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Sexta-feira, Março 29, 2024

Capitão Phillips reflete a imagem da mais profunda desordem social

Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Pesquisadora, coordenadora do Centro de Memória Sindical e jornalista do site Radio Peão Brasil. Escreveu o livro "O mundo do trabalho no cinema", editou o livro de fotos "Arte de Rua" e, em 2017, a revista sobre os 100 anos da Greve Geral de 1917

Segunda-feira, 13 de abril de 2009, jornais brasileiros estampam a manchete: “Militares resgatam americano sequestrado por piratas da Somália. O que parece trama de filme aconteceu no mar da costa da África”.Em dois séculos o cargueiro Maersk Alabama foi o primeiro navio de bandeira americana a ser atacado por piratas. A tripulação, comandada pelo capitão Richard Phillips, reagiu e conseguiu retomar o controle do navio. Mas o capitão foi levado como refém. Navegando em alto mar em um barco salva-vidas, o “bando”, quatro adolescentes entre treze e dezoito anos, foi cercado pela gigantesca operação deflagrada pelo Departamento da Defesa dos EUA. O resgate performático foi coberto pela mídia e acompanhado pela população dos EUA.

Após a operação, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou que “é preciso reforçar a ação mundial contra os piratas e ter a certeza de que os que forem presos serão punidos”.

A pirataria moderna, que só nos quatro primeiros meses de 2009, atacou 41 navios e sequestrou 250 comandantes e tripulantes, em nada lembra as histórias fantásticas da época dourada da pirataria do século 17. Ela tem raízes na condição de miséria e abandono que assola muitos países da África, como, neste caso, no início da década de 1990, quando milícias ganharam força na Somália, recrutando como soldados (como os piratas) jovens sem qualquer perspectiva de vida.

Em 2013 o resgate cinematográfico se consolidou em um filme. No thriller denso e emocionante vemos com medo os esguios piratas tomarem de assalto a embarcação destinada, ironicamente, a entregar mercadorias e alimentos para o povo somaliano. Os invasores são a imagem da mais profunda desordem social. Mas, durante as negociações percebemos que toda aquela hostilidade está a serviço de algo muito maior e temível que eles.

A fragilidade dos bandidos aparece pouco a pouco até, surpreendentemente nos levar a certa compaixão. É surpreendente ver como aqueles seres humanos marcados pela miséria e pela fome conseguem ainda cultivar sonhos e ilusões. No jogo internacional, que vai além do que a vista deles alcança, eles são como pragas que devem ser dedetizadas. No horizonte histórico, eles são as vítimas.

Já foi dito que “Capitão Philllips é um filme muito particular por conta dessa questão das desproporções”. No filme, embora o foco seja o salvamento do capitão, o enredo, a certa altura, dá um giro de 180 graus, bagunçando a noção sobre quem é o culpado e quem é o mocinho. Neste sentido, combater e punir jovens agentes de uma milícia cruel e fundamentalista, como quer Obama, seria um paliativo interessante apenas àqueles que ganham com a guerra.

Capitão Philllips, entretanto, não se arrisca a defender nenhuma tese. Ele relata a ação dosando adrenalina e sensibilidade. E é aí que se torna grande. Em uma situação como esta identificar os sujeitos e os predicados deve mesmo resultar de um debate realmente complexo.

Texto original em português do Brasil

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