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Sexta-feira, Julho 26, 2024

Privatizações colocam sector energético europeu “nas mãos” do estado chinês


As privatizações levadas a cabo nos últimos anos em vários países europeus, entre os quais Portugal, colocaram uma grande parte do sector energético europeu nas mãos do Estado chinês. A conclusão é de um novo estudo do Trans Nacional Institute, intitulado “The Privatising Industry in Europe”, que analisou as consequências das privatizações efectuadas em vários países europeus endividados, devido a pressões da União Europeia (UE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Segundo o estudo, apesar do argumento da Troika para as privatizações, de que as empresas privadas são mais eficazes a gerir do que as empresas públicas, a verdade é que parte das empresas energéticas europeias foram transferidas, não para companhias privadas, mas para as mãos do Estado chinês e de outros países, como a Alemanha.

Os autores da pesquisa avançam que as privatizações na Grécia levaram à transferência de alguns dos maiores activos do país para o Estado alemão ou até mesmo do Azerbeijão. Mas a China foi, de longe, o estado mais activo na aquisição dos recursos energéticos europeus, o que está a tornar o país num dos maiores intervenientes no mercado mundial de utilities.

Em 2011, a empresa estatal China Three Gorges adquiriu 21,35% da EDP, em Portugal, um dos maiores fornecedores de energia eléctrica da Europa, com presença dominante em Espanha, Reino Unido, Itália e França, entre outros países.

Um ano mais tarde, a também estatal State Grid Corporation of China (SGCC) comprou 25% da REN, que detém a concessão das duas principais redes de infraestruturas do país: o transporte de gás e de electricidade. Em 2014, a mesma empresa adquiriu 35% da italiana CDP Reti, que detém 30% das duas maiores empresas energéticas daquele país: a SNAM e a TERNA.

Curiosamente, em 2015, a Grécia foi aconselhada pela Troika a privatizar a distribuidora nacional de electricidade – a ADMIE – que foi adquirida, em 66%, pela mesma SGCC. Uma semana mais tarde, o Syriza, recém-chegado ao poder, cancelou o negócio, mas em Julho de 2015, foi «forçado» pela Troika a retomá-lo.

Em 2014, a Shangai Electric, empresa detida parcialmente pelo Estado chinês, comprou 40% da empresa energética italiana Ansaldo Energia. No mesmo ano, o Banco Popular da China (estatal) comprou também participações na TERNA e na multinacional de gás e petróleo ENI.

China constrói gigantesca central nuclear no Reino Unido

Mas, o “apetite” chinês não se restringe às economias fragilizadas do Mediterrâneo. No ano passado, o Executivo de David Cameron anunciou uma parceria público-privada entre o Reino Unido, a China e a companhia estatal francesa EDF.

Ao abrigo deste acordo, o General Nuclear Power Group (GNP), da China, e a EDF, vão construir uma central nuclear na Grã-Bretanha, denominada Hinkley Point. O reactor vai produzir 7% de toda a energia consumida no Reino Unido, quando estiver a funcionar, em 2025.

“Todas estas aquisições e movimentações dos últimos anos tornaram o Estado chinês num player dominante no mercado europeu de energia e utilities”, defendem os autores do estudo. “A China já manifestou interesse em expandir essa influência no futuro, com o vice-presidente da State Grid Executive, Zheng Baosen, a defender que o país está pronto para investir mais nas utilities europeias se o preço for justo”, acrescentam.

Privatizações ajudam estados a pagar as suas dívidas?

Os autores do estudo tentaram responder a esta questão, que tanta polémica e discussão política tem provocado nos vários países em crise na Europa. Um dos argumentos esgrimidos entre a União Europeia e os países endividados, como Portugal, foi que as privatizações ajudam a reduzir a dívida pública.

“Como estas privatizações foram impostas em tempo recorde pela Troika ou pela Comissão Europeia, os activos são normalmente vendidos a preço de saldo a fundos abutre e, em muitos casos, os governos perdem dinheiro no longo prazo”, sustentam os autores do estudo. “Especialmente durante uma crise económica, o valor das empresas estatais é reduzido a uma mera fracção do seu valor real”, acrescenta o documento.

fmiApesar de a Grécia ser o exemplo mais gritante deste facto, o padrão alarga-se a todos os países que efectuaram privatizações como resultado de um acordo com a Troika ou com a Comissão Europeia. O caso da espanhola AENA é apontado como um dos mais flagrantes. Apenas um dia depois da sua privatização, as acções subiram 20%, o que representou uma perda para o Estado espanhol de cerca de um bilião de euros. Nos meses seguintes, as acções subiram ainda mais, revela a pesquisa.

Simultaneamente, os activos não-lucrativos e consumidores de subsídios são deixados nas mãos dos Estados endividados, acrescentando mais défice aos já depauperados cofres públicos. “Dos 37 aeroportos regionais detidos pelo Estado grego, apenas os 14 que eram rentáveis foram incluídos no programa de privatizações, deixando os equipamentos deficitários para serem subsidiados pelos contribuintes”, adianta o estudo.

A pesquisa conclui que a resposta à questão inicial é negativa: “a privatização significa normalmente perda de receita para o Estado, uma vez que os activos valiosos são vendidos a preço de saldo” a empresas privadas ou públicas de outros países. “As empresas estatais lucrativas que geram receitas são vendidas, enquanto os activos não-lucrativos continuam a ser financiados pelos contribuintes”, acumulando défice público, acrescenta.

Profissionais das privatizações

Algumas empresas e escritórios de advogados na Europa tornaram-se, neste período, “profissionais das privatizações”, acumulando milhões em consultoria a Estados e empresas compradoras dos seus activos.

Algumas chegam mesmo a prestar serviços de assessoria, em simultâneo, a vendedores e compradores, ou seja, aos Estados em crise e aos fundos abutre compradores, perpetrando um claro conflito de interesses, com graves prejuízos para os países endividados.

O estudo adianta ainda que a agenda europeia de privatizações foi altamente lucrativa para esses escritórios de advogados, com implicações negativas para as empresas privatizadas, em termos de direitos laborais e nos preços ao consumidor.

“Os processos tendem a ser muito susceptíveis a diferentes tipos de corrupção e conflitos de interesses, se não forem estritamente supervisionados e monitorizados”, conclui a pesquisa. Os casos de corrupção tiveram lugar, tanto em países acusados de falta de transparência, como a Grécia, como em países que servem de sede a essas empresas legais, como o Reino Unido.

Os autores do relatório concluem, indagando porque a Troika insiste nas privatizações no âmbito dos chamados “pacotes de austeridade” que impôs e impõe às nações endividadas. “Não só as privatizações não geram as receitas e a eficiência que está na sua génese, como também fomentam o nepotismo, a corrupção e o lucro de pequenos grupos privilegiados, numa altura em que os custos sociais da austeridade são mais gritantes do que nunca”, concluem os autores.

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