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Quinta-feira, Março 28, 2024

Fernando Abranches Ferrão

Helena Pato
Helena Pato
Antifascistas da Resistência

Além disso, participou na defesa de diversos presos políticos acusados nos Tribunais Plenários, destacando-se os processos da Comissão Distrital de Lisboa do MUD, da Revolta da Mealhada, dos intelectuais de Coimbra, do Golpe de Beja, do processo dos estudantes de 1965, da apresentação de habeas corpus de diversos angolanos presos no campo de concentração do Tarrafal.

Depois do assassinato do general Humberto Delgado, sendo um dos advogados da família, juntamente com Mário Soares, foi preso depois de uma das suas deslocações a Espanha, para diligências do caso.

Biografia

Nasceu em Coimbra a 4 de Setembro de 1908 e faleceu em Lisboa a 5 de Maio de 1985. Em 1926, concluiu em Lisboa o Curso Superior de Piano e licenciou-se em Direito.

Em 1927 e em 1928 participou nas greves académicas contra a Ditadura Militar. Exerceu a advocacia desde 1930. Em 1943, aderiu ao Núcleo de Doutrinação e Acção Socialista, que precedeu a União Socialista. Esteve ligado ao MUNAF, foi membro da comissão distrital de Lisboa do MUD e teve papel muito activo nas campanhas presidenciais dos generais Norton de Matos e Humberto Delgado.

Como advogado, participou em numerosos julgamentos políticos, alguns de grande importância, como o do movimento militar conhecido por Revolta da Mealhada (1947), o do MUD (1948), o do processo disciplinar instaurado ao general Humberto Delgado em 1959, depois da sua candidatura à Presidência da República e o do assalto ao quartel de Beja (1962).

Em Março de 1957 fora o primeiro dos 72 advogados do Porto e de Lisboa que assinaram uma representação ao ministro da Presidência pedindo um «inquérito à PIDE». Em 1959 assinou, com outros oposicionistas, um documento, datado de 18 de Março, em que se pedia a Salazar que, por ocasião da sua última lição em Coimbra, «se verifique também o seu afastamento da vida política». Nesse mesmo ano, informado de que iria ser preso, pediu asilo na embaixada do Brasil, onde se encontravam então diversos opositores ao regime, mas pouco tempo ali esteve, já que o governo deu garantias de que não seria detido.

Em 1961, aceitara o convite que o prof. Mário de Azevedo Gomes lhe dirigira para ser candidato a deputado mas, ao ser preso, no dia 8 de Agosto, na sequência da apresentação pública do Projecto para a Democratização de República, de que foi um dos primeiros signatários, decidiu voltar atrás na sua decisão, pois – conforme escreveu ao prof. Azevedo Gomes – pretendia ver esclarecida pelos tribunais competentes a acusação que lhe era feita: «Entendo que só depois de declarada judicialmente a inanidade dessa acusação me poderei apresentar publicamente à massa dos eleitores. Por isso, e sabido que o processo judicial não poderá estar terminado até ao início do período eleitoral, considero-me impedido da honra de figurar na lista de candidatos pelo círculo de Lisboa.» – Diário Inédito (Lisboa, 2008).

Entre 1950 e 1962 e entre 1966 e 1971, foi vogal do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, de que seria vice-presidente, no triénio 1963-1965.

Em 1969, apresentou ao II Congresso Republicano (Aveiro) duas teses: uma, intitulada «O Direito de Informação e de Comunicação como Condição de Cidadania»; outra sob o título «Direito à Esperança – O mais importante direito do Homem». Nas eleições desse ano, concorreu na lista da CEUD pelo círculo de Lisboa.

Em 1971, num opúsculo intitulado O Direito de Defesa e a Defesa do Direito, que assinou juntamente com o advogado Salgado Zenha, denunciou as práticas repressivas da PIDE.

Em 1973, integrou a comissão nacional do III Congresso da Oposição Democrática, também realizado em Aveiro, e nas eleições legislativas desse ano foi candidato suplente da Oposição Democrática, pelo círculo de Lisboa.

Foi mandatário nacional do general Ramalho Eanes quando da sua primeira candidatura à Presidência da República (1976) e, em 1984, foi o primeiro presidente do Conselho de Comunicação Social.

O advogado

Ainda jovem, em 1937, fundou o jornal de Direito Jornal do Foro, ao qual deu vasta colaboração. Publicado durante dez anos, este jornal deu voz a diversos sectores da oposição ao regime ditatorial vigente e, apesar da censura e da repressão da Ditadura, dedicava especial atenção à violação dos direitos humanos, desde as policiais às do “apartheid”. Aí acolheu numerosas obras de artistas e escritores de diferentes áreas, editando, designadamente, a obra completa de Raúl Brandão e diversos outros autores, tais como António José Saraiva, Luís Sttau Monteiro, Urbano Tavares Rodrigues e João Gaspar Simões. Em 1953, reorganizou a Revista da Ordem dos Advogados, que se publicou regularmente até 1971.

Entre 1951 e 1971, desempenhou as funções de vice-presidente do Conselho Geral da Ordem dos Advogados. Nos mandatos do Bastonário Adelino da Palma Carlos, entre 1951 e 1956, a Biblioteca da Ordem dos Advogados alcançou notável desenvolvimento graças ao empenho de Fernando de Abranches Ferrão, transformando-se numa das primeiras bibliotecas jurídicas portuguesas. Em 1960 as instalações da Biblioteca seriam ampliadas com uma nova sala, à qual foi atribuído o nome de Fernando de Abranches Ferrão, em homenagem aos relevantes serviços por ele prestados em benefício da Biblioteca no decurso dos dois triénios referidos.

Foi eleito, em 1958, presidente honorário da Federação Internacional de Juristas. Pertenceu ao Conselho Mundial da Paz, à Liga dos Direitos do Homem, de que foi vice-presidente, e à Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos.

E o seu legado

Publicou dois livros de novelas, Quarto Aluga-se (Lisboa, 1967), e António Gaivota (Lisboa, 1972), uma peça de teatro, A Progressão Geométrica (Lisboa, 1967), e diversos estudos jurídicos, como Direitos de Família (Lisboa, 1927), Contra uma Decisão da Censura (Lisboa, 1946), Demissão de Funcionário em Conselho de Ministros (Lisboa, 1949) ou O Incumprimento da Obrigação como Causa de Pedir a Indemnização (Lisboa, 1966).

Em 1995, foi publicado, em sua homenagem, com coordenação de José Miguel Ramos de Almeida, In Memoriam: Fernando de Abranches Ferrão 1908-1985.

Preso por diversas vezes, manteve sempre uma postura de grande dignidade, em frontal oposição ao regime ditatorial. Numa das passagens pela prisão escreveu um poema – que espelhava a sua personalidade determinada – e, no Ano Novo de 1962, enviou-o aos amigos. (*)

Conservou-se um homem de espírito brilhante e corajoso até ao fim da sua vida, morrendo com um ataque cardíaco, após a amputação de uma perna, na sequência da diabetes de que padecia.

O espólio documental de Abranches Ferrão encontra-se depositado na Biblioteca Nacional de Portugal. Em Julho de 1982, foram ali entregues, a título de doação, 58 pastas com documentação clandestina recolhida entre 1930 e 1976, recortes de imprensa e algumas cartas.

(*) A Mensagem de 1962 consistia neste belo poema que revela o carácter rectilíneo do seu autor, feito nas Cadeias do Aljube e do Forte de Caxias (com data de 8 de Agosto/3 de Novembro de 1961):

Fernando Abranches FerrãoTirem a um homem suas vestes
– e ele fica nu;
um homem nu.
Que sofra sede e fome e dor
– e ele fica nu,
um homem nu com sede e fome e dor.
Que o seu passado lhe retirem,
a memória do que foi
– e ele fica nu,
um homem nu com sede e fome e dor,
incerto e ansioso.
E quando em sua volta as chamas ardam,
cordas o amarrem,
espadas o sangrem,
nu, com sede e fome e dor,
incerto e ansioso
o homem É,
enquanto olhar em frente
e em frente for o seu caminho.

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