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João de Sousa

Quinta-feira, Abril 18, 2024

A acção estratégica de Macron

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

A Europa esteve no centro do discurso eleitoral de Macron, e podemos dizer que foi ela o principal instrumento com que este derrotou os seus adversários, todos eles com visões eurocépticas mais ou menos radicais.

  1. A aposta europeia falhada

A Europa esteve no centro do discurso eleitoral de Macron, e podemos dizer que foi ela o principal instrumento com que este derrotou os seus adversários, todos eles com visões eurocépticas mais ou menos radicais.

Quase um ano depois, podemos constatar que quase todas as apostas europeias de Macron saíram furadas. Apregoando um europeísmo de raiz gaulista (o que é na verdade uma combinação impossível), a aposta partia, como sempre, dum consenso franco-alemão, e aqui, a meia-vitória da chanceler alemã, traduzido num “pântano político” tornou impossível qualquer avanço.

Os seus planos de reforma da governação económica-monetária e de reforma política europeia baseada em listas europeias sofreram duras derrotas e foram adiadas sine die. A queda de popularidade das instâncias europeias, que parecia ter estancado com a vitória francesa de Macron, prosseguiu e acentuou-se em toda a Europa de Centro e Leste, e agora também na Itália.

Os planos de defesa europeia – feitos de mais burocracia e mais funcionários – chocam com a realidade no terreno, onde as forças armadas europeias estão cada vez menos preparadas para responder a qualquer desafio.

O híper-odiado Trump, a quem se assacam todas as culpas e responsabilidades por tudo o que funciona mal entre nós, multiplicou a presença militar norte-americana no Báltico, presença militar americana que constitui o verdadeiro travão às ambições do Kremlin. Todos os países escandinavos anunciaram reforços substanciais dos mecanismos de defesa, mas de forma que nada teve a ver com a Europa da Defesa.

  1. A parceria transatlântica

E foi na relação transatlântica – onde nada de positivo se esperava – o lugar de onde começaram a surgir os sucessos, com Macron a surgir como o principal interlocutor americano na Europa.

Macron distanciou-se da posição de seguidismo perante o Irão assumida por Merkel e pela burocracia europeia e aceitou o desafio de Trump, exigindo o fim dos testes de mísseis estratégicos iranianos como condição para o acordo nuclear. Macron segundou igualmente Trump na ameaça de represálias caso a Síria continuasse com os bombardeamentos químicos da sua população civil, ameaça que não foi até agora posta em prática mas que pode ter diminuído a amplitude da guerra química. Macron recusou tomar qualquer medida contra a oposição iraniana, sediada em Paris, contrariando os pedidos de Teerão e do seu lóbi europeu.

Macron e Trump foram os principais protagonistas do choque sobre o Acordo de Paris de 2015, mas na verdade, as posições opostas estão mais próximas do que parecem, embora por maus motivos; Trump por obediência ao lóbi das energias fósseis de carbono, Macron, por obediência ao lóbi nuclear. É um desacordo mais táctico que estratégico.

Temos agora o tremendamente complexo dossier comercial, onde Trump ameaça desencadear uma guerra comercial de impactos imponderáveis. Também aqui, creio ser Macron o único interlocutor europeu capaz de encontrar uma saída para a crise que preserve o essencial dos interesses em presença.

  1. A aliança franco-indiana no “Indo-pacífico”

O desafio à ordem internacional colocado pela ocupação militar do mar do Sul da China por Pequim deu um papel central ao conceito geopolítico de “Indo-pacífico” que chama a atenção para a necessidade de os principais países de ambos os lados do estreito de Malaca se entenderem.

Como principal subproduto deste conceito surgiu o “Quad” abreviação para o acordo quadrilateral entre a Austrália, Índia, Japão e Estados Unidos que supostamente tem como missão fazer face ao expansionismo chinês. A generalidade dos observadores não deixou de realçar a falta de força e de operacionalidade desse acordo.

Surpreendentemente foi fora do Quad, na recente cimeira entre Macron e Modi em Delhi, que surgiu o primeiro grande passo concreto de cooperação na região “Indo-pacífico” na área da Defesa, com os dois países a acordar a abertura recíproca às frotas dos seus parceiros das suas bases marítimas.

A partir deste momento, podemos dizer que a iniciativa da cooperação militar estratégica na mais importante área de confronto geopolítico global passou a ser francesa e que esse facto irá certamente ter enormes repercussões no teatro global.

E é provavelmente este o caminho a continuar; evitar naufragar com a Europa, e tecer as principais linhas de acção directamente no palco mundial, tecendo uma extensa concertação com os principais actores e sobre as principais questões mundiais; capitalizar créditos obtidos, por exemplo, no Acordo de Paris de 2015; saber desarmadilhar as crises lançadas pelo enquistamento das elites e protagonizadas pelos populismos; e encontrar linhas de reforma que consigam granjear apoio suficiente para fazer face aos grandes desafios do nosso tempo.

O Presidente Macron – a quem eu como muitos outros não dei muito crédito quando da sua vitória, e que persiste numa agenda interna absurda que agudiza desigualdades sociais – transformou-se no mais importante e mais promissor líder mundial da actualidade. Para bem de todos nós, espero que consiga vencer os desafios que se lhe apresentam.

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