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Quarta-feira, Março 27, 2024

“Trolls de patentes” e outras ameaças que o CETA agrava

Ao longo das negociações do CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement) as pretensões das grandes multinacionais foram sistematicamente favorecidas face às dos cidadãos e da sociedade civil. Um tema em que esta duplicidade de critérios foi particularmente clara foi o da propriedade intelectual.

A população canadiana, por exemplo, foi prejudicada na medida em que o CETA irá exigir alterações legislativas que estendem as patentes dos medicamentos por dois anos adicionais por um lado, e podem atrasar o processo de aprovação de medicamentos genéricos até 18 meses, por outro. No conjunto, os custos acrescidos para a população do Canadá com a compra de medicamentos estima-se num mínimo de 850 milhões de dólares por ano. 

Trolls de patentes

Por outro lado, tanto a população europeia como a população canadiana podem ser prejudicadas pelo agravamento do problema dos «trolls de patentes». Este problema surge num contexto em que o elevado número de patentes de «software» cria um campo minado para os inovadores, quer pela incerteza legal associada, quer pelas limitações à inter-operabilidade de sistemas que impõe, quer pelos elevados custos de transacção e pela forma como limita inovações decorrentes das já protegidas.

Entidades designadas «trolls de patentes» são entidades que tiram proveito desta realidade através da aquisição de patentes a baixo custo (por exemplo, através da compra de empresas falidas) para então usarem o sistema de justiça contra fabricantes e inovadores que estejam em alegada violação.

O dano económico causado por «trolls de patentes» é considerável, tendo já sido estimado em 500 mil milhões de dólares ao longo de 20 anos nos EUA, danificando os sectores inovadores e produtivos, bem como a população em geral. O CETA dá força aos «trolls de patentes» na medida em que impede o Parlamento Europeu ou os estados-membros de alterar a legislação para responder a este problema.

Pelo contrário, qualquer alteração interpretada como uma tentativa de enfraquecer os direitos de propriedade intelectual em favor dos cidadãos está sujeita a uma indemnização através dos sistemas de arbitragem (ICS) inscritos no CETA, com vários problemas de transparência e enviesamento em favor dos queixosos.

Pretensões das multinacionais versus vontade das populações

Um outro exemplo do divórcio entre as pretensões das multinacionais e a vontade das populações pode ser encontrado na resposta ao desfecho do ACTA (Acordo Comercial Anticontrafação): um acordo que o Parlamento Europeu aprovou, mas que nunca chegou a ser ratificado na União Europeia face aos protestos de dimensão histórica que provocou. Não obstante a forma clara como a população europeia se manifestou contra o ACTA, verifica-se no CETA a introdução subreptícia de disposições ainda mais ambiciosas que as do ACTA (artigos 20.37, 20.39 e 20.40). Em concreto, enquanto que o ACTA dava às partes o direito de excluir patentes do domínio de aplicação civil (na secção 2, nota de rodapé 2), o CETA não prevê tal exclusão. 

Assim, também neste domínio, a possível ratificação do CETA seria uma vitória para as multinacionais e uma derrota para as populações. Urge travá-la.

João Vasco Gama, membro da Plataforma Não ao Tratado Transatlântico

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