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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Falar sobre o CETA em Portugal – mas seriamente

Agora que o acordo de comércio livre entre a União Europeia e o Canadá (CETA) foi aprovado pelo Parlamento Europeu, a parte do mesmo que é da “competência exclusiva da UE” irá entrar em vigor possivelmente já no próximo mês.
Trata-se de uma “aplicação provisória”, pois sendo um “acordo misto” – classificação arrancada à força à Comissão, que insistia no “EU only” – o CETA terá de ser ratificado pelos 38 parlamentos nacionais e regionais da UE. O governo português deseja fazê-lo até ao Verão, em conluio com os partidos da ex-PAF, tendo chumbado os vários projectos de resolução contra o CETA apresentados na Assembleia da República pelo BE, PCP, PAN e PEV.

Debates

Sendo insignificante o número de portugueses que conhecem o CETA e as suas abrangentes implicações para a vida dos cidadãos europeus, a Plataforma Não ao Tratado Transatlântico vem exigindo há anos a realização de debates e a divulgação do acordo por parte dos media e do governo.

Pois bem, eis a rara oportunidade de ouvir falar no assunto, se puder estar presente num destes dois debates que o governo vai realizar:

  • no Porto, no dia 5 de Abril, às 17h00, na Associação Empresarial  de Portugal, e
  • em Leiria, no dia 11 de Abril, às 17h00, na Associação Empresarial da Região de Leiria (NERLEI).

Se puder, não deixe de ir e de perguntar porque vão os cidadãos ser obrigados a pagar os custos de funcionamento de um tribunal de resolução de litígios de investimento (Investor Court System, ICS) que tem o fim exclusivo de dar a investidores estrangeiros a possibilidade de processarem os estados e exigir indemnizações astronómicas quando considerarem que legislação adoptada em prol do ambiente, ou dos cidadãos, vai prejudicar as suas “legítimas expectativas de lucros”.

ICS versus ISDS

O ICS é melhorzinho que o anterior ISDS (Investor-state dispute settlement)? Sim, mas apenas no que toca a aspectos processuais; a questão crucial é a da legitimidade da criação de um sistema judicial especial para investidores estrangeiros, acima dos tribunais nacionais; quando os países da UE e o Canadá são estados de direito com sistemas judiciais nacionais seguros. Já os direitos dos cidadãos e a defesa do ambiente ficam, no CETA, entregues a declarações sem robustez jurídica.

Entretanto, saiba que os supostos benefícios que o acordo poderá trazer são deveras duvidosos: até o ex-ministro da economia alemão, Sigmar Gabriel, acérrimo defensor do acordo, foi obrigado a conceder que “os proveitos económicos deste acordo serão mínimos”, tendo passado a alegar a importância normativa do acordo como superior motivo para a sua concretização. Até os estudos mais optimistas da UE, que se baseiam em suposições pouco realistas, como o pleno emprego e a ausência de efeitos negativos sobre a distribuição de rendimento, apenas prevêem um possível “crescimento máximo de 0,08% para a UE”.

Quanto ao emprego, a Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais do Parlamento Europeu afirma no seu parecer: “no que diz respeito à criação de emprego digno, dados empíricos com base em modelos do mundo real apontam, na melhor das hipóteses, para um aumento global marginal do emprego na União não superior a 0,018% ao longo de um período de execução de 6 a 10 anos. (…) estudos recentes baseados nesses modelos mais realistas prevêem perdas de emprego reais de 204 mil postos em toda a UE.”

A Comissão Europeia e o governo português afirmam ainda que o CETA vai beneficiar as PME; ora dos 21 milhões de PMEs da UE, apenas 600 mil exportam para fora do mercado interno europeu. As PME vão ficar expostas à concorrência do poder de mercado das multinacionais canadenses e dos EUA, pois basta que tenham uma delegação no Canadá para terem acesso ao mercado e a servir-se do ICS.

Afinal, é por hipotéticas vantagens mínimas que nos vamos deixar enredar nas garras das multinacionais e aceitar as ameaças aos nossos elevados padrões???

Actualmente, é muito usado um pseudo-argumento para polemizar (como fez no passado dia 17 de Março Pedro Mota Soares do CDS, durante o debate sobre o CETA requerido pelo BE): alega-se que quem é contra o CETA é populista, proteccionista, amigo da Le Pen & co. Ora não se trata de defender o proteccionismo, nem de ser contra o comércio internacional – mas que seja em benefício das pessoas, não das multinacionais.

“Não deveriam ser assinados mais acordos internacionais que reduzam os direitos aduaneiros e outras barreiras comerciais sem que sejam incluídas medidas quantificadas e vinculativas para combater o dumping fiscal e climático nesses mesmos tratados. (…) Deste ponto de vista, o CETA, o acordo de comércio livre UE-Canadá, deve ser rejeitado.(…) Este tratado estritamente comercial não contém absolutamente nenhuma medida restritiva em matéria fiscal ou climática. Faz, porém, considerável referência à “protecção dos investidores”, permitindo às multinacionais processarem os estados em tribunais de arbitragem privados, contornando os tribunais públicos disponíveis para todos “.

 

Ana Moreno, activista da Plataforma Não ao Tratado Transatlântico

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