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Domingo, Dezembro 1, 2024

Corrida frenética de Marrocos aproveitando vazio da ONU

Isabel Lourenço
Isabel Lourenço
Observadora Internacional e colaboradora de porunsaharalibre.org

Nos últimos meses Marrocos acelerou o passo na “legitimação farsa” da soberania sobre o Sahara Ocidental.

Uma manobra para consumo interno num panorama de revolta e contestação de uma parte significativa da população marroquina onde a “marroquinidade do Sahara” é um dos pilares e linhas vermelhas do Mahjzen (estado dentro do estado) e do Rei Alauita, Mohamed VI, e onde a ocupação ilegal do Sahara Ocidental serve de “distracção” e demonstração de poder e força.

Após os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia que reafirmam que Marrocos não tem qualquer soberania sobre o Sahara Ocidental, e as várias medidas urgentes indicadas pelo Comité Contra a Tortura relativas a presos políticos saharauis do Grupo de Gdeim Izik pedindo a sua libertação e opiniões dos vários mecanismos das Nações Unidas sobre a violação de Direitos Humanos no Sahara Ocidental, Marrocos contra-ataca como um animal ferido.

Acelera os acordos comerciais e o “greenwashing” com empresas supostamente “verdes” nos territórios ocupados, a oferta turística em Dakhla, a realização de eventos desportivos internacionais desportivos e finalmente a abertura de consulados de países africanos após terem recebido “ajuda financeira” de Marrocos.

Os consulados recentemente abertos de São Tomé e Príncipe, Republica Centro Africana (em guerra civil há mais de 5 anos), União das Comores, Guiné-Conacri, Gabão e o Consulado Honorário da Costa do Marfim.

Os cinco consulados e o consulado honorário são de países em extrema pobreza, sem população nativa expressiva nos territórios ocupados do Sahara Ocidental. Segundo o Fundo Monetário Internacional, World Economic Outlook Abril de 2019 no ranking de países mais pobres do mundo São Tomé e Príncipe é o 32º, a Republica Centro Africana o 2º país mais pobre do mundo, a União das Comores é o 9º, a Costa do Marfim o 48º, a Guiné-Conacri está em 21º e o Gabão em 116º lugar.

Para que se entenda a facilidade de compra/venda destes países damos o exemplo de São Tomé e Príncipe que recebeu de Marrocos 70 bolsas de estudo em universidades Marroquinas (não nos territórios ocupados onde apenas existe uma universidade privada) e a “promessa” já a partir deste ano, de um milhão de dólares anuais de apoio ao Orçamento. As promessas de Marrocos a países africanos em troca de apoio à ocupação/colonização do Sahara Ocidental não são novidade e têm sido utilizadas mais frequentemente a partir de 2015.

Os consulados agora inaugurados carecem de total legitimidade perante a lei internacional, mas isso não afecta os planos da Monarquia e do Mahjzen cujo objectivo é aproveitar a ausência de acção das Nações Unidas e das negociações entre as partes para fazer demagogia interna e externa com a ajuda de meios de comunicação a nível nacional e internacional.

O enorme desconhecimento dos jornalistas em geral sobre o processo e a falta de leitura dos documentos das Nações Unidas, nomeadamente do Conselho de Segurança, das decisões da União Africana, dos acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia e da opinião do Tribunal Internacional de Haya, assim como a falta de oportunidade de contraditório na imprensa convencional que assim se torna cúmplice, facilita o trabalho propagandístico de Marrocos.

Outra manobra recente de Marrocos foi a declaração unilateral de ampliação da sua área marítima, ZEE (Zona Exclusiva Económica) baseando-se nas milhas referentes aos territórios ocupados do Sahara Ocidental e incluindo as Ilhas Canárias. Mais um acto que carece de qualquer legitimidade perante a lei internacional. Qual o posicionamento de Espanha? Mais uma vez as Províncias têm uma postura diferente do Governo. O recém-eleito governo espanhol, na linha de todos os anteriores, tem medo de agitar Marrocos, e escuda-se em declarações mornas, enquanto que os governos das Províncias e sobretudo das Canárias atacam abertamente Marrocos nesta questão e reafirmam que as águas em questão são Saharauis e Espanholas e não Marroquinas. A direita espanhola já se manifestou a nível nacional contra estes ímpetos anexistas de Marrocos e o partido PODEMOS de esquerda que faz parte do Governo tem declarações de condenação a nível local, mas ainda não há uma declaração do seu líder Pablo Iglesias que defendia no seu programa eleitoral a defesa dos direitos do povo saharaui.

A realização de eventos desportivos internacionais nos territórios ocupados é outra das vias de “normalização do status quo” pelas quais Marrocos optou, sendo o último exemplo a realização do campeonato de Futsal da CAF (Confederação de Futebol Africana), que teve o boicote da África do Sul, da Argélia e numerosos protestos a nível internacional.

A reivindicação de Marrocos tem a ver com sua política interna, com a necessidade radical que o reino alauita tem de estabelecer o seu controle legal, além da necessidade económica, sobre os territórios do Sahara Ocidental. Em Marrocos esta é a linha vermelha a par com a monarquia absoluta. “As províncias do sul” como é a terminologia oficial visto que Sahara Ocidental é um termo tabu que pode levar a prisão, é uma questão nacional que reúne todas as correntes políticas, da monarquia aos islamitas, passando pelos nacionalistas e pelos pesudo social-democratas.

Marrocos está ciente que a perda desse controle efetivo, por meio de um referendo supervisionado pelas Nações Unidas, que foi a base do acordo de cessar fogo em 1991, e no qual a opção de independência triunfasse, causaria o colapso do regime alauita como o conhecemos, e levaria a uma revolta interna em Marrocos contra a monarquia. Por essa mesma razão Marrocos obstaculizou durante décadas as negociações provocando um adiamento sine dia do referendo e agora declara abertamente que a única solução que aceita é um plano de autonomia. Autonomia essa que é impensável na realidade de um regime monárquico absoluto onde o governo tem um papel decorativo e para dar a imagem de um regime democrático, acedendo assim a somas astronómicas de ajuda económica da União Europeia. Autonomia que nunca será aceite pelo povo saharaui.

Marrocos quer ganhar por desgaste, mas não tem em conta um factor primordial e no qual a realpolitik tem esbarrado ao longo dos séculos. O factor humano: A população saharaui que vive sob um regime de ocupação feroz nos territórios ocupados, no exílio no meio do deserto nos campos de refugiados e na Diáspora na Europa. Apesar de mais de 4 décadas de desgaste e sofrimento e com todos os problemas de um status quo prolongado continuam a apoiar e reconhecer a Frente Polisario como legitimo representante dos seus interesses, estão organizados e claramente insatisfeitos com a actuação da comunidade internacional na qual deixaram de depositar qualquer esperança.

Um barril de pólvora num contexto geostratégico difícil e explosivo no qual Marrocos optou por deitar fogo e a comunidade internacional seguir silenciosa deixando o fogo avançar.



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