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Quarta-feira, Março 27, 2024

Vamos discutir o que é o CETA?

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O controverso Acordo Económico e Comercial Global (CETA, em inglês) entre a União Europeia e o Canadá está na agenda do Conselho Europeu desta semana. A intenção é que o documento possa ser assinado no final de Outubro, durante a cimeira UE-Canadá em Bruxelas. Nos próximos dias ultima-se o texto final e jogam-se as últimas cartadas.

O Acordo de Livre Comércio, promovido pela Comissão Europeia (CE), pretende tornar livres as trocas comerciais entre os países envolvidos, suprimindo praticamente todos os direitos aduaneiros. E a pretensa urgência da CE é que a entrada em vigor do CETA aconteça rapidamente e em força, mesmo sem a aprovação dos parlamentos nacionais.

Sobre o tema que tem suscitado um coro de protestos por toda a Europa, o grupo parlamentar Os Verdes dirigiu esta semana ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, a seguinte pergunta: “Que partes do acordo CETA pretende a CE que entrem em funcionamento, mesmo antes da ratificação por parte da Assembleia da República?”

José Luís Ferreira | Deputado do Partido Ecologista "Os Verdes"

“Que partes do acordo CETA pretende a CE que entrem em funcionamento, mesmo antes da ratificação por parte da Assembleia da República?”, pergunta os Verdes a Augusto Santos Silva

“No fundo, a pretensão da CE poderá representar a imposição provisória deste acordo em Portugal sem debate na Assembleia da República”, escreve o deputado dos Verdes, José Luís Ferreira.

Onde pára a soberania?

Apesar de as negociações avançarem com vista à ratificação do CETA, e envoltas em grande secretismo, sondagens feitas em vários países da União revelam que a maioria dos cidadãos teme que o acordo ameace a democracia, os direitos dos trabalhadores e consumidores, assim como os serviços públicos, qualidade alimentar e ambiental.

Uma das vertentes dos acordos de livre comércio mais criticada tem sido o sistema de resolução de conflitos. Poderá ser aberta uma porta jurídica, dando possibilidade às multinacionais de processarem os Estados por decisões que ponham em causa os seus interesses. Este mecanismo chama-se ISDS/ICS e garante às grandes empresas estrangeiras a possibilidade de processar os governos, exigindo compensações financeiras se as leis violarem os direitos dos investidores ao lucro.

Se tudo lhe parece confuso, veja este exemplo inédito, ocorrido no início de Outubro. Há uma empresa mexicana que ameaça processar Portugal em 42 milhões de euros, pelo cancelamento da privatização dos transportes públicos de Lisboa.

Recorde-se que estes dois “acordos de subconcessão” que o Grupo Autobuses de Oriente (ADO), através da subsidiária espanhola Avanza, foram assinados com o governo Português, do então primeiro-ministro social-democrata, Passos Coelho, em Junho de 2015. O governo socialista de António Costa decidiu cancelar os acordos de subconcessão “com efeito imediato”, acordos esses que, no entanto, aguardavam o aval do Tribunal de Contas.

Segundo a Plataforma Não aos Tratados TTIP/CETA/TISA, a empresa mexicana que requer a indemnização enviou um aviso de disputa ao Governo Português, no âmbito do tratado de investimento bilateral Portugal-México, após considerar as negociações “infrutíferas”. Caso a disputa chegue à instância de arbitragem, será o primeiro caso do género conhecido em território nacional, apesar de a ocorrência de processos semelhantes não ser novidade no resto do mundo.

Qual a ligação do assunto ao CETA?

É que este mecanismo internacional de protecção de investimento (ICS), ou mecanismo de resolução de litígios entre investidor e Estado, é igualmente proposto pela CE no âmbito dos tratados CETA e também do TTIP (Tratado de Livre Comércio Transatlântico entre a UE e EUA).

A plataforma que reúne cidadãos e organizações da sociedade civil alerta para o facto de dezenas de milhares de empresas canadianas e americanas com subsidiárias no Canadá “poderem lançar litígios deste tipo contra os países europeus”. Tal “representa uma grave ameaça para o erário público e para os cidadãos contribuintes, já que serão estes que terão de custear as despesas do seu bolso, através dos seus impostos”, adianta.

PCP condena e rejeita

Sobre as implicações do CETA na vida dos europeus, apenas os partidos à esquerda do PS responderam às questões colocadas pelo Jornal Tornado. O PCP diz não ter conhecimento da ameaça mexicana em concreto, no entanto lembra que o partido “contribuiu activamente para o fim dos processos de fusão e subconcessão dos serviços públicos de transporte em Lisboa e Porto, mas não chegou à AR” qualquer indicação concreta de pedido de indemnização.

Relativamente ao ICS, o deputado comunista Bruno Dias sublinha tratar-se de “um mecanismo particular para dirimir conflitos entre as grandes transnacionais e os Estados que permitiria às primeiras intentar processos judiciais contra os segundos, fora dos seus tribunais, escapando e prevalecendo face às leis desse mesmo Estado.

Bruno Dias | Deputado do PCP

Para o PCP há razões “muito concretas e significativas para rejeitar e combater” os tratados de livre comércio UE/ Canadá e UE/ EUA

E a situação pode ocorrer “sempre que as suas instituições democráticas e soberanas ousem aprovar legislação susceptível de afectar os interesses dessas mesmas transnacionais – por exemplo, perante a redução das expectativas de lucro de uma transnacional, em face de investimentos realizados anteriormente à adopção de uma determinada medida legislativa ou regulamentar a adoptar por um governo ou parlamento nacional”.

Para o PCP estas são razões “muito concretas e significativas para rejeitar e combater estes tratados”. Bruno Dias conclui que “o PCP tem vindo a assumir essa posição, inclusive com iniciativas legislativas nesse sentido”.

Bloco denuncia negociações secretas

Por outro lado, o Bloco de Esquerda também se tem mostrado muito crítico das negociações e do conteúdo dos tratados de livre comércio “pois não garante nada aos povos, mas garante tudo às empresas”.

Segundo o grupo parlamentar do BE, a proposta de mecanismo actualmente designado por ICS (Investment Court System) continua a levantar preocupações. “É um mecanismo anti-democrático, que peca pela total falta de transparência e garante mais direitos a multinacionais do que aos Estados, colocando-os em pé de igualdade jurídica, o que pode levar, no extremo, a que muitos países optem por desistir de determinadas decisões, nomeadamente de políticas públicas, por medo de serem processados”, explica a deputada Isabel Pires.

Isabel Pires | Deputada do Bloco de Esquerda

O Bloco de Esquerda tem-se mostrado muito crítico das negociações e do conteúdo dos tratados de livre comércio por “não garantirem nada aos povos, mas tudo às empresas”

“Qualquer que seja a roupagem que se dê a estes mecanismos nos acordos negociados, eles são prejudiciais para os povos europeus”, acrescenta. A deputada do BE assegura que a aprovação do CETA está a ser alvo de um processo de pressão pela CE e pelos lobbys sobre os países.

Ainda em relacção ao TTIP, diz que as negociações “não estão tão paradas como se poderia pensar e foi aparentemente afirmado recentemente por um governante alemão”. “Negociações secretas, cujo acesso público deixa muito a desejar”, acusa.

“Apesar de ser muitas vezes repetido que toda a informação está disponível e que as linhas vermelhas de negociação são muito claras, não há garantias, a nosso ver, dos direitos laborais, da saúde pública, da liberdade de levar a cabo políticas públicas no interesse dos cidadãos”, avisa Isabel Pires ao destacar: “No fundo, os Estados ficam ainda mais manietados na sua acção política.

No fundo, remata, “o que o mecanismo ISDS inclui na discussão é a garantia legal no direito internacional de algo que já aconteceu em outros países, com outros acordos de livre comércio: empresas a processar Estados”.

Quem luta contra o CETA?

Manifestações, protestos, campanhas de sensibilização e recolha de assinaturas contra os tratados de livre comércio têm marcado a agenda de activistas e cidadãos por toda a Europa. A STOP TTIP/CETA – que agrega várias organizações dos 28 Estados-membros que se opõem à conclusão dos tratado – lançou recentemente a iniciativa “CETA CHECK”, que permite aos cidadãos contactarem os eurodeputados , ministros do Comércio e Economia e respectivos secretários de Estado para colocarem questões relacionadas com o CETA.

“O acordo com o Canadá pode parecer pequeno e inocente quando comparado com o irmão mais velho TTIP, mas não é menos tóxico! Terá impacto em todos os cidadãos europeus de uma forma ou de outra, seja pelo preço dos alimentos ou de visitas ao hospital! O CETA vai baixar requisitos mínimos que foram conseguidos com muito esforço, desconstruir a democracia e deturpar a lei”, defende a organização.

A plataforma europeia tornou possível a recolha de 3,5 milhões de assinaturas de cidadãos europeus contra o livre comércio, a favor da transparência e em protesto pelo secretismo das negociações.

“Não se pode aceitar que as grandes empresas ditem tudo”; “O que se passa à porta fechada, é um escândalo. Não é democrático. A autonomia dos países está a ser abalada”; “A economia deve servir a sociedade e o bem-estar das comunidades. Se tratados como este não respeitarem os princípios democráticos, então devem ser rejeitados”. Estes são alguns dos argumentos dos opositores.

Outra das campanhas em curso intitula-se “ Zonas livres do CETA/TTIP/TISA”. A ferramenta digital proporciona aos munícipes poderem solicitar às suas câmaras municipais e juntas de freguesia que se declarem zonas livres destes tratados.

O CETA só pode entrar em vigor com a aprovação de todos os Estados membros da UE. Por enquanto, o chumbo oficial veio do parlamento regional belga de Valónia. E em reacção, um grupo de eurodeputados socialistas, ecologistas e da esquerda subscreveu uma carta aberta saudando a iniciativa “altamente simbólica e corajosa” que deve ser apoiada.

“O CETA não é mais do que uma porta de entrada na UE para o conjunto dos actores económicos dos Estados Unidos, constituindo assim um verdadeiro cavalo de Tróia do TTIP”, “e pondo em prática os mesmos princípios de desregulação e de baixa dos padrões que o TTIP”, escrevem os eurodeputados.

Quem defende o CETA?

Para a CE, o acordo de comércio livre alcançado com o Canadá, “irá trazer vantagens para os cidadãos e para as empresas – grandes e pequenas – em toda a Europa a partir do primeiro dia da sua aplicação”.

Jean-Claude Juncker, presidente da CE, defende que “o acordo é o melhor e mais avançado dos nossos acordos comerciais” e “abre novas oportunidades às empresas da Europa e, em simultâneo, promove as nossas exigentes normas em prol dos nossos cidadãos”.

Para os defensores, depois de suprimidos praticamente todos os direitos aduaneiros, as empresas europeias “vão deixar de pagar centenas de milhões de euros por ano em direitos, quando importam bens do Canadá”, reduzindo preços dos produtos e beneficiando os consumidores europeus”. Também para a Comissária Europeia do Comércio, “irá contribuir para estimular o crescimento e o emprego”.

Uma das vertentes dos acordos de livre comércio mais criticada tem sido o sistema de resolução de conflitos. Poderá ser aberta uma porta jurídica, dando possibilidade às multinacionais de processarem os Estados por decisões que ponham em causa os seus interesses

Ainda secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques, disse esta terça-feira à Lusa que o tratado comercial vai mesmo ser assinado no próximo dia 27, superando as reticências da Bélgica, mas também da Roménia e Bulgária. “O que se vai passar é a entrada em vigor antecipada naquilo que é a competência exclusiva da UE”, garantiu a governante.

Dúvidas permanecem e muito está por explicar. Certo é que os tratados estão a ser negociados sem a participação activa dos portugueses. Para a Plataforma Não aos Tratados TTIP/CETA/TISA “a inexistência de um debate público alargado, transparente e democrático, à semelhança do que ocorre nos outros países, está a impedir a maioria dos cidadãos e cidadãs de se aperceberem que a resposta à questão chave colocada por estes tratados irá alterar a sua vida, de forma irreversível”.

“Concorda que através do TTIP e do CETA se legalize o controlo que o poder económico-financeiro vem exercendo sobre o poder político e os mecanismos democráticos?” – Esta é a interrogação que urge fazer sobre o “Comprehensive Economic and Trade Agreement”.

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