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Sábado, Dezembro 7, 2024

Tentaram nos enterrar, mas não sabiam que éramos sementes

Valdete Souto Severo
Valdete Souto Severo
Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP, juíza do trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região, professora de Direito e Processo do Trabalho da UFRGS e escritora

Escrevi recentemente que diante dos ataques constantes aos direitos trabalhistas, é necessário formar outro grupo de estudos: o G.A.E.T – Grupo de pessoas Afetadas pelo Enfurecimento contra Trabalhadoras e trabalhadores.

Esse grupo certamente não serviria apenas para construir propostas que finalmente concretizem a Constituição, tal como regra que impeça a despedida imotivada ou elimine os efeitos perversos da justa causa contra quem trabalha. Acabaria, por força, tornando-se um grupo de troca coletiva, de sustentação emocional. É que está muito difícil suportar não apenas os ataques, mas sobretudo os argumentos utilizados para defendê-los. Lembra muito a covardia de homens que espancam mulheres e lhes dizem que fazem isso por amor. Pois um dos economistas que apresentou o estudo para alterações na legislação trabalhista, encomendado pelo governo, afirmou que a proposta de extinguir o acréscimo de 40% sobre o FGTS, quando da despedida, tem o intuito de proteger. Isso mesmo. Ele afirmou, e segue dormindo a noite sem pesadelos, que retirar a única verba paga em razão da perda do emprego, é medida eficaz para reduzir a rotatividade. Impossível não associar com a perversidade da violência física que antes mencionei. Sob essa perspectiva, em vez de impedir despedida, acabar com a justa causa, aumentar os direitos devidos quando da extinção do vínculo, a fórmula genial para impedir a dispensa é a sua facilitação. A proposta assume características ainda mais perversas quando mantém a conta vinculada, mas propõe que o valor devido quando da despedida seja pago ao governo, que fará repasses mensais ao trabalhador ou trabalhadora despedidos. Revela-se a falácia do argumento do Estado mínimo. Repensar o sistema do FGTS pode ser mesmo necessário, afinal porque o governo usufrui de recursos que não lhe pertencem, criando obstáculos ao seu saque?

Não se propõe, entretanto, que o Estado se retire dessa mediação. Ao contrário, ele se torna ainda mais presente e voraz.

No texto em que propus a formação de um grupo que reúna quem, como eu, anda sofrendo com tanto assédio, sugeri que nos organizemos antes que seja tarde demais.

Na verdade, nunca é tarde demais. Estamos vivendo um processo de aposta na barbárie, mas não há fim da história.

Essa é a beleza da vida. Um ano termina, mas outro sempre começa. Se não estivermos aqui, haverá outras pessoas que, como nós, seguirão na luta contra esses abusos. Afinal, o que está por trás de propostas de destruição da legislação social, como essa recentemente apresentada, é um projeto político de imposição de sofrimento, de morte física por falta de alimentação ou moradia adequada. É a violência gerada pelo desespero. Isso não é novidade, ainda mais em um país atravessado pela racionalidade escravista. Em contrapartida, o que nos move é a aposta na premissa básica de que todos os seres que convivem no mundo têm direito a viver com decência. Num país capitalista, não há decência sem proteção social. Impressiona que isso ainda precise ser dito. Nesse sentido, a aposta dos algozes do direito do trabalho é, no limite, uma aposta na ruptura. Eis uma interessante ironia. Também queremos ruptura, mas quem deseja que todos vivam com decência, jamais será cúmplice desse desmanche. É preciso ter condições materiais para reflexão e atuação política. É preciso estar alimentado e saudável para engendrar mudanças.

2022 está aí.

Eis um bom desafio: comprometer nossas candidatas e candidatos não apenas com o engavetamento de propostas que avancem contra direitos sociais, mas também com a revogação das leis inconstitucionais já produzidas e com a efetividade de direitos nunca materializados.

Sei que isso não será suficiente. E certamente não basta. Será preciso avançar. Mas momentos de intensa agressão como esse, que nos dão a triste sensação de que tudo está perdido, fazem perceber o que importa: cada violência impedida, cada discurso confrontado, cada direito consolidado pode representar a diferença entre viver e morrer para um número expressivo de pessoas.

Como diz a música, “tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro…

Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”.

Que venha 2022!


Texto em português do Brasil

Fonte: Brasil de Fato

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