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João de Sousa

Quinta-feira, Março 28, 2024

Só quando não houver jornais é que vamos perceber

J. A. Nunes Carneiro, no Porto
J. A. Nunes Carneiro, no Porto
Consultor e Formador

DIA 15, FALAMOS

Ser jornalista era uma profissão respeitável e respeitada. Escrever em jornais era algo de importante, sério e de grande responsabilidade.

1 A crise na imprensa escrita é um tema recorrente, pelo menos, nos últimos 15 anos. As responsabilidade foi, normalmente, atribuída à explosão da Internet que oferece notícias a toda a hora (ou minuto, se formos mais precisos…). Outra razão é a que diz que os jornalistas não souberam refundar a imprensa nesta nova fase. Alguns atribuem ainda o problema à falta do poder de compra dos leitores. Finalmente (e sem querer ser exaustivo), também se fala de alterações estruturais no comportamento de compra dos cidadãos (consumidores) e na sua apetência pelo imediato e mais superficial (que a Internet permite) contra o gosto pelo pelo mais profundo e completo.

Não sei qual a razão principal. Não conheço todos os motivos para a diminuição de leitores. O que para mim é claro é que há (pelo menos) dois aspectos essenciais neste tema: uma imprensa livre é condição primeira de qualquer democracia digna desse nome. Depois, ainda hoje é insubstituível o papel e a existência de jornais que não só noticiem mas que aprofundem os temas, promovam a reflexão e estimulem a compreensão da realidade nas suas múltiplas facetas.

2 Logo após o 25 de Abril de 1974, em Espinho (cidade onde eu vivia), havia vários quiosques onde se vendiam matutinos e vespertinos. De memória, lembro-me dos principais jornais no Porto (“Jornal de Notícias”, “Comércio do Porto” e “O Primeiro de Janeiro”) e dos principais de Lisboa (“Diário de Notícias”, “Século”, “Diário de Lisboa”, Diário Popular” e “A Capital”). Sim, num país pobre e com um fraco poder de compra, existiam oito jornais diários.

Ao fim da tarde, quando chegava o comboio, ocorria um fenómeno quase diário: formava-se uma fila junto aos quiosques para comprar o jornal do dia que trazia as últimas novidades que, depois de lidas, eram discutidas à mesa do café.

A imprensa e as suas notícias, as entrevistas, as reportagens marcavam a actualidade. Uma frase surgia, muitas vezes, como argumento final numa discussão: “Olha, podes dizer o que quiseres mas vinha assim no jornal”. E assim, com a credibilidade de uma fonte autorizada se resolviam equívocos, se reforçavam convicções, se construíam ideias e posições.

Ser jornalista era uma profissão respeitável e respeitada. Escrever em jornais era algo de importante, sério e de grande responsabilidade.

3 Passaram quatro décadas. Muita coisa mudou. A começar pelo panorama da imprensa portuguesa. Dos oito jornais que referi, em 2018 apenas um subsiste: o “Jornal de Notícias”. Significativo. Nestes 40 anos, várias foram as tentativas de mudar o mercado da imprensa escrita. Só para falar de diários, recordo o “Portugal Hoje”, o “Notícias da Tarde”, o “Diário”, o “Público” e o “Correio da Manhã”. Destes, só os dois últimos resistem e, curiosamente, o CM é líder de vendas no seu segmento.

A realidade mudou em número de títulos. Mas mudou, ainda mais, no perfil do modelo de negócio e na essência da competitividade do mercado.

Infelizmente, nem tudo o que surgiu foi no melhor sentido nem alcançou melhores resultados.

4 Uma das grandes vantagens anunciadas da Internet era a da democratização do acesso a informação mais livre e (tendencialmente) mais barata ou até gratuita. Outra era a da democratização do acesso ao espaço mediático por qualquer cidadão que, de forma livre, podia escrever e ser lido por um número muito grande de pessoas, mesmo que não tivesse meios financeiros para ser dono de um jornal.

Infelizmente, esta salutar utopia não teve sempre os melhores resultados.

Uma das ilusões mais perigosas e absurdas é a do jornalista-cidadão que, sem restrições, consiga participar no espaço mediático substituindo os jornalistas profissionais. Ter acesso fácil a um jornal ou a um blogue não transforma o cidadão que o faz num jornalista profissional. Apenas o transforma em alguém que pode estar presente no espaço mediático. Da mesma forma que, a Internet não nos consegue transformar em médicos só porque há vários espaços de informação sobre doenças, tratamentos ou medicamentos.

5 Para mim, um dos prazeres que cultivo desde muito cedo é o da leitura de jornais. Cada vez mais os sinto imprescindíveis para acompanhar o nosso tempo, a sociedade, a política, a economia, a cultura: a vida, numa palavra.

Mas, não posso deixar de estar muito preocupado com o panorama actual: encerramento de jornais; fake news; despedimento de jornalistas (ou extrema precariedade da profissão); predomínio de grandes, poderosos e despropositados operadores/investidores com agendas muito próprias de controle e influência; intromissão descarada em actos eleitorais e escolhas políticas.

Tudo isto são sinais diários de alerta e perigo. Volto ao princípio. Sem uma imprensa livre, não há democracia. Sem jornais de qualidade, quem mais sofre são as pessoas, os cidadãos.

Há meses, um amigo dizia-me: podemos ter uma guerra em breve. Achei exagerado nesse momento. Hoje acho que essa guerra já começou. Está em curso em vários países onde a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa começam a ser seriamente ameaçadas. E o problema pode alastrar.

Mais do que nunca, precisamos de bons jornais, de bons jornalistas e, naturalmente, precisamos de… leitores.

Desde o início desta crónica fiz questão de não entrar na discussão papel/digital. Para mim, o essencial é que haja jornalistas a honrar a sua tradição de “quarto poder”, que haja jornais que os acolham e os deixem trabalhar criando conteúdos de qualidade, sérios, completos, abertos e isentos. Conteúdos que possam ser partilhados no papel, no smartphone, no tablet ou no computador. E que depois possam ser lidos, discutidos e pensados: numa mesa de café, numa viagem de autocarro ou na nossa casa.

6 Por agora, podemos encolher os ombros e dizer que não é nada connosco. Ou podemos ler cada vez mais. E, como é cada vez mais óbvio, esses conteúdos terão de ser pagos pois, no actual modelo de negócio, as receitas tradicionais (publicidade) são insuficientes.

Pagar mais para ter melhor informação: esse é o destino dos leitores. Infelizmente, se nada fizermos de concreto, só quando já não existirem jornais é que vamos perceber mesmo a falta que eles nos fazem. Esperemos que não seja já tarde.

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