Nova classe trabalhadora vive hoje uma circunstância pré-insurrecional, com enormes insatisfações frente ao neoliberalismo governamental e patronal.
Da instalação do capitalismo como modo de produção dominante ainda numa economia de base agrária da década de 1880 até os dias de hoje, a classe trabalhadora sofreu distintas e significativas transformações. Também a representação sindical não ficou paralisada, especialmente na atualidade a registrar a terceira fase do sindicalismo brasileiro nas 15 últimas décadas que marcam a sua existência.
A primeira fase resultou de uma classe trabalhadora formada fundamentalmente pela presença de imigrantes numa sociedade agrária configurada por “ilhas econômicas” representadas por enclaves produtivos majoritariamente vinculados ao exterior.
Pelo projeto de branqueamento das aristocracias agraristas do final do século 19, a mão de obra nacional liberta da escravidão foi excluída pela inclusão de 3,3 milhões imigrantes brancos, sendo 61% concentrados no estado de São Paulo entre 1891 e 1930, o principal centro de produção do agronegócio exportador do país.
Com a legislação de 1907 (Decreto nº. 1.637), a primeira do país, o tipo de associação, denominação, área de jurisdição e funções exercidas (escola e cultura de arte e ofícios, fundo de ajuda mútua, ação política e outras) eram de inteira autonomia da representação sindical.
Para uma classe trabalhadora predominantemente rural e analfabeta, submetida a jornadas laborais de 15 horas semanais, sem descanso semanal, férias, previdência social nem a proibição ao uso de crianças e mulheres sem critérios, a tarefa de organização sindical era grandiosa frente ao atraso patronal e à repressão dos governos da República Velha (1889-1930).
Em geral, as principais experiências sindicais se localizaram nas atividades urbanas, sobretudo onde o operariado fabril se concentrava submetido a empresas maiores de formação artesanal (pedreiros, tecelões, marceneiros, alfaiates, chapeleiros, gráficos e outros).
Nestas circunstâncias, a presença da mão de obra estrangeira era quase predominante, como em 1920, quando de 136 mil operários contabilizados no país 68,4% eram estrangeiros, sendo São Paulo – que respondia por 40% do operariado – constituído por 92% de trabalhadores imigrantes.
A segunda fase do sindicalismo transcorreu entre as décadas de 1930 e 1980, com o avanço da sociedade urbana e industrial. Por dois decretos-lei (19.770 de 1931 e 24.694 de 1934), as organizações livres até então existentes foram substituídas por nova e monopolista forma de funcionamento economicista (ação sobre o custo do trabalho) oficialmente reconhecida por emprego assalariado formal em setor de atividade (categoria profissional) e base territorial mínima municipal.
Em paralelo, o estabelecimento de amplo código de direitos sociais e trabalhistas, com específica função no Poder Judiciário para administrar conflitos laborais individuais e coletivos, a romper com modelo individualista da ideologia liberal anterior de “isonomia” suposta nas relações entre empregados e patrões.
Até a década de 1950, os sindicatos se expandiram concentrados nas grandes cidades de um país ainda rural e em torno de grandes empresas (tecelões, alfaiates, portuários, mineradores, carpinteiros, ferroviários e outros), tratando da temática geral do custo de vida urbano, pois frente à ausência patronal na negociação coletiva preponderava a cultura do dissídio da justiça trabalhista.
Com a industrialização pesada a internalizar e expandir a grande empresa associada pelos capitais estatal e privados estrangeiro e nacional desde o governo de JK (1956-1961), o sindicalismo saltou das isoladas greves metalúrgicas de Contagem e Osasco em 1968 para o auge na década de 1980, com o Brasil alcançando ampla experiência de sindicalização e de negociações coletivas de trabalho, bem como o posto de segundo país do mundo em quantidade de paralisações dos trabalhadores.
Mas a partir de 1990, com a desindustrialização precoce e o abandono da centralidade salarial, o sindicalismo ingressou na terceira fase desafiada por antecipada passagem para a sociedade de serviços. Com a terceirização das ocupações, cada vez mais associadas aos pequenos negócios laborais de contida hierarquia vertical e multiplicidade funcional e tecnológica a confundirem identidade e pertencimento à categoria profissional, ganhou expressão o modelo individualista apregoado pela ideologia neoliberal de suposta “isonomia” nas relações de trabalho.
A manutenção da mesma estrutura sindical dos anos de 1930 para o novo mundo laboral da segunda década do século 21 fez assistir à queda atual – em comparação com o ano de 1989 – da sindicalização, de mais de 2/3 na quantidade de greves e de cerca de 90% no fundo de financiamento do sindicalismo.
É claro que, sem a política antilabor dos governos do após golpe de Estado de 2016 (reforma trabalhista e sindical), os traços da segunda fase sindical poderiam resistir ainda mais. De todo o modo, tal como nas décadas de 1930 e de 1960, quando a intervenção autoritária do Estado se tornou decisiva para a reinvenção sindical, a nova classe trabalhadora nos dias de hoje vive circunstância pré-insurrecional, com enormes insatisfações frente ao neoliberalismo governamental e patronal.
É o melhor conjunto de ingredientes possíveis para o redesenho da terceira fase do sindicalismo brasileiro, coerente com o funcionamento atual do mundo do trabalho em passagem antecipada para a sociedade de serviços.
por Marcio Pochmann, Economista, pesquisador e professor da Unicamp | Texto original em português do Brasil
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