O avolumar de notícias que confirmam uma contracção generalizada nas economias mundiais no segundo trimestre deste ano, confirmam as piores expectativas de evolução em tempos de pandemia (que nem a revisão em baixa apresentada pelo INE consegue aliviar), quando precisamente maior é a necessidade de meios físicos e materiais para o seu combate.
Como afirmou há pouco tempo Muhammad Yunus, a pandemia revelou a divisão do mundo e estaremos agora a testemunhar apenas o início dos impactos sociais e económicos que mais à frente atingirão inexoravelmente os países pobres e em desenvolvimento. Há expectativas fundadas de que a recessão originada pela covid-19 possa durar mais do que o inicialmente previsto e a maioria dos economistas prevê uma recuperação económica lenta (em forma de ‘U’ ou ‘W’), ao invés de uma rápida, em forma de ‘V’ e estimativas recentes do Banco Mundial indicam que a crise poderá empurrar 70 a 100 milhões de pessoas para a pobreza extrema, especialmente nas regiões do Sul da Ásia e da África Subsaariana. Também a Organização Internacional do Trabalho estimou que foram perdidos quase 400 milhões de empregos no segundo trimestre de 2020 e que durante o segundo semestre deste ano se deverá manter a incerteza na recuperação do mercado de trabalho.
Perante este cenário e a óbvia constatação de que a generalidade dos governos se debatem hoje com um cenário de redução das receitas fiscais devido à inesperada interrupção da actividade económica e ao aumento dos gastos originados numa maior procura por cuidados de saúde e protecção social com o desenvolvimento da pandemia (o chamado “efeito tesoura”), precisam-se orçamentos cada vez maiores, só possíveis mediante o aumento da carga fiscal, pelo maior recurso a mecanismos de endividamento ou pela pura e simples impressão de mais moeda. É aqui que a recuperação de propostas como a de Arthur Cecil Pigou – a criação dum imposto sobre os grandes detentores de riqueza – ganha especial interesse e acuidade, pois como procurou demonstrar essa imposição representa uma mera forma de redistribuição do esforço sobre quem melhor o pode suportar, não onera as gerações futuras (ao contrário do que sucede com o recurso a empréstimos) nem permite aos emprestadores (precisamente aqueles que têm maior volume de riqueza) aumentar os seus ganhos a expensas de toda a sociedade.
A generalização das políticas económicas neoliberais na década de 1990 levou ao abandono dos impostos sobre a riqueza que então eram praticados em muitos países embora alguns países europeus, como a Noruega, Espanha, Suíça e Bélgica, ainda apliquem alguma forma de imposto sobre a fortuna.
A imposição de um imposto sobre a riqueza (que pode ser cobrado sobre a riqueza individual ou sobre a transferência de riqueza) torna-se ainda mais crítica numa conjuntura em que enquanto milhões de pessoas pobres em todo o mundo perderam os seus empregos e os meios de subsistência se assiste ao aumento do crescimento da riqueza dos bilionários globais e nem sequer constitui uma grande novidade, pois já na década de 1970 um economista norte-americano, James Tobin, propusera a aplicação de uma taxa sobre as transacções financeiras internacionais, com o duplo objectivo de financiar a ONU e para apoiar o desenvolvimento dos países do terceiro mundo. Esta ideia, sugerida por um galardoado com o Nobel da Economia em 1981, ficou conhecida como Taxa Tobin, mas nunca foi passada à prática e quase esquecida até finais do século XX, quando o então editorialista do Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet, a recuperou para um debate público que daria origem à constituição da ATTAC (Associação pela Tributação das Transacções Financeiras para ajuda aos Cidadãos), com o objectivo de promover a sua aplicação
Os efeitos da aplicação prática de um imposto nos termos propostos por Pigou variarão muito de país para país em função do peso da respectiva economia; assim um estudo que Ian Kumekawa apresentou no Financial Times revela uma estimativa apontando para que um imposto de 5% sobre os 1% mais ricos dos EUA poderia resultar na arrecadação de um bilião de dólares e um imposto adicional de 5% sobre o 0,1% mais ricos poderia somar mais meio bilião, e assim cobrir metade dos gastos já suportados com a pandemia no país. No caso português, os 50 mais ricos em Portugal, segundo as contas da Forbes, controlam uma fortuna acumulada equivalente a 12% do PIB (cerca de 24 mil milhões de euros), têm um património líquido médio de 513 mil euros e 56% da riqueza total (13,3 mil milhões de euros) está nas mãos dos 10 portugueses mais ricos; aplicando a mesma lógica de um imposto de 5% sobre os 50 mais ricos e um adicional de mais 5% sobre os 10 mais ricos resultaria um encaixe de 1.900 mil milhões de euros, valor que não chega a representar 15% do orçamento extraordinário recentemente aprovado.
Estas e outras ideias já aqui abordadas devem continuar a merecer reflexão, seja pela óbvia necessidade de se procurarem soluções para os problemas (novos ou velhos) das sociedades, seja pelo simples debate de ideias que auxiliem esse caminho, porque a natureza sem precedentes do actual quadro sanitário oferece uma nova janela de oportunidade para repensarmos os modelos de financiamento público e introduzirmos outras modalidades de impostos, como os que incidem sobre a riqueza dos sectores mais ricos da sociedade, direccionados exclusivamente para esses segmentos poderão originar novos recursos tão necessários para mitigar os impactos sociais e económicos da pandemia e contribuir ainda para o nivelamento do rendimento disponível e para a redução das desigualdades.
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