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Quinta-feira, Abril 18, 2024

Despedimentos e Factos Alternativos

António Garcia Pereira
António Garcia Pereira
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Professor Universitário

Subitamente, eis que a DGERT – Direcção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho vem anunciar em triunfo (logo devidamente reproduzido e amplificado pela nossa Comunicação Social) que os despedimentos colectivos teriam, em 2016, diminuído 22% (mais exactamente de 5.236 trabalhadores em 2015 para “apenas” 4.712 no ano passado).

E, mais, que o mesmo ano de 2016 se teria igualmente caracterizado pela maior diferença entre o número de trabalhadores “sinalizados” para serem despedidos e aqueles que no final o foram efectivamente, havendo a percentagem destes últimos supostamente baixado de 93% para 84%.

Conhecidas que eram as autênticas razias, desde logo na Banca e em particular no Novo Banco, logo estes números, ou melhor, a ideia central que sobre eles se pretendia fazer passar – ou seja, a de que há muito menos gente a ficar sem emprego e, logo, sem a sua fonte de subsistência – nos pareceu que não deveria estar correcta.

E não estão! É que, se se for verificar melhor as próprias estatísticas da DGERT, constata-se que, afinal, os ditos despedimentos colectivos representam apenas 2,7% do total dos trabalhadores cujos contratos de trabalho foram feitos cessar pelo empregador. E que só as rescisões ditas “por mútuo acordo” representaram 13% e os despedimentos por extinção dos postos de trabalho 11% desse total.

Resoluções por Mútuo Acordo?

Ora, toda a gente sabe – excepto, pelos vistos, a DGERT e a Comunicação Social sua divulgadora acrítica… – que a grande maioria das “RMA” (Resoluções por Mútuo Acordo) é obtida sob a chantagem de que aqueles trabalhadores que porventura ousem não a aceitar sejam então abrangidos por um despedimento colectivo, facílimo de “fundamentar” perante os nossos Tribunais do Trabalho, e no qual receberão somente uma indemnização calculada apenas a partir de menos de um mês de vencimento base por cada ano de antiguidade, indemnização essa que, ainda por cima, terão sempre de devolver de imediato à empresa acaso queiram impugnar judicialmente o mesmo despedimento.

Em Portugal, e em especial por via das leis laborais da Tróica que o Governo de Costa deixou bem claro não querer de todo alterar, é assim extremamente fácil – não me canso de repeti-lo! – pôr trabalhadores na rua e disfarçar esses despedimentos sob a capa de rescisões ditas voluntárias. Que de voluntárias afinal nada têm, mas que aparecem aos olhos de muitos trabalhadores, na concreta situação de fragilidade contratual  e de dificuldade económico-financeira em que se encontram, como um “mal menor”.

Por exemplo, recebendo de imediato 1,2 mês da sua verdadeira remuneração por cada ano de antiguidade em vez do tal despedimento colectivo com uma compensação de antiguidade bastante inferior, porque calculada apenas a partir daquilo que o empregador paga sob a denominação de remuneração base e que, como já referido, o trabalhador terá sempre que devolver se quiser ir discutir nos Tribunais do Trabalho a falta de fundamento do despedimento.

Números manipulados, opinião pública manipulada

Constitui, pois, uma absolutamente lastimável manipulação da opinião pública proclamar-se que o número de trabalhadores formalmente abrangidos por despedimentos colectivos diminuiu e, simultaneamente, esconder-se que as tais rescisões ou revogações por mútuo acordo tiveram uma dimensão numérica 5 vezes superior e que, na grande maioria dos casos, foram obtidas por via de processos de verdadeira e própria coacção.

Mas que permitem às entidades empregadoras soluções fáceis (o “escrito” de mútuo acordo faz-se em escassos minutos), juridicamente seguras (desde que a assinatura do trabalhador seja notarialmente reconhecida, ele perde o direito a arrepender-se e a revogar unilateralmente, no prazo de 8 dias, o dito acordo) e sobretudo “política e socialmente correctas” e sem custos de imagem (já que lhes permitem sempre invocar tão descarada quanto cinicamente que não estão, ou não irão proceder, a despedimentos, mas sim a levar a cabo tranquilos, simpáticos e até generosos “programas de rescisões voluntárias”).

E os processos que já conhecemos, designadamente na área da Banca, e os que estão para vir, em particular na PT/Altice e na Caixa Geral de Depósitos (onde se fala abertamente na redução de 2.218 postos de trabalho) decerto que apenas servirão para o confirmar.

Por tudo isto, a mistificatoriamente risonha estatística da DGERT, bem como a sua acrítica divulgação, não passam, afinal, de (mais) uma aplicação criadora da já tristemente célebre tese dos “factos alternativos”.

Recompensa e impunidade

Por outro lado, os “gestores” que, em nome da racionalidade económico-financeira que os nossos julgadores dos nossos Tribunais do Trabalho tanto gostam de respeitar, produzem este tipo de decisões de “gestão” e de “recuperação” são afinal os mesmos que criam buracos financeiros gigantescos como os da PT, do BPN, do BCP, do Banif, do Grupo e do Banco Espírito Santo, mas também da Caixa Geral de Depósitos (que só em 2016 acumulou um prejuízo de 1.859 milhões de euros, que tem 4.000 milhões de euros de empréstimos em atraso, os chamados NPL – “non performing loans” e onde o Estado, ou seja, os cidadãos portugueses, irão ter de colocar 3.900 milhões de euros) ou da Caixa Económica Montepio Geral (que está sobrevalorizada para mais do dobro do que realmente vale, cujos NPL’s atingem 2.000 milhões de euros e cujo ex-Presidente e actual Presidente (apenas) da entidade proprietária, a Associação Mutualista, Tomás Correia, apesar de já constituído arguido em pelo menos 3 processos, declara que não sai da dita Associação a não ser depois de definitivamente condenado em Tribunal).

Entretanto, já conhecíamos as idas de Vítor Gaspar para o FMI, de Durão Barroso para a Goldman Sachs e de Maria Luís Albuquerque para a Arrows. E já alguns (poucos) conheceriam outros casos na tão “rigorosa” União Europeia. Como o da eurodeputada alemã Erika Mann que passou cerca de 10 anos a tratar na mesma União Europeia das questões das novas tecnologias e da sociedade de informação e que, em 2014, mal cessou o respectivo mandato, foi para administradora do Facebook na Europa. Ou da Comissária holandesa Neelie Kroes que foi responsável pelas áreas da Concorrência e da Política Digital da UE e que, terminado o mandato, também em 2014, de imediato se passou “com armas e bagagens” para consultora da Salesforce e da Uber. Ou ainda do sueco Thomas Lönngren, que presidiu, durante 2 mandatos, à Agência Europeia do Medicamento para, assim que de lá saiu, em 2011, se tornar consultor das maiores empresas do Mundo da indústria farmacêutica.

Onde está a ética nos deputados parlamentares?

Mas agora ficou também a saber-se que, em Portugal, o estatuto de deputado permite que se seja deputado e simultaneamente consultor, administrador e até sócio ou acionista (desde que em não mais de 10%) de empresas com as quais várias entidades públicas celebram contratos, designadamente por ajuste directo, da ordem das centenas e centenas de milhares de euros.

Ou seja, desde que o tal ajuste seja feito com uma empresa em que figuram como sócios, por exemplo, a mulher e/ou o filho do deputado ou até este mesmo, mas com uma quota ou participação inferior a 10%, já não haverá problema algum (que é o que precisamente se passa, por exemplo, com o deputado do PS Renato Sampaio relativamente à empresa de arquitectura do filho e da mulher). Como também não haverá de todo problema se se tratar, não de um gabinete de arquitectura ou engenharia ou de uma empresa industrial ou comercial, mas de uma Sociedade de Advogados que celebre contratos de prestação de serviços jurídicos com autarquias, ainda por cima de que foi Presidente da Assembleia Municipal, como é o caso do líder da bancada parlamentar do PSD Luís Montenegro.

Mas o mais espantoso – ou talvez não… – é que, pelo que se tem visto e ouvido, inclusive da boca dos próprios, toda esta gente apenas procura esgrimir com a letra e a aparência formal da lei, não tendo qualquer vislumbre de preocupação ética. E, como facilmente se verifica, apesar do escândalo e da indignidade das situações, todos têm digestões fáceis e sonos tranquilos.

E porquê?

Precisamente porque, para recusar alterar a verdade dos factos segundo as conveniências e para ter pesos na consciência é, antes de mais, preciso ter consciência!…

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