E tremi eu também. Porque vivi lá dez anos e a adoptei como Cidade. A minha Cidade. Em Roma recriei a minha vida, deixando definitivamente Coimbra. Cresci lá intelectualmente. Trabalhei na Universidade “La Sapienza”. Gosto de Itália e muito de Roma. Não digo amo, porque dou razão à Hannah Arendt: só se ama pessoas!
Mas, sim, amo Roma, porque deixei lá muitos amigos. E, através deles, amo a Cidade. Sofri muito quando Amatrice ficou destruída, em Agosto passado, por um terramoto devastador. Tinha, em Roma, muitos amigos naturais de lá. Morreram cerca de trezentas pessoas. Uma chacina. A cidade quase desapareceu. E agora volta a acontecer, em Norcia, ali muito perto. Felizmente sem vítimas.
Amatrice: aviso sério
Acautelaram-se quando a terra tremeu pela primeira vez, uns dias antes. Amatrice fora um aviso sério para os riscos que esta zona corria e corre. E o que se passou foi terrível. Destruição. A terra abriu-se. Abateu. Longas fendas na montanha, no Monte Redentore. Vi-as, estas, a partir de um helicóptero que sobrevoou o Monte. Do seu ventre saíam fumo e ruídos violentos, explosões.
Vi os filmes e apeteceu-me chorar. Alguém dizia, no cimo do monte: “guarda, guarda, una botta pazzesca, da non ricordare!” (olha, olha, uma explosão impressionante, a não recordar”).
E tinha razão. No vasto horizonte via-se, por toda a parte, fumo que parecia sair das entranhas dessa terra que tremia. Lembrei-me, então, mais uma vez, da crueldade que, por ocasião do terramoto de Amatrice, a coberto de uma inevitável sátira impiedosa, mas pretensamente salutar, demonstraram esses “intelectuais” do Charlie Hebdo que vivem acampados nas margens do Sena a ditar crítica universal para aguçar os espíritos adormecidos da cidadania mundial. Mas esses mesmos, os seus companheiros de Redacção, não sofreram a fúria da natureza. Sofreram, isso sim, a fúria assassina e cruel de fanáticos que não suportaram a sua sátira. Coisas do espírito que acabaram em sangue e que mereceram a justa solidariedade internacional!
Mas esta natureza, a de Aquila, de Amatrice e de Norcia, nem sequer está a reagir aos desmandos humanos ou às agressões ambientais. Ao que parece, trata-se de ajustamentos geológicos, as famosas falhas sísmicas, abundantes em Itália.
A natureza, em desconforto consigo própria, a reagir para se recompor, deixando um rasto de destruição entre os humanos.
Que dizer desta tragédia?
Que irão dizer desta tragédia estes intelectuais empenhados em promover a consciência crítica do mundo? Que a culpa é, de novo, da Mafia? Do Governo? Do Papa Francisco? Do imperialismo? Da União Europeia? De quem é a culpa, afinal? Aposto que, desta vez, ficam calados.
Aplaudirei o silêncio! Porque a culpa não é de ninguém. E nem sequer é preciso encontrar sempre culpados para tudo. Belezas da Arquitectura perdidas para sempre. Milhares sem casa. Descalabro financeiro. Não, não há culpados. Ou são os que, há mil anos, não desenvolveram técnicas anti-sísmicas eficazes?
Não, a natureza é dona de nós, desde o nosso corpo até ao mar, às montanhas, ao céu! Quando fala alto não há nada a fazer. Sentimo-nos pequeninos. Somos pequeninos. Impotentes.
Castigo divino? Também não! Terras como aquelas não podem ser castigadas. São belas demais! E são acarinhadas pelos humanos. Castigadas… só se for por terem “lenticchie” e “salami” dos melhores do mundo! E por exibirem património natural e construído do mais belo que se pode encontrar.
Até Roma sentiu o perigo e sofreu danos patrimoniais, apesar da protecção divina. Desde 1980 que não se via uma coisa assim.
Itália: os sismos e o défice
Matteo Renzi, o jovem PM italiano, disse que não vai respeitar essa minudência do 0,1% de défice. Tem mais em que pensar.
Quer reconstruir o que ruiu. E esse 0,1% do PIB talvez chegue! Ou talvez não. Não fiz as contas. Mas já há quem diga, perigosamente, que chegou a altura de parar com o acolhimento dos refugiados estrangeiros e começar a tratar dos refugiados italianos (dos terramotos), que são dezenas de milhar.
E a pressão sobre Itália é muito intensa. Faz, pois, bem Renzi em pensar nestes dramas humanos enquanto os Jeroen René Victor Anton Dijsselbloem deste mundo fustigam a União com folhas de excel, numa autêntica algebrose que ameaça tornar-se crónica, provocando a paralisia desse belo projecto europeu de que, há mais de meio século, falavam Spinelli, Monnet ou Schuman.
Não conto nada, mas Renzi tem o meu apoio. E, curiosamente, esse projecto, até teve o seu verdadeiro início (depois da CECA, em 1951/1952), com o Tratado de Roma, em 1957. A Cidade que agora sofreu dois abalos, o sísmico e o político, ou seja, o que se centra na resolução dos imensos problemas que os terramotos vieram acrescentar aos muitos com que o Estado italiano já estava confrontado.
Que esta tragédia, ao menos, sirva para humanizar esses robots de Bruxelas que, com a sua rigidez e enorme insensibilidade, estão a ameaçar seriamente a sobrevivência do Projecto Europeu e dos seus valores!