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Segunda-feira, Março 18, 2024

Porque razão Timor-Leste optou pelas línguas oficiais tétum e português

M. Azancot de Menezes
M. Azancot de Menezes
PhD em Educação / Universidade de Lisboa. Timor-Leste

A Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL), no seu Artigo 13.° (Línguas oficiais e línguas nacionais), é referido que «O tétum e o português são as línguas oficiais da República Democrática de Timor-Leste» (ponto 1) e que «o tétum e as outras línguas nacionais são valorizadas e desenvolvidas pelo Estado» (ponto 2).Em 1974, quando Timor-Leste procurava transitar para a independência, não precisou de procurar uma identidade nacional porque estava unificado pelo uso de duas línguas complementares, o tétum praça (essencialmente falado), como língua franca urbana, e uma língua essencialmente escrita, o português, utilizado como língua de ensino, desde a abertura das primeiras escolas primárias pelos dominicanos, no século XVII (Fonseca, 2015). De notar que o português começou a ser utilizado como língua da administração desde o início do século XVIII.

A Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL), no seu Artigo 13.° (Línguas oficiais e línguas nacionais), é referido que «O tétum e o português são as línguas oficiais da República Democrática de Timor-Leste» (ponto 1) e que «o tétum e as outras línguas nacionais são valorizadas e desenvolvidas pelo Estado» (ponto 2).

Em conformidade com a CRDTL, a Lei de Bases da Educação (LBE), aprovada pela Lei n.º 14/2008, de 28 de Outubro, vem definir no seu artigo 8.º que as línguas de ensino do sistema educativo timorense são o tétum e o português. Assim, a resolução do Parlamento Nacional n.º 24/2010, de 26 de Outubro, ressalta que a língua tétum e a língua portuguesa constituem ambas património nacional, e que a língua portuguesa constitui um fator crucial para o desenvolvimento da língua tétum.

O que dizem os especialistas, os políticos timorenses e o Parlamento Nacional

A explicação para a opção de duas línguas oficiais, tétum e português, segundo a opinião de especialistas, políticos e governantes de Timor-Leste, e com base nas resoluções do Parlamento Nacional, assenta no facto de haver factores de ordem identitária, histórica, política, afectiva, científica e pedagógica, entre outros, que ajudam a fundamentar a necessidade da coexistência das duas línguas oficiais de Timor-Leste e de se optar pelo português como língua única de ensino, sem prejuízo de ser utilizado, em casos que facilitem as metodologias didácticas, o tétum e as línguas nacionais.

Apesar da língua portuguesa não constituir a língua materna da maioria dos timorenses, e em muitos casos também não o Tétum, após ter revisitado o estudo intitulado «Processo Educativo na Educação Pré-Escolar e no 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico. Diagnósitco e Recomendações» (Ministério da Educação e Cultura, 2018), que será oportunamente divulgado no Jornal Tornado, na íntegra, aglomerei alguma dessa argumentação para ajudar a fundamentar a escolha do português como uma das línguas oficias, como se segue:

  1. língua da resistência

O Português sobreviveu como língua de resistência, sendo utilizada pela FRETILIN e pelas outras organizações da oposição ao ocupante nas suas comunicações internas e no contacto para o exterior.

Ramos-Horta destaca que «apesar da brutal colonização indonésia e da repressão cultural dos últimos 21 anos, da proibição de uma língua e cultura que chegaram à nossa região há cerca de 500 anos, em Timor-Leste esta língua secular persiste teimosamente» (Ramos Horta, 1997).

 

  1. língua da identidade

funciona como um elemento de distinção identitária, uma afirmação da diferença.

é uma língua de identidade histórica e do presente, válida porque serve de elo de ligação entre a grande família dos países lusófonos, que oferece ao país uma identidade única em todo o Sudoeste Asiático.

Sem o português, a identidade do país rapidamente se dissolveria nas culturas circundantes, indonésia e australiana. «Se somos um país pequeno, ainda por cima sem recursos, porque não investimos em ser diferentes?» diz Alkatiri (Moura, 2007).

Nas palavras de Xanana Gusmão foi exactamente o facto de falarem o português que determinou o reconhecimento da ONU da sua diferença cultural do resto da Indonésia e por isso a necessária tutela no processo de independência: «Somos a metade de uma das 13.000 ilhas da Indonésia e só somos diferentes porque temos uma cultura diferente, uma identidade diferente… Nossa língua é o português.» (ou seja, são as línguas portuguesa e tétum que demarcam claramente o território de Timor-Leste em relação aos seus países vizinhos (Austrália e Indonésia)).

 

  1. factores históricos / herança cultural / tradição

A escolha do Português para uma das LO do país justifica-se, nas palavras de Xanana Gusmão, pelo peso da sua tradição: «O português é a nossa identidade histórica, que ironicamente nos foi concedida pela presença colonial».

O português faz parte da história e do povo timorense e é um elemento essencial da sua identidade nacional, pois «o facto de ter sobrevivido à perseguição que lhe foi movida, prova que é parte da cultura nacional» (Mendes, 2005).

Na verdade, pode-se afirmar que a política de língua que minimize o lugar e o papel da língua portuguesa em Timor-Leste não considera a força que canalizou a Resistência Nacional contra a ocupação: o apego dos timorenses à génese da sua herança cultural.

 

  1. factores político-estratégicos

Nas palavras de um político timorense, Francisco Guterres, presidente da FRETILIN, trata-se de «uma opção política de natureza estratégica para afirmação da nossa identidade pela diferença que se impôs ao mundo».

Por uma decisão político-estratégica de marcar a identidade nacional timorense diante da Indonésia e da Austrália e de ressaltar a sua especificidade no contexto regional do Sudoeste Asiático e Oceânia.

Neste sentido, o desafio, consagrado constitucionalmente em 2002, de adotar o tétum e o português como Língua Oficial, apesar de o tétum ter sido até então uma língua franca sobretudo falada e de o português ter sido, entretanto, reduzido a 5% da população, não foi mais do que o corolário da consolidação da identidade cultural e política de Timor-Leste, antes e durante a ocupação, e da sua afirmação pela diferença, que sempre existiu, em relação à outra metade da ilha e às ilhas vizinhas.

 

  1. instrumento administrativo, religioso e cultural

O Português mantém-se, ainda hoje, como a língua da escrita, da religião, da escola e da escolarização, da administração (parcial) e da cultura.

 

  1. simbolismo / afectividade

Segundo estudiosos da área, o Português goza de uma forte carga simbólica e de uma grande afectividade, rara noutros países em relação a uma antiga língua colonial, constituindo «cimento aglutinador da identidade cultural entre os povos do Timor Oriental» (Thomaz, 1998: 648) e «cordão umbilical que articula as culturas locais» (Thomaz, 2002: 140).

(…) esta afectividade traduz-se, por exemplo, a nível onomástico: calcula-se que, ainda hoje, 70% dos apelidos e 98 % dos nomes próprios são portugueses» (Carvalho, 2002: 71).

 

  1. valorização e desenvolvimento do tétum

Nas palavras do presidente de Timor : «A língua portuguesa é fundamental para a nossa identidade. O próprio tétum, para se desenvolver, precisa do português. Alimenta-se dele.» (Moura, 2007: 2).

(…) parceiro histórico na evolução do Tétum moderno (…).

As perspectivas para a sobrevivência e o desenvolvimento do tétum são mais animadoras num contexto de relação contínua com o português, que é a sua fonte tradicional para a ampliação e a renovação do léxico.

(…) a aparência de uma imediata vantagem para o tétum e para outros vernáculos no português ter um prestígio menor do que tem o inglês. Este facto faz com que o português não vá constituir uma ameaça para a ordem linguística tradicional.

Os timorenses escolheram o português como a sua Língua Oficial em vez do inglês, porque, dizia Gunn (2001), o Tétum, para sobreviver, precisa do português e o sistema de valorização é essencial e inalienável para os timorenses definirem a sua identidade nacional, de modo que as línguas coexistem num relacionamento mutuamente benéfico, sendo o português o suporte natural do tétum no seu desenvolvimento continuado. (Mendes, 2005, p. 234).

 

  1. semelhanças entre o português e o tétum

O português tem também a vantagem de que o tétum (língua franca) não seja formalmente muito afastado do português na sua pronúncia, gramática e vocabulário. O português não é um idioma demasiado difícil para os timorenses pois estes já possuem um relativo conhecimento passivo do português devido ao facto de que já falam o tétum-Díli. O mesmo já não se poderia dizer da relação entre o tétum e o inglês.

Conforme sintetiza Lúcia Vidal Soares (2010), a propósito da escolha das Línguas oficiais de Timor-Leste:

[…] o povo timorense, através dos seus legítimos representantes, escolheu o tétum e o português como suas Línguas oficiais. A escolha da língua portuguesa contabiliza: um peso simbólico (por ser língua de resistência à invasão indonésia, língua usada para dar informações ao mundo sobre a luta e os efeitos da invasão), um aspecto identitário (o do seu passado sem grandes imposições, sem grande impacto), um aspecto afectivo (ligação ao catolicismo, igreja que em conflitos de guerra – segunda guerra mundial, invasão indonésia – nunca abandonou o povo) e um aspecto geoestratégico (Timor confinado à Indonésia e à Austrália).

A escolha da língua tétum constitui, por um lado, a assunção do compromisso de defesa, desenvolvimento e promoção de uma língua em situação altamente desfavorecida.

 

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