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Sábado, Outubro 5, 2024

Sentido de realidade

Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Pesquisadora, coordenadora do Centro de Memória Sindical e jornalista do site Radio Peão Brasil. Escreveu o livro "O mundo do trabalho no cinema", editou o livro de fotos "Arte de Rua" e, em 2017, a revista sobre os 100 anos da Greve Geral de 1917

Dizem, alguns jornalistas, que as tal das sabatinas são melhores que os debates. Não acho. Em geral os jornalistas que fazem as perguntas não enfrentam o tema principal, enquanto nos debates os candidatos se confrontam uns com os outros criando uma situação mais realista, menos dissimulada.

Disseram também que causou espanto o debate acalorado da TV Gazeta no último domingo, 1º de setembro. Que nunca antes na TV blábláblá. Que nada! Quem nunca viu o Brizola debatendo? Aquele sim era lacrador, no bom sentido. Aquele sim produzia bons recortes. Tão bons que usamos até hoje, mais de trinta anos depois. “Filhote da ditadura” na cara do Maluf, lembram? Quem não lembra do Quércia no Roda Viva?

O problema é que os debates e as entrevistas ficaram muito chatos e engessados. Assim como as campanhas. Não pode mais fazer boca-de-urna! Quando eu era criança eu adorava fazer boca-de-urna. Dia de eleição era uma festa. Hoje, não pode. Uma pena. Aí, quando vemos um debate sair do protocolo, nossa!

Assisti ao Roda Viva do Pablo Marçal e a entrevista dele para o UOL. Com isso, e lendo alguns comentários na minha bolha, penso que os jornalistas, a elite intelectualizada e a esquerda não estão sabendo lidar com esse problema. Na minha opinião isso passa por um pseudo vanguardismo esnobe. Quando Silvio Santos morreu  ficou nítido. As torcidas de narizes, os saltinhos altos e as “explicações” sociológicas e teóricas para o fenômeno Silvio. Puro suco de pregação para convertidos.

As entrevistas que vi do candidato coach foram muito fracas. Perguntavam sobre a dinâmica e a monetização das redes sociais, se ele apoia impeachment do Alexandre de Moraes, se o Bolsonaro isso, se o Tarcísio aquilo. Nada que acrescente, nada que mude voto de ninguém.

No nosso campo progressista/de esquerda não muda muito. Não adianta culpar o neoliberalismo. Eu sei que isso é um problema que leva à consequências do tipo Marçal, Bolsonaro e Tarcísio. Mas a questão do neoliberalismo aqui é de fundo. É o quadro maior. E hoje carecemos de olhar o detalhe, o quadro menor. Se para tudo damos mesma resposta: o neoliberalismo, não saímos do lugar. Não entendemos a situação.

Uma vez li em um artigo da BBC que o líder soviético Vladimir Lenin, depois de morto, teve seu cérebro fatiado por pesquisadores que queriam entender a natureza de sua genialidade. Pois bem, o que queria chamar atenção é que no texto Lenin é descrito como uma pessoa com forte “sentido de realidade”, entre outras qualidades. Lembrei desse texto porque acho que as vezes carecemos de “sentido de realidade”.

O povo, e aqui não uso o sentido social da palavra, mas o sentido geral, o povo eleitor, é muito pragmático em suas escolhas. Bilhete único e corredor de ônibus é uma linguagem que o povo entende e aprova. Tarifa proporcional de ônibus que cobra mais de quem mora mais longe, também é algo de fácil compreensão. E o povo desaprova.

Por fim, se tivesse a oportunidade, eu perguntaria para o candidato Pablo Marçal: “você adotou a carteira de trabalho como um símbolo na sua campanha. Considerando que a carteira foi criada pelo presidente Getúlio Vargas para garantir o cumprimento dos direitos previstos na CLT, no mesmo processo que criou os sindicatos, que também é um direito trabalhista, qual sua posição sobre o movimento sindical? Você apoia a reforma trabalhista, que foi o maior desmonte desses direitos previstos pela carteira, ou a posição do Bolsonaro, com sua carteira verde-amarela, que também retira direitos dos trabalhadores?”.


Texto em português do Brasil

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