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Quarta-feira, Março 27, 2024

Subfinanciamento crónico do SNS continua

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

O Orçamento do Estado para 2020 não acaba com o subfinanciamento crónico do SNS nem com a sua enorme divida como afirmou o Governo, e as dificuldades dos portugueses no acesso à saúde vão continuar em 2020.

Neste estudo analiso, utilizando dados oficiais do Relatório do Orçamento do Estado para 2020 e da “Nota Explicativa ao Orçamento do Estado para 2020” apresentada na Assembleia da República pelo Ministério da Saúde, documentos acessíveis a todos os interessados, o Orçamento do SNS para 2020 mostrando que, contrariamente ao que afirma o governo, o subfinanciamento do SNS continua em 2020 (as transferências do OE para o SNS são inferiores à despesa do SNS em 809 milhões €), e que apresar de um reforço do OE no montante de 550 milhões € em Dez.2019 para pagar a divida do SNS, um elevado montante desta (1.439 milhões €) passaram para 2020 por não se ter sido paga continuando a estrangular o funcionamento do SNS e contribuindo para a degradação deste. Como consequências as dificuldades dos portugueses em aceder aos serviços de saúde do SNS continuarão em 2020.

Espero que este estudo possa contribuir para um conhecimento mais verdadeiro sobre a situação atual do SNS e para a sua defesa, pois  é uma das principais conquistas de Abril e um instrumento fundamental no combate às desigualdades e à pobreza que continuam a ser enormes no nosso país.

 


 

Estudo

O Orçamento do Estado para 2020 não acaba com o subfinanciamento crónico do SNS nem com a sua enorme divida como afirmou o Governo, e as dificuldades dos portugueses no acesso à saúde vão continuar em 2020

 

Contrariamente ao que afirmou o governo (1º ministro e ministra da Saúde) o subfinanciamento crónico do SNS pelo OE vai continuar em 2020 assim como vai continuar a enorme divida do SNS a fornecedores privados. É isso que vamos provar utilizando os dados da “Nota Explicativa do OE 2020” apresentada pelo Ministério da Saúde à Assembleia da República.

 

Em 2020 as transferências do OE para o SNS inferiores às despesas em 809 Milhões €

O gráfico 1, com dados da Nota Explicativa do Orçamento do Ministério da Saúde mostra a dimensão do subfinanciamento cronico (transferências do OE inferiores às das despesas do SNS).

 

Gráfico 1 – As transferências do OE para o SNS, a despesa anual do SNS e o saldo negativo anual – M€

 

No período 2014 -2020, as transferências do OE para o SNS somaram 61.109 milhões €, e a despesa do SNS foi de 68.697 milhões €, portanto registou-se um saldo negativo de -7.588 milhões €. No período de governos PS (2016/2020) o saldo negativo foi de -5.365 milhões €. Mesmo em 2020, em que o atual governo anunciou que iria acabar o subfinanciamento crónico do SNS, a previsão é que a despesa seja superior às transferências do OE em 809 milhões €.

Mesmo adicionado as taxas moderadoras – 170M€/ano- a receita continua a ser muito inferior à despesa. Daí o crescimento ininterrupto da divida que continuará em 2020. A realidade é bem diferente das declarações governamentais que servem para a sua propaganda.

 

A divida enorme do SNS a fornecedores privados manter-se-á em 2020

Uma outra declaração do atual governo que não tem também correspondência no real, é a resolução da enorme divida do SNS, consequência do subfinanciamento crónico pelo OE.

 

Gráfico 2 – Evolução da divida do SNS a fornecedores privados entre 2012 e 2019 – Milhões €

Fonte: Ministério da Saúde

 

Em Nov. 2019, a divida total do SNS a fornecedores privados atingia 1.989 milhões €, e a vencida (a que ultrapassava o prazo acordado de pagamento) era de 1.309 milhões €. Em relação ao do ano de 2018 não se verificou qualquer melhoria pois, no 3º Trimestre de 2018, a divida total somava 1.950 milhões €.

Esta enorme divida é causa de má gestão (não permite qualquer planeamento e obtenção de descontos nas compras), de custos excessivos (os fornecedores naturalmente incluem no preço uma taxa pelos atrasos),e contribui para o agravamento das dificuldades e da degradação do SNS pois impede que adquira a tempo e horas e com qualidade o que precisa. E vai continuar a aumentar em 2020, porque, por um lado, as transferências do OE para o SNS (10.290 M€) são insuficientes para cobrir as despesas previstas (11.090 M€) como mostramos, e, por outro lado, o reforço do orçamento dos hospitais realizado em Dez. 2019 para pagar a divida existe foi manifestamente insuficiente.

Segundo o chamado “Plano de Melhoria da Resposta do SNS”, aprovado em Dez.2019 através da RCM 198/2019, o governo, no ponto 14, refere “como medida adicional para 2019 , um reforço de 550 milhões € destinados à redução do atual stock de pagamentos em atraso (divida) Do SNS” (Ponto 14). Como mostra o gráfico 2, em Novembro de 2019, portanto não incluía o mês de Dezembro, a divida do SNS aos fornecedores privados já atingia 1.989 milhões €. Se deduzirmos os 550 milhões € ainda ficam por pagar 1.439 milhões €, que transitaram para 2020.

Afirmar, como faz o governo na sua campanha de propaganda que a situação do SNS vai melhorar em 2020 é não falar verdade para não utilizar outras palavras.

 

O investimento ridículo em 2020 em novos hospitais contraria afirmações do Governo

Um dos aspetos da campanha de propaganda do governo é que vai fazer grandes investimentos em novos hospitais prometidos mas nunca realizados. Comparemos estas promessas com a realidade (Nota do MS).

 

Quadro 1 – Investimentos previstos em novos hospitais em 2020 – Ministério da Saúde – Milhões €

 

Excetuando o Hospital da Madeira, cujos 62 milhões € foram concedidos em troca da abstenção no OE 2020, o investimento que resta para 5 grandes hospitais em 2020 – Lisboa Oriental, Seixal, Sintra, e Alentejo – é ridículo e simbólico pois como ele praticamente nada se pode fazer (41 milhões €). O total de 950 milhões € que consta do quadro é para o futuro, mas não se sabe quando será realizado. Mas é desta forma que se desinforma e manipula a opinião publica criando falsas expetativas (a 1ª pedra do Hospital do Seixal já foi lançada pelo governo de Sócrates mas ainda não passou da 1ª pedra. E a ministra ainda veio prometer mais um para o Algarve).

 

A degradação das condições de trabalho e de remunerações dos profissionais de saúde vai continuar em 2020, apesar de ser uma causa importante da destruição do SNS

Há uma cegueira em relação às condições de trabalho, de carreira profissional e de remunerações dos profissionais de saúde no SNS, que o está a destruir, e a alimentar a explosão do negócio privado da saúde em Portugal. A falta de profissionais dedicados em exclusividade ao SNS é atualmente o problema mais grave deste. A nova lei de bases de saúde aprovada em 2019 foi uma oportunidade perdida. Ela não dá resposta aos maiores problemas do SNS.

O OE 2020 é a prova disso. No SNS, com a introdução do Contratos Individuais de Trabalho instalou-se a selva laboral, onde profissionais a fazer o mesmo têm contratos de trabalho com remunerações muito diferentes. As carreiras médicas foram destruídas perante a passividade da A. República. A lei que permitia a exclusividade no SNS foi abolida em 2009. A promiscuidade dos profissionais que trabalham simultaneamente em hospitais públicos e privados multiplicou-se afetando mesmo a sua consciência ética e o seu sentido de dever público, reduzindo drasticamente a sua produtividade, o que agrava as dificuldades do SNS.

O investimento no SNS é mínimo agravando as condições de trabalho dos seus profissionais. O OE 2020 não permite melhorar as condições de vida e de trabalho dos profissionais de saúde.

Em 2019, segundo estimativas do próprio governo (pág. 37 da Nota Explicativa do MS) as despesas com pessoal atingiram 4.371 milhões €, ou seja, mais 285 milhões € do que em 2018. Para 2020, foram orçamentados apenas 4.547 milhões € de despesas de pessoal para o SNS, ou seja mais 176 milhões € do que em 2019. Com tal aumento é impossível garantir carreiras e remunerações dignas aos profissionais de saúde. E assim o SNS continuará a ser destruído e o negócio privado de saúde continuará a ser alimentado. Mas nenhum partido na Assembleia da República se preocupa verdadeiramente com isto considerando que é mais importante a descida do IVA da eletricidade.

A cegueira política continua. Mas assim se permite que se destrua uma das principais conquistas da Revolução de Abril vital para os portugueses e para combater as graves desigualdades que continuam a existir no país. Só não vê quem é cego ou não quer ver. A direita que quer destruir o SNS ainda se compreende, mas a passividade da esquerda em atos não.



 

 


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