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Quinta-feira, Março 28, 2024

A liderança europeia

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Agora, que se aproximam eleições na UE e quando parece cada vez mais próxima a concretização do Brexit, é ainda mais curial que se proceda a uma reflexão sobre a realidade da formação e do funcionamento do primeiro ensaio de uma união económica.

Nascido da confluência de interesses entre os países europeus produtores de carvão e aço (a França e a Alemanha, associados ao grupo Bélgica, Holanda e Luxemburgo, já ligados no chamado Benelux, e à Itália), o embrião duma união europeia surge no período da grande escassez que se seguiu ao final da II Guerra Mundial; foi a escassez de recursos, mais que a vontade política, o que levou à primeira forma de associação económica na Europa. Talvez o facto do par França-Alemanha a ter integrado desde a primeira hora tenha levado à ideia da existência de um eixo Paris-Berlim ou até, mais recentemente, do chamado modelo alemão, algo que é contestado por vários analistas.

O próprio milagre do crescimento alemão no pós-guerra deve ser visto com as devidas cautelas, bastando lembrar que embora debilitada e com um território reduzido, a Alemanha beneficiou de forte ajuda americana na reconstrução (através do célebre Plano Marshal e do ainda mais importante fluxo financeiro em resultado do estacionamento de contingentes de tropas americanas) e uma parte importante do seu aparelho industrial sobreviveu ao conflito sem estragos de maior; a própria redução do território foi bem menos significativo em termos económicos, não só por se tratarem das regiões mais pobres mas também porque a fuga de muitos dos seus habitantes para o Ocidente representou um fluxo regular de mão-de-obra barata, que muito contribui para a recuperação alemã.

Pode-se até dizer que o modelo alemão terá existido numa primeira fase como argumento político, tanto mais que a verdadeira ascensão alemã só ocorre com a criação do Euro e porque esta lhe fixou significativas vantagens cambiais face às restantes economias europeias. A própria ideia de simplicação das trocas comerciais subjacente à introdução da moeda única europeia acabou esquecida quando nas suas regras ficaram consagrados princípios restritivos de política monetária e orçamental que lançaram as economias europeias, em especial as mais fracas, na mais estrita dependência do sector financeiro privado.

Mas se a evolução das economias europeias mais fortes até foi ocorrendo de forma mais ou menos paralela poder-se-á então concluir que isso resultou da criação da CEE e depois da UE? Haverá então um único projecto europeu, ou existem várias interpretações do projecto, como poderá deduzir-se da ideia que aquele projecto surgiu no sentido de tentar controlar quem fora responsável pelos dois maiores conflitos militares registados no continente, mas que também lhe serviu para realizar com sucesso (e com distribuição dos custos) um processo de reunificação, no que revelou uma estratégia eficaz no contexto global e não apenas no europeu.

Tudo disto aponta para a situação do actual domínio alemão sobre a UE, graças a um peso económico largamente dinamizado pelo Euro e pelos conceitos neoliberais que ajudou a disseminar pela nomenklatura de Bruxelas, mas sem uma clara afirmação política.

E aqui, na forma comprovadamente inadequada como a Alemanha dirigiu o processo de alargamento ao leste europeu e a crise das dívidas soberanas denominadas em euros, pode ser encontrada a origem próxima para as situação de grande instabilidade em que vive o projecto europeu. Primeiro com aceleração do processo de integração dum conjunto de economias mal preparadas para o efeito, mas num espaço geográfico que há muito reivindica como o seu mercado natural (o famoso lebensraum definido nos finais do século XIX pelo geógrafo Friedrich Ratzel e mais tarde recuperado por Adolf Hitler para fundamentar a anexação de territórios ricos em recursos naturais), e sem a prévia conclusão do processo de convergência interna já ferido pelo alargamento realizado durante a década de 80, quando com a adesão da Grécia, Espanha e Portugal se registou pela primeira vez uma situação em que o aumento da população gerado com os novos membros era superior ao aumento do PIB.

Com a entrada da Grécia, Espanha e Portugal a população da UE aumentou 22,1% contra um crescimento de apenas 13,5% do PIB; este efeito viria a ser ainda mais notório com o processo de alargamento registado entre 2004 e 2013, quando os novos 12 membros contribuíram com apenas 9,4% para o crescimento do PIB contra um aumento de 26,4% da população.

Se a Europa a 15 já mostrava dificuldades, especialmente na falta de resultados das suas políticas de coesão, a quase duplicação dos seus membros levada a cabo já este século foi o golpe fatal nessa estratégia.

População PIB (Milhões €) População PIB
Fundadores 234.320.300 8.525.399  –  –
1.º Alargamento (1973) 73.923.800 2.919.003 31,5% 34,2%
2.º Alargamento (1981-86) 68.254.100 1.541.151 22,1% 13,5%
3.º Alargamento (1995) 23.434.300 1.068.973 6,2% 8,2%
Alarg. Leste (2004-13) 105.572.300 1.322.852 26,4% 9,4%
TOTAL 505.572.300 15.377.378  –  –

 

Não bastando a crescente evidência do fracasso das políticas de convergência e das dificuldades geradas com o último processo de alargamento, com o despoletar da cise das dívidas soberanas e a imposição de soluções não apenas inadequadas mas igualmente injustas e multiplicadoras dos efeitos que pretendiam contrariar, decididas nos termos que interessavam à defesa dos bancos alemães e franceses, estão a esfumar-se as hipóteses de recuperação dos primitivos ideais duma União Europeia que o abandono de um Reino Unido (o Brexit) que inúmeras vezes se revelou mais como entrave que como dinamizador tanto poderá mitigar como ampliar.

Se a UE e os seus dirigentes se acantonarem na ideia que a saída do Reino Unido deriva fundamentalmente de preconceitos nacionalistas britânicos e da situação delicada em torno das questões das migrações, enquanto continua a ignorar a actuação do Grupo de Visegrado – aliança entre quatro países da Europa Central (Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia) para fins de cooperação – e da Hungria em especial, e a escamotear as opções cada vez menos democráticas que têm vindo a ser aplicadas, sem aproveitar o ensejo para dinamizar processos de aprofundamento do debate de políticas verdadeiramente orientadas para os seus cidadãos, estaremos todos a desperdiçar mais uma oportunidade.

 

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