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João de Sousa

Segunda-feira, Março 18, 2024

Guerra na Ucrânia: a caminho do quarto mês

«Tomei a decisão de uma operação militar especial. Vamos esforçar-nos para alcançar a desmilitarização e a desnazificação da Ucrânia.». Assim, começava a ofensiva, oficializada pela comunicação de Vladimir Putin, presidente russo, a 24 de Fevereiro de 2022. Condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia, o reforço de sanções económicas e políticas ao governo do Kremlin tiveram uma resposta rápida: os países ocidentais são obrigados a «pagar um preço elevado».

Mais de cem dias depois, precisamente 107, o balanço resume-se de forma trágica: a maior crise de deslocados desde a segunda guerra mundial; o maior aumento do custo de vida a esta e às próximas gerações; mais de 4.200 civis mortos, dos quais perto de 270 crianças e 15 milhões de pessoas forçadas a abandonar as suas casas. Paira uma nova crise alimentar com repercussões pelo mundo e um conflito com milhões de vítimas que continua sem fim à vista.

Qual o papel do Ocidente para travar a guerra? A União Europeia poderia ter ido mais além? Que entendimento é possível para que as armas se calem e se alcance a paz?

Estas são algumas das perguntas que o Jornal Tornado quis colocar aos representantes do centro de decisão europeu.

Negociatas. Quando as armas “falam” mais alto

Ao mesmo tempo que os EUA e outros países ocidentais enviam, gradualmente, armamento para ajudar a Ucrânia, mesmo depois das promessas iniciais que seriam apenas “armas defensivas”, houve também ajudas prestadas ao outro lado da barricada, que podem levar pontos de exclamação ou interrogação, neste hipócrita e cínico jogo bélico. Há três meses, soubemos que vários países europeus exportaram armas para a Rússia, já depois do embargo que foi criado em 2014, após a anexação da Crimeia.

Os factos são estes: uma dezena de países europeus – dos quais Portugal não faz parte – venderam armas e material de guerra aos russos, depois de decretada uma proibição. O valor das exportações é de quase 350 milhões de euros. Mísseis, foguetes, torpedos e bombas fizeram parte do arsenal comprado pelo regime de Kremlin à França, Alemanha, Itália, Áustria, Bulgária, República Checa, Croácia, Finlândia, Eslováquia e Espanha, entre 2015 e 2021.

A revelação, feita pelo consórcio jornalístico Investigate Europe e citada pelo Jornal Público a 17 de Março último, adianta que o grupo de trabalho, que regista todas as exportações militares dos 27 membros, concluiu que a França foi o país que mais utilizou uma lacuna na legislação. Seguiu-se a Alemanha e a Itália. E acrescenta que, apenas foram recusadas uma centena das mais de mil licenças de exportação emitidas.

Recorde-se que, há oito anos, foi decretado um embargo que proíbe a «venda, fornecimento, transferência ou exportação direta ou indireta de armas e material conexo de todos os tipos, incluindo armas e munições, veículos e equipamento militar, equipamento paramilitar e respetivas peças sobresselentes, para a Rússia por nacionais dos Estados-membros ou a partir dos territórios dos Estados-membros ou utilizando navios ou aviões que usem a sua bandeira, quer sejam ou não originários dos seus territórios».

Questionado sobre o assunto, o Grupo de Trabalho sobre Exportação de Armas Convencionais do Conselho da UE, o COARM, esclareceu na altura que os dados analisados deviam ter incluído a citada isenção na legislação.

O Jornal Tornado tentou contactar vários deputados no Parlamento Europeu. Um por cada família europeia. Sobre o papel da Europa e do Ocidente na Guerra que assolou a Europa. Recordando as conclusões do consórcio jornalístico Investigate Europe, estas são as opiniões de quem nos respondeu por e-mail. Alguns eurodeputados entenderam que a melhor resposta é o silêncio.

 

Financiamentos agigantam «máquina de guerra»

Eurodeputados comentam a venda de armas à Rússia após embargo

Isabel Santos, deputada do Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no PE

«Suspensão de todos os contratos de fornecimento de gás»

A eurodeputada socialista Isabel Santos defende urgentemente o embargo total ao gás russo ao recordar os milhões diários pagos por países da UE «e que servem para suportar a máquina de guerra»

Jornal Tornado: Na sequência da recente divulgação da cooperativa europeia de jornalistas de investigação (Investigate Europa), um terço dos Estados-membros da UE continuou a exportar armas para a Rússia depois do embargo de Julho de 2014, que proibiu “a venda, fornecimento, transferência ou exportação direta ou indireta de armas e material conexo”. Apesar do embargo, pós anexação da Crimeia e proclamação das repúblicas separatistas do Donbass, dez países europeus exportaram, até 2021, 346 milhões de euros em equipamento militar. Como analisa estes dados e que comentário lhe merece esta investigação?

 Isabel Santos: O jornalismo de investigação é sempre importante na denúncia destes casos, e este trabalho é bem revelador da importância desse jornalismo.  Por tal, valorizo a notícia e considero-a preocupante, devendo haver meios estabelecidos que não permitam que tal se volte a repetir.

Como resume a postura da União Europeia perante a invasão da Ucrânia pela Rússia? 

Em relação à invasão da Ucrânia, a UE tem atuado de forma enérgica e coesa. Não se deve extrapolar de atuações anteriores para o presente. Esse tipo de entendimento é abusivo.

 

«Valorizo a notícia e considero-a preocupante, devendo haver meios estabelecidos que não permitam que tal se volte a repetir»

O Ocidente poderia ir mais além para travar esta guerra? Na sua opinião, o que pode ser feito? 

Sim. Pode sempre ser feito mais, mas a reacção tem sido progressiva, acompanhando a escalada do conflito. Há, no entanto, uma questão que deveria ser tratada o quanto antes, e que se prende com a suspensão de todos os contratos de fornecimento de gás.  São milhões diários pagos por países da UE e que servem para suportar a máquina de guerra.

 Que entendimento é possível para que as armas se calem e se alcance a paz?

A paz só é alcançável pela negociação, por isso o diálogo é necessário, mas enquanto não houver um cessar-fogo sustentável, é necessário continuar a combater e apoiar a Ucrânia enquanto se negoceia.

 

 


João Pimenta Lopes, deputado do Grupo da Esquerda no PE

«Afinal, para a guerra há dinheiro»

 

O eurodeputado comunista destaca que a guerra «serve para aumentar a produção e a venda de armamento em larga escala» e «não serve o povo ucraniano, não serve o povo russo, não serve os outros povos da Europa»

Jornal Tornado: Que comentário lhe merece a investigação da cooperativa europeia de jornalistas – que conclui que dez países europeus continuaram a exportar armas para a Rússia depois do embargo de 2014 – e como descreve a postura da UE perante a invasão da Ucrânia pela Rússia? 

João Pimenta Lopes: O PCP foi, desde o primeiro momento, contra a guerra na Ucrânia, uma guerra que nunca deveria ter começado e que urge parar. Trata-se de acontecimentos dramáticos que causam compreensiva e legítima consternação e apreensão. Acontecimentos que comportam sérios perigos e significativas repercussões por todo o mundo.

O PCP considera premente uma solução negociada para o actual conflito que, compreensivelmente, terá que ter em conta as suas causas.

«O PCP considera premente o apoio humanitário às populações atingidas, que não se pode confundir com o apoio a grupos fascistas e neonazis que se reclamam herdeiros dos colaboradores com o nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial e são responsáveis por hediondos crimes, como o massacre em Odessa a 2 de Maio de 2014»

A guerra na Ucrânia teve início em 2014, na sequência do golpe de Estado que foi promovido pelos EUA, recorrendo a forças fascistas, e que instaurou um poder xenófobo e belicista que é responsável pelo agravar de fracturas, por perseguições, pela violência, pelo conflito naquele país. Recorde-se que os Acordos de Minsk – firmados pela Ucrânia, Alemanha, França e Rússia –, que em 2014 estabeleceram uma solução política para o conflito na região do Donbass, no Leste da Ucrânia, nunca foram cumpridos pelo Governo ucraniano, que publicamente os denunciou. Nos últimos oito anos, a guerra nesta região causou cerca de 15 mil mortos.

 

Este grave desenvolvimento da situação na Ucrânia é indissociável da política de confrontação que os EUA, a NATO e a UE têm vindo a implementar contra a Rússia, consubstanciada no contínuo alargamento da NATO para o Leste da Europa, em provocatórias manobras militares e instalação de cada vez mais forças e meios militares junto às fronteiras da Rússia, ou no abandono de importantes tratados de desarmamento por parte dos EUA e na sua rejeição de propostas visando promover a paz e a segurança na Europa e no mundo.

Por isso, o PCP condena todo um caminho de ingerência, violência e confrontação, o golpe de Estado de 2014 promovido pelos EUA na Ucrânia, a recente intervenção militar da Rússia na Ucrânia e a intensificação da escalada belicista dos EUA, da NATO e da UE.

O que poderia fazer o Ocidente para travar esta guerra?

Como o PCP tem sublinhado, a guerra não serve o povo ucraniano, não serve o povo russo, não serve os outros povos da Europa. Serve em primeiro lugar aos Estados Unidos da América e, em particular, ao seu complexo militar-industrial. Serve para aumentar a produção e a venda de armamento em larga escala, demonstrando que, afinal, para a guerra há dinheiro, quando dizem que não há dinheiro para a saúde e a educação, para os serviços públicos, para dar resposta aos graves problemas sociais. Serve os grupos económicos – dos sectores da energia, da alimentação, entre outros – que a partir das sanções especulam com os preços dos combustíveis, dos bens alimentares e de outros produtos, gerando lucros colossais à custa dos direitos, do agravamento das condições de vida, do agravamento das desigualdades e das injustiças que atinge os povos, incluindo o povo português.

«O PCP condena todo um caminho de ingerência, violência e confrontação, o golpe de Estado de 2014 promovido pelos EUA na Ucrânia, a recente intervenção militar da Rússia na Ucrânia e a intensificação da escalada belicista dos EUA, da NATO e da UE»

O PCP considera premente e de grande importância o apoio humanitário às populações atingidas, que não se pode confundir com o apoio a grupos fascistas e neonazis que se reclamam herdeiros dos colaboradores com o nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial e são responsáveis por hediondos crimes, como o massacre em Odessa a 2 de Maio de 2014.

Mas que entendimento pode amenizar a escalada belicista? O que terá de ser feito para que as armas se calem e se alcance a paz?

São urgentes iniciativas e medidas que abram caminho à negociação e à paz, e não que dêem força à escalada de confrontação, incrementem a guerra, dificultem o cessar-fogo e a solução negociada que se impõe no interesse dos povos e da paz mundial. É urgente parar a política de instigação do confronto e da guerra, que só levará ao agravamento do conflito, à perda de mais vidas humanas, a maior sofrimento, com dramáticas consequências para os povos da Ucrânia e da Rússia, para os povos da Europa. O PCP considera que é necessário defender o diálogo e a paz, não o incremento da política e das medidas que estão na origem da escalada do conflito na Europa, como o alargamento e reforço da NATO, o processo de colossal aumento de despesas militares ou a militarização da UE, pilar europeu da NATO.

O PCP considera que são necessárias iniciativas que contribuam para a não escalada do conflito na Ucrânia, para o cessar-fogo e um processo de diálogo com vista a uma solução negociada para o conflito, à resposta aos problemas de segurança colectiva e do desarmamento na Europa, ao cumprimento dos princípios da Carta da ONU e da Acta Final da Conferência de Helsínquia, no interesse da paz e cooperação entre os povos.

O PCP está do lado da paz, não da guerra. O posicionamento do PCP é ditado, como sempre foi, pela defesa da paz e pela solidariedade com os povos que sofrem a violência e as consequências da guerra – como quando das guerras contra a Jugoslávia, o Afeganistão, o Iraque, a Líbia, a Síria, o Iémen ou face à ocupação da Palestina.

 

 


 

Francisco Guerreiro, Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia

«Amorfismo por parte do Ocidente»

O eurodeputado independente Francisco Guerreiro entende que o Ocidente manteve, durante anos «o financiamento do regime oligarca de Putin» e «acabou por aliciar a autocracia Russa a avançar sobre o país soberano Ucraniano».

 

Jornal Tornado: Como analisa o trabalho do Investigate Europa (citado em Março último pelo Jornal Público), em que é divulgado que vários países europeus continuaram a exportar armas para a Rússia depois do embargo de Julho de 2014, onde foi decretado a proibição da «venda, fornecimento, transferência ou exportação direta ou indireta de armas e material conexo»?

 Francisco Guerreiro: Todas as informações fidedignas e consolidadas em factos são fundamentais para a cidadania participativa e para uma democracia mais transparente tal como inclusiva. Neste ponto houve, primeiro, uma desvalorização da anexação da Crimeia e da “auto proclamação” das regiões separatistas do Donbass, que se seguiu à invasão da Geórgia, em 2008, forçando a criação de outras duas regiões separatistas, Ossétia do Sul e Abecásia, o que anteriormente já tinha sido perpetuado, de forma grotesca e criminosa na Tchetchénia. Este amorfismo por parte do Ocidente, que manteve durante estes anos o financiamento do regime oligarca de Putin, através da venda de armamento e da importação de outros bens, como gás, petróleo e minérios, e ignorou a desinformação lançada por falsas notícias e ataques informáticos, acabou por aliciar a autocracia Russa a avançar sobre o país soberano Ucraniano. Porém, e muito devido à resiliência e determinação deste povo, os esforços imperialistas Russos têm sido gorados.

«É imprevisível como este conflito terminará mas o que temos que garantir é que a federação Russa compreenda que não só se prejudicará a médio longo prazo como a Ucrânia terá cada vez mais apoio internacional»

Que análise lhe merece a postura da União Europeia perante a invasão da Ucrânia pela Rússia? Os negócios do armamento “falam sempre mais alto”?

Primeiro creio que devemos conceber que a União Europeia não é uma federação e por tal não tem os mesmos mecanismos que outros colectivos políticos nomeadamente os Estados Unidos da América. Na mesma senda concebamos que matérias de geopolítica, política externa, energética e mesmo de migrações são de difícil consenso pois existem diferentes regimes em cada Estado-Membro e várias instituições que deliberam sobre estas matérias comunitárias, nomeadamente a Comissão Europeia, o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu. O que esta guerra tem demonstrado, infelizmente com um custo demasiado elevado, é que o foco do projecto Europeu e da NATO está mais claro. E, neste sentido, a acção da União Europeia tem sido bastante incisiva não só com sanções à Rússia mas também com o apoio logístico, económico, financeiro e institucional à Ucrânia e aos países fronteiriços mais afectados pela massiva migração regional.

Se considero que está a ser feito tudo o que é possível. Na minha visão não. Primeiramente porque continuamos a depender de matérias-primas da Federação Russa e porque, na ânsia de as substituir, estamos a cair na mesma armadilha e mantemos a nossa dependência de combustíveis fósseis, tal como de minérios, de regimes autocráticos. Devemos continuar o apoio logístico, económico, militar e institucional à Ucrânia mas garantir que fechamos a torneira Europeia ao financiamento desta guerra. Mesmo que nos custe no período de transição económica, social e energética.

 Tem sido feito tudo por parte do Ocidente para travar esta guerra?

De modo algum. Aliás, uma das grandes bandeiras do movimento ambientalista e pacifista Europeu foi o de garantir que, através do comércio, da energia, dos mercados financeiros e outros acordos nacionais e europeus, bi e multilaterais, a nossa dependência e/ou financiamento de regimes autocráticos não fosse uma realidade. Daí a independência energética através das energias renováveis ter sido sempre, juntamente com a soberania alimentar, duas bandeiras económicas e geopolíticas estruturais. Estes alertas se consideramos, na forma de construir as nossas economias e sociedades, teriam evitado muitos dos conflitos actuais. Mas chegados a este ponto há que continuar a apoiar a Ucrânia a travar este conflito e garantir que a UE termina com a compra de recursos fósseis e minerais da Federação Russa.

«Devemos continuar o apoio logístico, económico, militar e institucional à Ucrânia mas garantir que fechamos a torneira Europeia ao financiamento desta guerra. Mesmo que nos custe no período de transição económica, social e energética»

Que entendimento é possível para que as armas se calem e se alcance a paz? – Armar a defesa ucraniana? Continuar a investir nas negociações? Que cedências são possíveis para amenizar o escalar de violência? 

Creio que perante uma invasão tão grotesca e contrária aos princípios dos acordos e leis internacionais a pressão económica, social e financeira deve continuar à Federação Russa. É imprevisível como este conflito terminará mas o que temos que garantir é que a federação Russa compreenda que não só se prejudicará a médio longo prazo como a Ucrânia terá cada vez mais apoio internacional. Pelo que verificamos, factualmente, no terreno a brutalidade é perpetuada pelo exército russo sem qualquer consideração para com as populações civis. Este acto, que pode ser considerado de desespero, apenas agravará o finalizar de um qualquer acordo de paz.

 

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