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Quinta-feira, Junho 19, 2025

A República das bananas podres

Constatada a insustentabilidade do grupo que chegou ao poder no Brasil através de um golpe institucional, porém ilegítimo, fica a pergunta: qual é o caminho a seguir?

Se nem os maiores especialistas brasileiros conseguem traduzir com clareza e precisão o atual momento político do país ou delinear os caminhos a seguir, imagino a perplexidade da comunidade internacional. Para que você não perca o seu tempo acreditando obter aqui todas as respostas, já aviso de antemão, tentarei, sim, fazer um apanhado geral da situação, mas o dilema tratado aqui não é muito distinto daquele enfrentado pelas forças progressistas em boa parte do mundo.

A república presidencialista brasileira, semelhante ao modelo perpetuado em diversos outros países, pressupõe um governante eleito pelo voto popular, mas que só governa efetivamente com a sustentação de uma bancada de deputados e senadores, também eleitos pelo voto popular, que lhe garantam o suporte legal.

Cabe aqui o primeiro parêntesis para entender a atual situação do país: quem paga as campanhas políticas no Brasil? Até hoje os candidatos foram financiados pelos grandes conglomerados (bancos, empreiteiras, frigoríficos, indústrias, agronegócio, igrejas…). Mesmo quando candidatos mais progressistas conseguiram chegar ao poder máximo, furando a blindagem imposta por esses grupos e pelas grandes redes de comunicação que lhes são servis, encontrou no congresso forças articuladas e dispostas a impedir a todo custo qualquer avanço mais sensível. O ex-presidente Lula chegou a afirmar que Brasília era a cova de Ali Babá e seus 40 Ladrões (que na época ele já ampliou para 100 ladrões).

O fato é que as acusações que agora inviabilizam a permanência de Michel Temer na presidência e que já afastaram do senado por provas contundentes de corrupção o presidente do PSDB Aécio Neves, que perdeu as eleições para Dilma Rousseff e depois se tornou um dos grandes articuladores de seu impeachment, não são uma novidade em um modelo político em que os financiadores das campanhas e responsáveis por elevar pessoas de sua confiança ao poder, serão exatamente aqueles que mais se beneficiarão pelas medidas tomadas por eles. É comum grupos de deputados ou senadores se identificarem como bancada ruralista, bancada evangélica, bancada da indústria e por aí vai!

A nova nuvem que paira sobre o Palácio do Planalto é apenas uma fiel reprodução desse retrato. O presidente Temer recebeu na residência oficial, tarde da noite, Joesley Batista, presidente da JBS e da JF Holding, a maior produtora de proteína animal do mundo, um gigante com tentáculos em vários países da Europa, Ásia, Oceania e Estados Unidos e que está prestes a fazer uma abertura de capital bilionária na Bolsa de Nova York. Apenas em doações oficiais para as campanhas de candidatos de mais de 25 diferentes partidos, estima-se que a JBS tenha “investido” mais de meio bilhão de reais nos últimos oito anos, pouco menos de 150 milhões de euros.

A conversa, gravada e comprometedora entre Temer e Joesley, também é o reflexo de uma relação viciada em que o financiador, o grande capital, é quem efetivamente dá as ordens. Cabe aqui mais um parêntesis: o atual Ministro da Fazenda do governo Temer, Henrique Meirelles, até assumir esse cargo e ser o grande responsável pela condução da Economia do país, atuou no alto escalão da JF Holding.

Em troca de liberdade e do pagamento de uma multa bilionária, mas insignificante para o atual faturamento do grupo JBS, Joesley e seu irmão fecharam um acordo de delação com a Procuradoria Geral da República. Antes de se refugiarem em Nova Iorque “vazaram” o teor da delação para as empresas Globo, o maior grupo de comunicação do país e que teve um papel ativo no golpe de 64 e mais recentemente no golpe que destituiu Dilma. Vale lembrar que até então o grupo Globo vinha blindando Temer e Aécio e essa repentina virada tem algumas explicações.

Em primeiro lugar a Globo vive uma de suas maiores crises financeiras e a JBS figura na lista de seus três principais anunciantes e esse fato pesou no momento da divulgação. Para se ter uma ideia, estima-se que a dívida tributária das Organizações Globo supere 2 bilhões de reais, quase 600 milhões de euros, e que a empresa esteja sendo vendida para o multibilionário mexicano, também do ramo das telecomunicações, Carlos Slim.

Os bastidores ainda não são inteiramente conhecidos, mas o fato é que para o negócio se concretizar alguns entraves precisam ser superados: uma renegociação da dívida vinha sendo acordada, com perdão da sua maior parte e parcelamento do restante, além de uma alteração na Constituição que não permite que grupos estrangeiros detenham mais do que 30% do capital de empresas de telecomunicações do país. Como teremos eleições no próximo ano, isso se as regras não mudarem, a agenda da Globo para finalizar os acordos está cada vez mais apertada.

Bem, voltando à política e após o anúncio de Temer de que não renunciará ao cargo, pipocam em Brasília pedidos pelo seu impeachment. Todos sabem que a situação dele é insustentável, mas, ninguém tem claro qual é o melhor cenário para o dia seguinte. Simplesmente seguir a Constituição e empossar interinamente os nomes que se seguem na cadeia sucessória seria um desastre, por colocar no poder novos investigados em casos de corrupção.

A opção, também prevista na Constituição, de se convocarem eleições indiretas para um mandato tampão não seria menos temerária, pois a escolha recairia nas mãos dessa mesma assembleia que conta com dezenas de parlamentares investigados.

Mesmo a opção, pleiteada pela maior parte da esquerda, de alteração da Constituição e convocação imediata de eleições diretas para a presidência está longe de ser a ideal, na medida em que o presidente eleito se veria engessado por uma maioria parlamentar oligárquica e corrupta. Já a possibilidade de entrega de todos os cargos e convocação de eleições gerais com a formação de uma nova assembleia com poderes constituintes, essa, mesmo que ideal, nem chega a ser cogitada.

O dilema é o mesmo da maior da parte do mundo. Como construir um modelo realmente democrático, onde “demos” e “kratos” convivam e no qual o povo tenha efetivamente voz e força!

Marcelo Brettas, jornalista e escritor | O Autor escreve em português do Brasil

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