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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Mas que Jornalismo é este?

João de Almeida Santos
João de Almeida Santos
Director da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração e do Departamento de Ciência Política, Segurança e Relações Internacionais da ULHT

Antes de ver a entrevista de António Costa, hoje (20.06), já tinha decidido escrever este artigo e com este título. Depois da entrevista, cresceu a vontade. Judite de Sousa – esse inefável oráculo da opinião pública – esteve, em toda a entrevista, obcecada com uma única questão: demite a Ministra, ou não, Senhor Primeiro-Ministro?Fez a pergunta de vários modos, mas fez só esta pergunta! O outro senhor que estava ao lado dela, quando percebeu que António Costa ia dizer que os jornalistas tinham o dever de não perturbar o trabalho, com perguntas idiotas, de quem está no terreno a dar o seu melhor, decidiu não deixar o PM concluir o discurso, demonstrando uma boa educação à prova de bala!

Os nossos filhos que tiverem o azar de ver estas fantásticas prestações jornalísticas, ficarão, pelo menos, com a lição das boas maneiras na tribuna da opinião pública!

Quem os mandatou?

Sim, isto a acrescentar a este festival macabro da informação deste pobre País! Incêndios e morte! Ronaldo, mais Ronaldo, mais mortes ainda, sexo, arguidos, muitos arguidos, futebol, Fátima, marchas populares, concertos pimba e não pimba, fado e vinho tinto. Sobretudo, muito futebol! E imenso Ronaldo, com toda a família atrás! É isto a informação em Portugal.

Com estes intelectuais orgânicos do monitor televisivo, com gravata, sem gravata, com lencinho, sem lencinho, com pose ou sem pose! Cultos de morrer! Pelo menos na pose! Escritores reputados, nem que seja de produção industrial! Isto já enjoa e não é bom para o País.

Claro que não peço a essa coisa chamada ERC para intervir. Eles, os desta poderosa instituição, cansam-se para lá chegar, ao desejado lugar! E, por isso, ficam cansados durante todo o mandato! De resto, ninguém lhes presta atenção ou lhes dá importância. Coisa que lhes agrada, porque, assim, nem têm que prestar grandes contas da sua insignificante actividade!

Sim, estes Senhores do jornalismo do sistema usam o espaço público para o desqualificar, ao arrepio da própria lei da televisão! São críticos do Poder, dos políticos e das instituições, como se eles não fossem literalmente a outra face da mesma moeda, a do poder!

Falam em nome da opinião pública sem que ninguém lhes tenha dado mandato para isso! Hoje mesmo, esta Senhora Judite de Sousa perguntava ao PM: a opinião pública quer saber… Ela é o oráculo da opinião pública? Quem lhe atribuiu o mandato? Ninguém, para além do Conselho de Administração da TVI! Opinião publicada? Nem sequer isso. Ela é simplesmente a Judite de Sousa, elevada, como qualquer outra que lhe aceda, a um púlpito por razões de carreira profissional. Nada mais.

Quanto aos outros intelectuais orgânicos do sistema mediático o filme é o mesmo! Alguns começam com receitas de cozinha e acabam como entertainers de Portugal; outros começam como comentadores de futebol e acabam como intelectuais orgânicos da política e da cultura. Quem sabe se como escritores, como acontece com alguns!

Qual é a sua responsabilidade no alinhamento das notícias, no relevo dado a umas e não a outras, no tratamento, no enfoque? Total. E não se vêem ao espelho de manhã quando olham para eles próprios? Ou olham só para o recibo do vencimento? E para a glória de todos os dias entrarem nas nossas casas à hora do jantar, tornando-se nossos íntimos e nossos representantes?

E, alguns, para o sucesso de vendas nos livrinhos de produção industrial que lançam cada ano que passa graças à publicidade gratuita diária de que usufrem como pivots (enfastiados, vê-se!) de telejornal?

Os movimentos de nova geração não gostam de jornalistas…

Li hoje, em “El País”, que o PODEMOS declarou proscritos alguns meios de comunicação, entre os quais o próprio! O artigo era de indignação. Claro. Sei também que o MoVimento5Stelle recomenda aos seus que não participem em talk shows televisivos e que um dos seus dois adversários (o outro é o establishment político) é exactamente o establishment mediático. E sabemos também que Trump ganhou as eleições contra este, insistindo em considerá-lo nada menos que inimigo.

Isto, que indigna os bem pensantes (do sistema), tem uma razão de fundo: o establishment mediático é irmão gémeo do establishment político. Se criticares um tens o santo dever de criticar o outro. Em palavras simples: a senhora Judite de Sousa equivale simbolicamente ou é intercambiável (neste aspecto, o conteúdo não conta) com um qualquer ministro, ex-ministro ou mesmo Passos Coelho.

É a outra face da mesma moeda. Se uma não prestar, a outra também não presta. É disto que se trata. É vê-los em amena promiscuidade quotidiana, em troca de informações, em amável convivência, em prestação de fretes e sabe-se lá o quê mais…

É preciso um sobressalto de cidadania!

Mas, quanto a mim, esta face é mesmo pior do que a outra. Ao menos a outra vai a votos. Ganha e perde. Esta vai ao patrão. Fica ou é despedida. Ganha mais ou ganha menos, consoante o serviço que presta. Mas sem escrutínio democrático. Reparem numa coisa: estes, os do establishment mediático, são tanto contra a rede e as redes sociais como os dos partidos convencionais. Só que estes são escrutinados e aqueles não.

Ah!, dizem, somos escrutinados pelos que nos vêem ou compram. Sim, é por isso que os jornais já nem vendem. E os telejornais são como os partidos: só há três, logo tenho que ver um deles, embora seja igual aos outros dois, que não vejo. Oferta limitada. Como os partidos. Por isso é que a abstenção sobe. E as audiências baixam. É, de resto, isso que os leva a usar cada vez mais a famosa lei da espoleta: sexo, sangue, lágrimas, morte! Para ver se aumentam as audiências… para fortalecer o orçamento. É também por isso que crescem os movimentos de nova geração…

Sinceramente, eu acho que a intensidade com que tem vindo a aumentar o grau de desfaçatez do establishment mediático acabará por ser detectado mercado e, por isso, acabará por pagar a factura. Que, de resto, já está a pagar… Mas eu creio que não bastará.

Creio que o ponto a que chegou esta vergonha já exige uma resposta cívica que os obrigue a mudar de rota: ou por boicote directo das audiências ou por intervenção – que acho difícil – por parte do establishment político. Mas este só agirá se se sentir irremediavelmente ameaçado por factores externos que possam pôr a sua sobrevivência em causa. E é aqui que os movimentos de cidadania têm o seu papel. Sobretudo se ameaçarem transformar-se em movimentos políticos. O que já deixou de ser há muito da esfera da fantapolítica. Veja-se o caso francês.

Em suma, a coisa chegou a um ponto tal que só um sobressalto de cidadania conseguirá pôr fim a esta autêntica vergonha. Ninguém se esqueça que com a factura da luz nos chega regularmente a conta para pagarmos este audiovisual que nos envergonha e tanto mal faz ao País, puxando-o mais para baixo do que já está. Pela minha parte não deixarei de vir regularmente ao assunto. Precisamente porque já começo a ficar verdadeiramente enojado com isto!

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