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Sábado, Abril 27, 2024

Sanções, carências e preços

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Em plena crise inflacionista continuamos a ouvir os políticos ocidentais e os grandes meios de comunicação a repetirem até à exaustão que os altos preços da energia são um resultado directo da invasão russa da Ucrânia quando, na realidade, a verdadeira responsabilidade cai sobre a sua duvidosa política de sanções.

No início da crise ucraniana, os stocks globais de gasóleo eram já os mais baixos desde 2008, pois os bloqueios da Covid-19 causaram grandes constrangimentos na oferta e na procura da produção de petróleo e gás. Agora, o cenário está montado para uma crise sem precedentes no diesel, que poderá ter consequências surpreendentes para a economia mundial.

Facto raramente lembrado é a essencialidade do gasóleo para toda a economia mundial, de uma forma que poucas fontes de energia o são e que no final de Fevereiro (primeiros dias da invasão da Ucrânia e ainda sem sanções específicas) o seu preço no mercado europeu já atingia valores nunca vistos nos últimos trinta anos. E isso não tinha nada a ver com a guerra, mas sim com os constrangimentos provocados pela Covid-19 desde Março de 2020, a que se juntavam receios de escassez na oferta, com a agência noticiosa REUTERS a fazer eco que a duas das maiores empresas petrolíferas do mundo (as britânicas BP e Shell) tinham interrompido as entregas de diesel para a Alemanha, país a que a Rússia forneceu cerca de 60 a 70% de todo o diesel da UE antes da guerra na Ucrânia, alegando aquele medo de escassez.

A importância deste combustível prende-se com a maior eficiência dos motores que o usam, como é o caso de quase todos os camiões de carga e da generalidade dos equipamentos agrícolas (desde tractores a máquinas de colheita), por ser largamente usado no parque automóvel da UE (alimentando quase 50% dos automóveis), na maioria das máquinas pesadas de mineração, nas máquinas de terraplenagem e nos equipamentos de construção. Os motores a diesel substituíram os motores a vapor em todas as ferrovias não electrificadas do mundo, especialmente nos comboios de carga e ainda é usado em alguma geração de energia eléctrica e na maioria dos veículos militares pesados. Uma situação de escassez de diesel, seja ela temporária ou não, pode converter-se num evento catastrófico, com as mercadorias imobilizadas nos portos, a interrupção dos circuitos de distribuição alimentar e quebras em toda a cadeia de fornecimentos.

Para já, a redução de stocks (em Fevereiro deste ano, antes da crise ucraniana, os stocks de diesel nos EUA estavam 21% abaixo da média sazonal pré-covid e na UE estavam 8% abaixo do nível médio pré-covid) levou a um aumento dos preços (entre Maio deste ano e o mesmo mês do ano passado o preço médio do gasóleo em Portugal passou dos 1,4€/litro para 1,9€/litro, um aumento de 35,7%, enquanto na Alemanha subia 40% no curto período entre Dezembro de 2021 e Abril último); esta situação tenderá a agravar-se com as nunca vistas sanções ocidentais contra a Rússia que levarão um número crescente de empresas petrolíferas ocidentais a abdicar de negociar com petróleo bruto ou diesel russo por medo de represálias e já deixa no ar a possibilidade de se virem a registar racionamentos.

Quando a situação nos EUA, país onde a inflação já chegou aos 8,5% e está em máximos de 40 anos, a crise do combustível diesel apresenta potencial para assumir um impacto dramático em todas as formas de transportes e de produção agrícola, enquanto na Zona Euro a inflação chega aos 7,5% e a Alemanha parece continuar apostada na agenda Carbono Zero (com o que isso significa de substituir os hidrocarbonetos pelas menos fiáveis e mais caras energia eólica e solar), vai-se acumulando o potencial para agravar o retrocesso da economia mundial despoletado pela Covid-19, pelo que talvez nem seja exagero designar o problema como uma verdadeira crise de energia e não como uma crise de combustíveis marginalmente ligada à invasão russa da Ucrânia.

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