Na letra, que comemorou o golpe vitorioso contra a ditadura salazarista, o cantor pediu: “guarda um cravo para mim”. A Revolução dos Cravos comemora 42 anos em 2016 e a festa continua “bonita, pá”, mas não aqui no Brasil.Em 2016, Chico Buarque não é mais um jovem compositor, está maduro (prestes a completar 72 anos) e continua a usar recursos como música, poesia e gentileza contra os que agridem a nossa democracia. Recentemente, em um restaurante do Rio de Janeiro, cidade onde mora, foi agredido verbalmente por jovens que queriam o impeachment da presidente Dilma Rousseff (o que já está em etapa de consolidação, a julgar pelos votos favoráveis dos deputados que votaram o pedido) e criticavam sua postura a favor do governo.
Chico conversou com os jovens, não se revoltou, não xingou em resposta ao xingamento que sofreu. Recordo a cena aqui porque hoje, nas redes sociais, um dos tópicos de discussão foi a “cuspida” indignada que o ator José de Abreu deu contra um casal que o abordou em restaurante. Muitos o condenaram, outros o defenderam com a ressalva de que “nem todo mundo” é gentleman como Chico Buarque.
Uma cuspida ou um cravo?
Do mesmo jeito que xingaram Chico, xingaram Abreu, mas Abreu, talvez esgotado de argumentos, resolveu revidar com um gesto que ganhou força na votação do impeachment: a cuspida do deputado Jean Wyllys “na cara” do deputado Jair Bolsonaro que, além de votar a favor do impeachment, fez apologia da ditadura ao homenagear um torturador da época, Coronel Brilhante Ustra.
Os que não são artistas (músicos, poetas) ou os que têm menos inspiração em brigas, talvez, sejam forçados, a certa altura de discussões, a cuspir na cara dos ofensores. Chico Buarque, não. Ao contrário.
Em 1974, depois de escrever a letra de Tanto Mar submeteu a música à ditadura militar e, logicamente, ela não foi aprovada. Apenas instrumentalmente.
Portugal tomou a guarda da música e lançou-a antes de nós.
Em 1975, Chico Buarque fez um show ao vivo com Maria Bethânia no famoso Canecão (casa de espetáculos do Rio) e colocou a música proibida no repertório. Só instrumentos. No último dia da temporada, no entanto, resolveu cantar a letra da música. O ato, que não tem registro oficial, virou relíquia da luta democrática no Brasil.
Passaram-se mais três anos, Portugal seguia livre da ditadura enquanto o Brasil caminhava para mais um governo militar. Chico, resistia, compondo letras de música como “Cálice” e “Apesar de você”, ambas gravadas em 1978 no mesmo disco em que gravou “Tanto Mar”. Aí, sim, com letra, ligeiramente alterada, mas fiel ao elogio à Revolução dos Cravos.
Neste 25 de abril, espero que Chico Buarque continue compondo enquanto nós, que nos inspiramos em artistas como ele e em revolucionários como os portugueses de 25 de abril, seguimos na luta pedindo liberdade democrática e recordando a Revolução dos Cravos, mais lindo “golpe” que o mundo já deu em uma ditadura.
A autora escreve em português do Brasil