posse deste governo (2,3%) (…) muito abaixo de qualquer expansão do nosso desenvolvimento sustentado nos últimos 50 anos», afirmação que não será fácil de explicar face à evolução histórica do PIB nacional…

…que, salvo o período anómalo de 1975, revela uma tendência de decrescimento que apenas parece contrariada por um curto período de tempo (entre 1985 e 1990) talvez explicado pelo impulso da adesão ao Euro e dos Fundos Europeus, mas sem continuidade.

Esta questão tem sido objecto de alguma atenção e há vários anos que se têm procurado explicações para a degradação da situação económica nacional, com os sucessivos governos a imputarem a responsabilidade à fraca produtividade nacional (leia-se dos trabalhadores nacionais), as associações empresariais e patronais apontam a responsabilidade à falta de flexibilidade das leis de trabalho e aos elevados salários (para estes como para os primeiros a responsabilidade também é dos trabalhadores) e outros à incapacidade de definição de uma correcta estratégia de desenvolvimento (falta de orientação política e de investimento em sectores competitivos).

Outras explicações têm origem externa e entre estas conta-se uma, do think tank europeu Bruegel (The Euro: only for the agile), que no já distante ano de 2006 se debruçou sobre os resultados da adopção do Euro, concluindo algo que todos nós em Portugal já tínhamos consciência: a entrada do nosso país no Euro foi prejudicial à economia nacional.

Os autores do relatório vão mais longe e estabelecendo comparações entre diferentes economias comunitárias acabam por concluir que a principal razão para a deterioração da economia portuguesa foi a divergência entre as taxas de inflação e de crescimento económico face aos outros estados-membros da União Económica e Monetária. Enquanto a taxa de inflação portuguesa não deixou de subir (entre 1999 e 2005 variou entre 2,3% e 4,4%) o crescimento económico apresentou uma variação inversa, o que determinou uma degradação da competitividade das exportações (o estudo refere que em termos reais a “taxa de câmbio” portuguesa subiu 30%, o que em linguagem comum significa que no período em análise as exportações passaram a valer cerca de 2/3 do seu valor anterior).

Contrariamente a países como a Irlanda, que também registaram uma tendência inflacionista que compensaram com o aumento da produtividade e uma melhor escolha dos sectores exportadores (produtos de tecnologia mais avançada e com maior valor acrescentado), Portugal reduzido à produção de têxteis, vestuário e calçado, sofreu ainda a forte concorrência de economias emergentes como a chinesa.

Para agravar ainda mais este cenário os sucessivos governos do PS e PSD contribuíram com uma sucessão de más escolhas políticas, quando, mantendo a aposta no modelo de crescimento por via das exportações não conseguiram (ou não quiseram) perceber a fragilidade dos sectores exportadores nacionais, nem controlar o deficit orçamental.

Concluem os autores do referido relatório que o resultado da entrada do Euro foi desigual entre os diferentes países da UEM por via de:

  • o desequilíbrio entre o apertado controle das políticas monetárias, fruto do pacto de estabilidade e crescimento;
  • o laxismo das políticas económicas nacionalmente definidas e aplicadas;

e que o critério a aplicar a novos candidatos (e que deveria ter sido aplicado aos actuais membros) deverá privilegiar a convergência real em detrimento dos desnecessários e insuficientes critérios de Maastricht.

A par desta linha de explicação, que poderíamos classificar de exógena, outra se afigura merecedora de análise – a evolução do investimento – e de forma mais detalhada que a que lhe consagrou César das Neves no artigo inicialmente citado, quando questiona «Que interessa que a dívida continue esmagadora, o capital e a poupança escasseiem, a baixa fertilidade e a má formação comprometam o futuro e a pobreza, desigualdade e os níveis de salários e produtividade continuem a envergonhar-nos?» e apenas para criticar o que diz ser a estratégia do actual governo de «…baixar o défice sem deixar de satisfazer as corporações influentes» na aspiração de alcançar uma maioria absoluta em próximas eleições.

É que se observarmos a evolução do investimento em Portugal facilmente constatamos que este segue de muito perto a evolução da sua componente privada, salvo no período entre 2008 e 2010, quando o governo da época face à eclosão da crise de 2007 e, segundo o que foi então definido na UE como política a adoptar, seguiu uma opção em contraciclo com a retracção do sector privado, mas classificada por César das Neves como «promessas (…) dos nossos governantes faraónicos, que conseguia popularidade anunciando gastos sumptuosos».

Mas se o investimento privado se tem revelado insuficiente e a contrapartida pública é apresentada ora como faraónica e despesista ora como desajustada e perigosa (para o livre funcionamento do mercado), em que ficamos? Se o débil e desajustado investimento em Portugal se deve fundamentalmente à iniciativa privada, o que lhe faltará para efectivamente contribuir para o desenvolvimento do país?

Além da óbvia ausência de visão estratégica – o tempo tem demonstrado o fracasso da opção por sectores de baixa tecnologia e grande concorrência das economias emergentes a que temos que acrescentar a evidente falta de capacidade financeira dum tecido empresarial nacional claramente enfraquecido por uma política de distribuição de rendimentos em exclusivo benefício dos accionistas e em prejuízo doutra orientada para o investimento – será também oportuno lembrar que o histórico da classe empreendedora nacional não é propriamente famoso, bastando para tal recordar que as grandes fortunas nacionais nasceram ligadas a mecanismos proteccionistas, fossem eles regimes de monopólios, pautas aduaneiras ou leis do condicionamento industrial, e em círculos de relações familiares próximas.

 

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