Recentemente soube-se que a Epicenter está a proceder à implantação debaixo da pele de muitos dos respectivos trabalhadores de um chip do tamanho de um bago de arroz, que supostamente permitirá a cada um deles aceder a certas instalações e equipamentos.
Recentemente soube-se que a Epicenter – um centro de negócios e incubadora de empresas em fase de arranque (as chamadas start ups), situada na Suécia – está a proceder à implantação debaixo da pele de muitos dos respectivos trabalhadores de um chip do tamanho de um bago de arroz, que supostamente permitirá a cada um deles aceder a certas instalações e equipamentos (por exemplo, transpor portas, abrir computadores, tirar fotocópias e ligar viaturas).
A experiência não é, sequer, nova pois já em 2006 uma empresa de Cincinnati, Ohio, nos Estados Unidos da América, tratara de “chipar” os seus trabalhadores determinando a instalação em cada um deles de um RFID (Radio frequency identification) ou NFC (Near Field Communication).
É claro que se tenta justificar este tipo de medidas não só pela maior “facilitação” e eficiência no acesso a equipamentos e instalações, como também – pasme-se, ou talvez não… – como uma espécie de “estágio” ou de preparação para a altura em que os poderes públicos (da Autoridade Tributária às entidades patronais) procurarem impor o seu uso à generalidade dos cidadãos tal como recentemente a Hannes Sjoblad e o seu “Swedish Biohacking Group” teve o arrojo de proclamar.
Progresso tecnológico? Ou permanente vigilância?
Agora o que se “vende” é a tese de que isto é o progresso tecnológico que permite poupar tempo e dinheiro e até vidas (implantando informação médica, vital em caso de acidente), que nada tem de mal, sendo também certo que se repete à exaustão o velho brocardo dos regimes e sistemas ditatoriais de que “quem não deve, não teme”.
Mas a verdade é que a mesmíssima tecnologia permite afinal controlar ao segundo todos e cada um dos movimentos dos trabalhadores, os locais onde se deslocaram, quanto tempo neles permaneceram, que mecanismos accionaram, que tarefas desempenharam.
Ou seja, de instrumentos de aumento da eficiência e de produtividade da actividade humana, se admitidos, instalados e usados sem qualquer controle democrático efectivo, fácil e rapidamente, e sobretudo se articulados com outras tecnologias (como por exemplo as de localização, como o GPS ou de actuação à distância), eles permitirão controlar não apenas o desempenho profissional mas também a vida pessoal, familiar, cívica, sindical e política dos seus portadores.
E até – se por exemplo usados para accionar a ignição dum dado veículo – permitirão, por exemplo, ao Banco ou à empresa de crédito, relativamente ao proprietário do carro que se atrasou num pagamento, desactivar a mesma ignição e imobilizá-lo.
Como referiu Bruce Schneier, um perito em segurança da Counterpane Internet Security Inc., “o lado negro do chip RFID é precisamente o acesso subreptício”.
a vigilância possível, não apenas por parte do Governo mas também das empresas e até de organizações criminais atingirá um nível sem precedentes. Simplesmente não haverá lugar algum onde se lhe possa escapar”
E onde fica o “direito ao segredo do ser”?
Ora, partindo das magnas questões de quem pode ter que usar um tal chip e de quem pode a ele aceder e como e para quê poderá utilizar os respectivos dados, a verdade é que não há nem pode haver autêntica Democracia e verdadeiro respeito pela dignidade da pessoa humana – princípio estruturante da nossa sociedade, consagrado no artº 1º da Constituição da República – sem o chamado “direito ao segredo do ser”, ou seja, sem o direito à imagem, o direito à intimidade da vida privada, o direito a exercer e praticar actividades da sua esfera pessoal sem vídeo-vigilância ou qualquer outra forma de controle à distância, e a proibição do tratamento informático de dados referentes à vida privada.E a protecção contra a devassa da vida de cada um e a recolha, tratamento e gestão de dados sobre eles é hoje ainda mais importante face aos cada vez mais sofisticados meios tecnológicos que vão sendo criados e, quase sempre sem um juízo crítico sobre a correcção ética, política e social da sua utilização, implantados.
Primeiro, para controlar de forma absolutamente contrária à lei (artº 20º do Código do Trabalho) o desempenho profissional dos trabalhadores, como já hoje vem sucedendo entre nós com câmaras de vídeo-vigilância e sempre sob o sacrossanto pretexto da “protecção e segurança de pessoas e bens”.
Big Brother em nome do “combate ao terrorismo”
De seguida, para acautelar e perseguir, agora sob o pretexto da “luta contra as formas mais sofisticadas de criminalidade” ou do “combate ao terrorismo”, os adversários políticos (e não esqueçamos que Portugal é o país da União Europeia em que mais escutas telefónicas “legais” se fazem e em que foi preciso chegar à Democracia e às suas reformas de processo penal para a política poder entrar em casa dum cidadão durante a noite e prendê-lo…), os “subversivos” ou simplesmente os “diferentes”.
E depois, e finalmente, quando – parafraseando o célebre poema do pastor protestante e militante anti-nazi Martin Niemöller – já não restar ninguém que, em seu nome, proteste e reclame, para controlar tudo e todos, num asfixiante mundo orwelliano em que a identidade individual de cada cidadão foi definitivamente suprimida.
E aí, eliminada a singularidade pessoal do “eu” de cada um e embotada a consciência colectiva do “nós” pela missa hipnótica e pelo torpor viscoso do pensamento dominante (do “é assim porque é assim”, do “não há alternativa”, do “manda quem pode, obedece quem deve”) apenas restará escutar os últimos acordes do Requiem pela Democracia.
E é precisamente contra essa lógica e esse estado de coisas que temos que nos erguer. Porque é sempre possível encontrar uma alternativa. Porque o futuro são os Povos, e não os seus “chefes”, que o constroem…