O vencedor do Óscar documental por Amy fala de Cristiano Ronaldo
“O Ronaldo é uma pessoa bastante interessante”
Falámos com o realizador que ganhou o Óscar do Melhor Documentário, pelo sensacional Amy, mas não quisemos passar ao lado do projecto que Asif gostaria de ter trabalhado mais de perto, mas que por estar ligado a este filme, acabou por deixar passar. Apesar de ter sido produtor executivo de Ronaldo. Isto numa altura em que o seu novo filme Aly e Nino acaba de ser apresentado no festival de Sundance, nos EUA.
Deu-nos Senna e Amy, documentários sobre duas figuras icónicas, ainda que de alguma forma com uma vida marcada pelo infortúnio. Como justifica o enorme sucesso de Amy?
Em primeiro lugar, deixe-me explicar, eu fiz o Senna porque adoro desporto. E queria fazer algo diferente. Como Senna teve muito sucesso em Inglaterra acabei por avançar. Com Amy, as coisas foram diferentes, porque eu nem sequer era um grande fã dela. Tinha dois discos, mas nunca a tinha conhecido ou visto algum espectáculo seu.
Eu moro em Camden, perto de onde ela morou, e foi ali que o tornado da vida dela se desenrolou, sempre cercada por papparazi. Lembro-me de sentir que isso não estava correcto. Por isso quando surgiu a oportunidade, através de alguém da Universal Music, eu disse-lhes: “se me derem acesso a toda a música, a tudo o que estiver publicado, eu faço o filme, mas têm de me prometer que me deixam em paz. Não podem dizer-me com quem devo falar, tenho de ter total liberdade. Se concordarem com estas condições então faço o filme.” É claro que nessa altura eu não conhecia nada da história da Amy Winehouse. Foi então que comecei a ler várias entrevistas, e isso levou-me três anos. Entretanto percebi quem ela era. Foi então que passei a gostar muito dela; achei que era muito divertida, esperta e muito bonita quando era jovem. Entretanto tornou-se demasiado triste. Este filme é um pouco esse lado, naquilo em que a sua vida se tornou. De certa forma, tornou-se num filme sobre nós próprios, na forma como tratamos os outros, como tratamos das estrelas e toda esta ideia da fama.
Qual foi o aspecto da sua busca que considerou mais relevante?
No fundo foram coisas simples, como o amor, a família, as amizades, todos os problemas ocasionais que temos com as nossas famílias. Mas também a forma como se relacionava com bebida, o vício em medicamentos; isso motivou a baixa auto estima, a depressão, doenças mentais. Foi uma coisa muito pequena que se tornou em algo maior. Por outro lado, é um filme sobre o que somos agora, como o público e os media tratam jovens. Foi um instinto, que se tornou grande demais. Acho que parte do sucesso do filme deve-se ao facto das pessoas que gostavam da música, não a conheciam como pessoa. Hoje em dia acho que gostam mais dela como pessoa.
Sentiu algumas limitações com pessoas com quem queria falar? Ou alguém que alterava aquilo que queriam dizer?
Cada pessoa tem a sua versão da história, isso é normal. Falei com mais de uma centena de pessoas. Dos cinco minutos iniciais passei a falar horas com diversas pessoas. A única pessoa com quem gostaria de ter falado e não tive oportunidade foi com o irmão da Amy, um irmão mais velho. Algo que me foi vedado. Primeiro pelo pai que me disse que ele não queria falar comigo. Gostava de ter falado com ele, pois acho que teria sido bastante importante. Mas acho que toda a gente está ainda algo traumatizada com o que aconteceu.
Apesar de ser um grande documentarista, o Asif veio da ficção e, segundo parece, vai regressar à ficção. Por isso gostava de lhe perguntar o que é que o atrai tanto no documental como na ficção? Pergunto porque queria saber se existe algo em comum nestes dois meios que o fascina?
Acho que tudo depende da ideia. No início escrevi e realizei ficção. Mas os filmes que fiz tinham actores não profissionais, tanto o filme que fiz na Índia (O Guerreiro, 2001) como o que fiz no Polo Norte (Norte Hostil, 2007), portanto era quase tudo documental, trabalhando com uma pequena equipa e filmando muita paisagem. Por isso quando tive a oportunidade de fazer Senna não queria um actor para fazer de Senna, não queria alguém que fingisse que guiava. Eu queria o Ayrton Senna! Como agora não queria alguém que cantasse como a Amy Winehouse. É interessante porque se sabemos algo sobre uma pessoa real, queremos ver essa pessoa e não uma dramatização.
De certa forma, como que se completam os dois géneros…
Sim. Por isso quero que os meus documentários possam ser um drama. Para mim, Senna é um drama. Por isso quis usar imagens verídicas. O mesmo se passa com Amy, pois a história dela é muito dramática e emotiva. Por isso, apesar da ficção e o documental serem bastante diferentes eu tento que estejam mais próximos. Por um lado, os dramas são como documentários, pelo menos em intenção, ao passo que os documentários têm um lado irremediavelmente dramático e cinemático. Até porque quero que possam ser vistos num grande ecrã e não na tv. No início ninguém pensava que seria um verdadeiro filme, por isso muitos países não o exibiram em salas. Não sei como foi em Portugal, mas aconteceu em vários países. Mas eu sabia que ele era uma verdadeira estrela, tal como a Amy. Para mim, eles são as verdadeiras estrelas. Não estão a fingir, são mesmo. Quando estamos no carro do Senna ou num concerto da Amy, é isso que conta, não é fingido. É isso que eu gosto no documentário, pois é verdadeiro. Nesse sentido, acho que o cinema independente perdeu parte do seu fascínio, algo que foi recuperado pelo cinema documental.
Porquê voltar então à ficção agora?
Porque é uma outra parte no meu cérebro. É interessante porque os filmes de ficção são fisicamente muito difíceis, ao passo que os documentários são mentalmente muito complicados. O desafio de pessoas reais, pessoas que morreram, pessoas que os amaram, é algo exaustivo. Por isso queria fazer algo diferente. Se tiver sorte quero continuar a fazer as duas coisas. Até porque fiz Amy e o meu filme de ficção Aly e Nino ao mesmo tempo. Foi uma loucura.
O que nos pode contar sobre Ally e Nino?
É baseado num livro escrito há cerca de 100 anos atrás, por volta da Primeira Guerra Mundial, na região do Cáucaso. É a história de uma rapariga cristã e um rapaz muçulmano que se apaixonam. É um pouco a história do Romeu e Julieta, mas também do petróleo, da guerra, da ocupação. Porque se tivermos um pedaço de terra com petróleo virá sempre alguém para se apoderar dele. Por ser na região do Cáucaso, onde a Europa se encontra com a Ásia, onde a Rússia se encontra com a Pérsia. É um local interessante de cruzamento de culturas. Hoje em dia é o Azerbaijão, a Geórgia, parte da Turquia. Foi aí que filmámos. É um livro bastante famoso e é um épico um bocado louco, à maneira antiga. Meio western, guerra, romance… Confesso que gostava de fazer um filme na linha do David Lean, acho que esta é a minha tentativa. Mas acho que continuo a aprender.
Como reage com a campanha dos Óscares que está agora a começar?
Tudo começou em Cannes, depois foi um sucesso enorme nos Estados Unidos, como um dos maiores sucessos de bilheteira de um documentário de todos os tempos, acho que está entre os 15 maiores. É interessante porque nunca tinha feito esse tipo de promoção nos EUA; é como uma máquina, como os Óscares. Eu vivo na Europa, em Londres, portanto estou sempre a ir e a vir. Mas quem vive lá, muitos realizadores amigos meus, estão constantemente a viajar de um lugar para o outro. Acho que desde que saiu o filme já fui umas vinte vezes aos EUA, para a estreia, entrevistas e agora para certos eventos e projecções. Felizmente foi integrado na short list dos Óscares. Por exemplo, Senna não chegou a essa lista. Vamos ver…
Teve algumas pospostas para fazer outros documentários sobre figuras famosas?
É verdade, tive. Depois de Senna, apareceram mutas pessoas ligadas ao desporto e à música. Gostava de fazer algo diferente. Tenho vários projectos em discussão, até porque um deles é bastante famoso e bastante controverso, mas até sou um grande fã. Vamos ver. Até ser oficial não posso dizer quem é.
Gostava muito que tivesse sido o Asif a fazer o documentário Ronaldo. Tenho a certeza de que seria melhor do que aquele que existe.
Viu-o?
Sim, claro.
E acho que é uma personalidade com o potencial dos dois documentários que fez…
Tem razão. Mas na altura estava a fazer Amy. Por acaso fui um dos produtores e foi a minha companhia que fez o filme. De resto encontrei-me com o Ronaldo uma vez. E sei que ele era um grande fã do Senna. Mas, no final, tivemos de contratar outra pessoa para o fazer. Como estive fora durante todo este ano, não pude acompanhar o projecto como queria. Mas acho que é muito complicado. Ele é bastante orgulhoso e tem o seu grupo muito fechado, mas acho que o realizador deu-se bem com ele.
O que acha do Ronaldo? Gosta dele?
Eu acho que o Ronaldo é uma pessoa bastante interessante. É diferente, é bastante aberto e tem sentido de humor. Mas, sabe, quando produzimos um filme para outro temos de deixar o realizador fazer o seu trabalho.