
Quando estou a ler a Correspondência de Fernando Pessoa (Fernando PESSOA, Correspondência 1923-1935, Lisboa, Assírio & Alvim, 1999, 477 pp.) não posso deixar de reparar na profusão de nomes, de poetas, escritores, artistas, mais ou menos efémeras mas entusiasmadas revistas literárias e de reflexão literária, filosófica e estética, escolas, grupos e seitas literárias ou à procura da sua identidade ou vocação ou espaço, tendências e correntes, mesmo sendo tudo passageiro quanto quase desconhecido (e assim ficou e ficará), sou levado a reflectir sobre esse ambiente fervilhante, tentando compreender porque é que foi assim e mais tarde deixou de ser, sendo certo que o Estado Novo não explica tudo, designadamente o silêncio e o imobilismo que vieram depois, sendo certo que a longa noite do fascismo representou um golpe quase mortal para a cultura e os seus agentes, embora obrigasse por reacção a uma produção contracorrente, sendo também certo que quarenta anos depois do 25 de Abril, o panorama, hoje, continua quase o mesmo, deparando com a estagnação para lá dos centros urbanos e duma minoria actuante, o pântano e o medo das águas revolta ou de revolver as águas, o individualismo como estratégia perante a exiguidade da procura (ou da oferta oficial de apoios), cada um por si, invejando e defendendo-se de ataques imaginados, maldizendo pela calada, multiplicando o que há de pior em nós, voltando as costas a qualquer ideia de grupo ou de corrente interventiva, a qualquer projecto colectivo, movimento, partilha, escola, reflexão/investigação não académicas em grupo.
Salvo casos isolados, evidentemente, e que são a excepção que confirma a regra que nos rodeia.
Somos, portanto, reconduzidos a uma questão essencial e fundante e que se desdobra em duas:
a) Como explicar toda a movimentação literária, artística e filosófica a que assistimos desde as duas últimas décadas do século XIX até às primeiras três décadas do século XX, o início da instalação do Estado Novo de Salazar?
b) Como explicar o fim dessa movimentação e agitação, o início dum período de imobilismo reflexivo que se mantém até aos dias de hoje?
Mas mais questões se levantam a propósito. Por exemplo, como explicar que nos dias de hoje, em tempos marcados por profundas transformações no campo da comunicação e troca de informações, em tempos de proliferação das redes sociais, numa época de globalização das culturas e da aldeia global, num tempo em que somos todos vizinhos uns dos outros, em que me posso relacionar facilmente com um islandês ou com um cidadão sul-africano, em suma, num tempo de facilitação da comunicação e das ligações humanas como perceber que não consigamos retomar esse tempo de efervescência cultural?
Correspondência (1905 – 1922)
de Fernando Pessoa
Assírio & Alvin
Última edição: 1999
ISBN: 978-972-37-0505-8
Preço – € 26,00