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Segunda-feira, Março 18, 2024

Quando o mercado é mais mortífero que a guerra

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Crescem as vozes que questionam os efeitos das sanções económicas aplicadas à Rússia em resultado da invasão da Ucrânia e agora até um estudo recente da The Economist (uma reputada publicação de assumida posição neoliberal) sugere que, devido aos altos preços dos combustíveis, o número adicional de mortos na Europa no próximo Inverno possa exceder o número de soldados mortos em combate já registado na Ucrânia.

Antes da guerra, a Rússia fornecia cerca de 40% do consumo total de gás da União Europeia, mas em resposta a esta e para reduzir a dependência do gás russo, a Ucrânia e a Polónia fecharam alguns gasodutos que transportavam gás da Rússia para a Europa Ocidental e mais tarde países como a Finlândia, a Bulgária e a Polónia, que não aceitaram pagar pelo seu gás em rublos, viram os fornecimentos suspensos pela Rússia. Além disso, já antes da sabotagem dos gasodutos Nord Stream 1 e 2 (infraestruturas destinadas a assegurar a distribuição de gás russo pela Europa), as sanções tinham comprometido a manutenção necessária para assegurar a plena capacidade do importante gasoduto Nord Stream 1.

Assim, a forte redução na oferta de gás, que por enquanto não pode ser totalmente compensada pelas importações de outras origens, fez disparar os preços na Europa e indiretamente os preços da eletricidade.

O aumento dos stocks europeus e um Outono anormalmente ameno fez cair os preços de mercado do gás em relação ao pico do Verão, embora o seu preço médio seja hoje quase duas vezes e meia superior ao registado entre 2000 e 2019, enquanto o da eletricidade, é quase o dobro.

Se no passado, os preços da energia, com as suas ligeiras flutuações, tinham um impacto reduzido sobre o excesso de mortalidade, é agora de esperar um impacto muito maior face aos enormes aumentos de custos registados.

Procurando estimar o impacto do aumento dos preços da energia com o bem conhecido efeito do aumento da mortalidade nos meses de inverno (a estatística mostra que, em média e para aquela época do ano, a mortalidade é cerca de 20% maior no Ocidente), a The Economist construiu um modelo estatístico para determinar o número de mortes extras que além do preço da energia inclui outros fatores como, a severidade do inverno, a temporada de gripe e ainda as previstas compensações governamentais às famílias devido à inflação.

A conclusão apresentada é a de um forte impacto, podendo mesmo o número de óbitos exceder o das baixas militares registadas no conflito – a estimativa adiantada pela publicação é de cerca de 25.000 a 30.000 militares, de ambos os lados, e de 6.500 civis ucranianos falecidos –, já que os altos preços dos combustíveis podem agravar o efeito das baixas temperaturas nas mortes, por impedirem muita gente de usar aquecimento e deixando-as mais expostas ao frio. Se os preços da energia permanecerem nos níveis actuais e num cenário climático intermédio, estima-se a morte, na Europa e neste Inverno, de mais 147.000 pessoas do que numa situação com preços “normais”. Admitindo, noutro cenário, um Inverno mais quente dos últimos 20 anos, esse número cai para 79.000, mas num cenário extremo (o Inverno mais frio desde 2000), o excesso de mortalidade aumenta para 185.000.

Este efeito pode variar muito de país para país, especialmente entre os que estabeleceram preços máximos para a energia (caso da França, Grã-Bretanha, Espanha e Áustria), onde dificilmente haverá mortalidade adicional significativa ou aqueles onde os apoios governamentais são baixos, como a Itália, a Estónia e a Finlândia.

Não estando em dúvida que, a prazo, as sanções económicas possam enfraquecer as economias visadas, de acordo com notícias de Junho a primeira evidência no caso em apreço era a do aumento das receitas por via da subida dos preços do crude e do gás, a expensas de uma Europa conscientemente lançada para uma crise de contornos ainda mal definidos e onde, em resultado dos altos preços da energia, muitas empresas podem ter que fechar ou procurar regiões onde os custos de energia sejam mais baixos. Além disso, quando para combater uma conjuntura inflacionista que se deve principalmente aos altos preços da energia se insiste no recurso à clássica política da subida dos juros, é quase certo que caminhamos para uma recessão total na Europa, enquanto continua por fazer a menor reflexão sobre o sentido ou o absurdo das políticas anti-inflacionistas e das sanções económicas contra a Rússia.

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