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Quinta-feira, Abril 18, 2024

O livro branco tem nada lá dentro!

João de Almeida Santos
João de Almeida Santos
Director da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração e do Departamento de Ciência Política, Segurança e Relações Internacionais da ULHT

É o que apetece dizer deste Livro Branco da UE. Ou melhor: sobre o passado tem algumas informações que é útil lembrar, mas, sobre o futuro, nada!
Os cinco cenários são conversa fiada (“P’rá frente assim como estamos”; “Só interessa o mercado único”; “Quem quiser que avance”; “Fazer menos, mas com mais eficácia”; “Fazer mais, com todos”).

Pura retórica! Eu fazia isto num fim-de-semana, melhor e a custo zero! Não há uma palavra sobre a arquitectura institucional da UE e sobre as reais prioridades em que deverá apostar. Convergência ou harmonização fiscal? Nem a menciona. Um Senado das Regiões que compense a perda de soberania nacional? Nada! Uma Constituição para a União? Credo, Deus nos livre! Um Ministro europeu das Finanças? O EcoFin revoltava-se! Um Presidente da União eleito? Era o que faltava! Cidadania Europeia? Pura ficção! E assim por diante…

Sim, o Livro Branco nada tem lá dentro sobre o futuro, que é o que verdadeira-mente interessa. Não admira. Com este beijoqueiro do Jean-Claude Juncker nem sequer uma estética dos afectos nos é oferecida! Ao menos, o José Manuel Durão Barroso brindou-nos com uma estética do dólar! Vejamos, então, o passado, para vermos, depois, o futuro que o Livro Branco de Juncker não quer ver. Talvez porque ele próprio já abdicou do futuro, deixando a União.
E ainda bem! Aqui lhe deixo um beijo, pela decisão!

É uma potência, a União!

O Manifesto de Ventotene, de Altiero Spinelli e Ernesto Rossi, é elevado a Carta Fundadora da União, no Livro Branco. E bem. “Bravi!”. Previram tudo o que viria a acontecer. Melhor: desenharam com precisão o futuro da Europa. E Spinelli, até morrer, lutou com todas as suas forças para ir mais além. Designadamente contra o domínio das diplomacias sobre o processo europeu! Faz cá muita falta.

O “adquirido” pela União é gigantesco, apesar das actuais dificuldades. Vejamos. A Europa foi beijada pela paz, sua ideia inspiradora. Para que conste: cerca de 50 milhões de mortos nas duas guerras mundiais! É a maior potência comercial e o maior mercado único do mundo.

Com poucos anos de vida, o euro tornou-se a segunda moeda mundial, 30% contra 43% do dólar USA, impedindo que os USA determinassem, sozinhos, directamente através da moeda, a economia mundial. Compreende-se, por isso, o ataque cerrado contra o euro por parte dos velhos poderes financeiros internacionais, com a preciosa ajuda das três agências de rating. É o segundo PIB mundial, com 22% (contra 24% dos USA).

Dois terços dos europeus querem estabilidade na União, 80% defendem as quatro liberdades (livre circulação de pessoas, bens, capitais e serviços) e 70% defendem o euro. Depois, 1,7 milhões de pessoas da União desloca-se para outro Estado-membro por razões de trabalho ou de estudo. Sendo demograficamente preocupante (em 2015 a União exibia 6% da população mundial, quando, em 1960, exibia 11% e, em 1900, 25%), é, ao mesmo tempo, um bom indicador da evolução civilizacional da União ter uma idade média de 45 anos (projecção para 2030), possuindo um dos mais avançados Estados Sociais do mundo.

É um espaço de 500 milhões de pessoas em 400 milhões de quilómetros quadrados. Líder (com 40%) nas tecnologias das energias renováveis e nas “cidades inteligentes, a União possui um alto índice de desenvolvimento tecnológico e informacional.

Ou seja, a União tem todas as condições para se tornar um espaço de influência mundial muito relevante e para influir, enquanto tal, decisivamente no processo de globalização, dando voz mundial aos seus Estados-Membros, desde que consiga firmar uma robusta e eficiente organização institucional. Mas é precisamente isso que falta numa União cheia de burocratas com bons ordenados, ignorantes dos principais problemas que afectam os cidadãos europeus, politicamente irresponsáveis e estrategicamente míopes.

Acresce uma classe política europeia sem visão de futuro e sem lideranças visionárias. Do Barroso do Goldman Sachs ao beijoqueiro Juncker venha o outro e escolha!

A crise actual

São conhecidos os gravíssimos problemas derivados da pressão migratória, tendo a União conhecido, em 2015, o ingresso de 1,2 milhões de refugiados e, nessa onda, juntamente com os atentados terrorísticos e a crise das dívidas soberanas, e políticas conexas, efeitos centrífugos já materializados no Brexit e nos fenómenos populistas em curso. Estes problemas estão também ligados à velha fúria, de inspiração puramente mercantil, dos alargamentos sem o correspondente aprofundamento institucional, designadamente para a condução unitária e coerente de políticas estratégicas, em particular em matéria financeira e fiscal, mas sobretudo em matéria de promoção de uma autêntica cidadania europeia e de coesão entre os Estados Membros; e às resistências funcionalistas – onde as diplomacias desempenharam um papel determinante – a uma mais rápida integração.

Sabemos que se vive uma época de profunda e estrutural crise política no plano nacional. Ora, como é evidente, esta crise exprime-se ainda com maior intensidade no plano da União, sobretudo quando as lideranças se mostram tão indecisas, fracas e erráticas. As recentes reacções (contraditórias), na União, às injunções de Erdogan, a propósito do preocupante plebiscito em curso, demonstram bem essa liderança errática e inconsistente. Como inconsistente se mostrou esse anúncio da União a várias velocidades, sem que a isso correspondesse um qualquer desenho institucional, como bem demonstra este inócuo Livro Branco.

É só olhar para os quatro que se reuniram recentemente. Hollande vai sair em péssimas condições. Gentiloni não manda nada na política italiana. Mariano Rajoy só pode exibir essa virtude tão galega da resiliência (política). Merkel está algo espalmada entre o SPD de Martin Schulz e a AfD, de Frauke Petry. O problema não é da caixa de velocidades, mas do motor! E dos condutores, das lideranças!

Em suma

O Livro Branco é mesmo branco: nada diz sobre o futuro. O que diz tudo sobre a actual Comissão dos Juncker e dos Moedas, para não falar daquele senhor holandês Presidente do Eurogrupo, de nome esquisito, um tal Jeroen Dijsselbloem. Dizendo, ao mesmo tempo, pouco sobre o passado, apesar de haver muito para dizer, a começar pela ideia de paz e pela visão inscrita no Manifesto de Ventotene e nos Tratados de Roma, de Maastricht, da Constituição Europeia e de Lisboa, o Livro Branco é um incolor bilhete de identidade da actual Comissão Europeia.

Uma nulidade escrita e aprovada por uns senhores pagos a preço de ouro lá em Bruxelas. E num momento decisivo: a sessenta anos do Tratado de Roma, com o Brexit em marcha, com um candidato a ditador à porta e aos berros contra a Alemanha e a Holanda, com o amigo Trump na Casa Branca, com a fortíssima pressão dos refugiados e com os populismos de vento em popa!

Com tudo isto, o que as lideranças europeias têm para nos dizer é nada, prometendo, todavia, novos documentos e uma União em geometria variável. Ainda mais variável do que a que já temos?

Se assim for, então mais vale que o livro continue tão branco como está! Até que a cidadania europeia, a pouca que temos, tenha um sobressalto!

E acorde!

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