A água de beldroegas
Quando fiz Medicina Tropical no INSA havia uma cadeira de História da Alimentação Humana. Eram aulas fantásticas.
Penso que foi aí que nos contaram a história curativa da água de beldroegas.
Um velho causídico de aldeia, visitava os doentes durante uma epidemia de febre tifóide. As famílias de muito parcos recursos, pagavam a ajuda deste Dr João Semana, com uns ovos, umas couves, cebolas e batatas. Num casebre, entre penhascos, encontrou às portas da morte um doentinho a quem prognosticou o falecimento para as próximas horas. No dia seguinte a mulher do suposto cadáver, veio a casa do médico, contar que o marido, embora combalido, estava são e sem febre. Tinham-lhe desaparecido os delírios e depois de um caldinho de patas de galinha velha, estava a arribar.
Espantado, o meu velho colega perguntou:
_Então e o seu marido durante a noite tomou alguma coisa?
Ao que a agradecida e feliz mulher respondeu:
_Sim, senhor doutor! Bebeu aí uns três litros de água de uma bacia onde eu tinha beldroegas fresquinhas, para a sopa.
O Dr João Semana, anotou no seu canhenho:
“Remédio caseiro para a febre tifóide, 3 litros de água de beldroegas durante a noite.”
Donald Trump é o meu eleito Dr João Semana.
A Food and Drug Administration (FDA) concedeu aprovação de emergência neste último fim de semana, permitindo o uso de dois remédios contra malária usados inicialmente por um grupo de investigadores da Universidade de Stanford no tratamento de 40 pacientes hospitalizados com coronavírus. Nesta amostra de 40 doentes todos ficaram bem.
A evidência de que estes medicamentos, a hidroxicloroquina e a cloroquina sejam eficazes contra o vírus é portanto muito escassa.
A decisão permite que as empresas doem suprimentos de dois medicamentos para o Stock Nacional Estratégico. Os medicamentos serão distribuídos aos hospitais para uso em pacientes com coronavírus. A fabricante de medicamentos genéricos Sandoz, uma divisão da Novartis, doou 30 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina e a Bayer doou um milhão de doses de cloroquina. Outras empresas estão a aumentar a produção dos medicamentos e podem doar mais suprimentos, disse o governo federal.
A Teva também disse que doou seis milhões de comprimidos de hidroxicloroquina para usar em hospitais dos EUA.
Trump tem elogiado o uso destas drogas, descrevendo-as como um potencial “divisor de águas” na pandemia, embora haja apenas evidências sumárias de que elas são eficazes. Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas e outros especialistas, tem sido muito mais cautelosos ao dizer que ainda são necessárias evidências para saber se elas funcionam.
No entanto, como não existem tratamentos para o vírus, apenas existem algumas medicações para aliviar os sintomas, muitos hospitais estão a usar estes medicamentos em pacientes graves. As drogas estão no mercado há décadas e uma, a hidroxicloroquina, também é usada para lúpus eritematoso e artrite reumatóide.
A decisão da F.D.A., emitida no sábado, mas anunciada pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos no domingo, permitirá que os hospitais usem os medicamentos em pacientes quando não for possível inscrevê-los em ensaios clínicos. Os médicos devem relatar como foram usados, doses e distribuição de doses nas 24h, incluindo a documentação de quaisquer efeitos colaterais prejudiciais. Os doentes e os médicos também receberão uma ficha informativa explicando que a eficácia do medicamento no tratamento do coronavírus não é conhecida.
Ao restringir o uso hospitalar dos medicamentos àqueles retirados do estoque nacional, a medida também diminui a pressão sobre o restante da cadeia de suprimentos. Ambos os medicamentos recentemente sofreram escassez, dificultando o acesso de pacientes que dependem deles para outras condições.
Estes medicamentos não podem ser usados em crianças com menos de 6 anos.
Pode despoletar sentimentos depressivos, psicoses e ideação suicida. Cardiomiopatia com insuficiência cardíaca grave. Náuseas, diarreia, vómitos.
Enfim, eu aconselharia a água de beldroegas.
O Dr João Semana, Ilustração de Beatriz Lamas Oliveira
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
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