O coronavírus, o estado de emergência, a recessão económica previsível, a destruição de emprego e a degradação das condições de vida se o pais continuar em casa e parado por demasiado tempo, e a insuficiência das medidas anunciadas pelo Governo de apoio às empresas e pela Comissão Europeia.
Neste nesta 2ª versão do estudo anterior, agora analiso o impacto das medidas anunciadas pelo governo para apoiar as empresas que, para além de serem claramente insuficientes o que poderá levar ao fecho de milhares e ao despedimento também de milhares de trabalhadores, também analiso direto que essas medidas poderão ter para os restantes trabalhadores,
Espero que este estudo também possa ser útil para um melhor conhecimento das eventuais consequências desta crise e contribuir para a reflexão fundamentada sobre ela, já que esta crise, para além de ser uma grave crise de saúde pública, também caminha para uma grave crise económica crise económica-financeira com consequências significativas no emprego e nos rendimentos dos trabalhadores. Num próximo estudo analisarei as medidas aprovadas pelo governo de apoio às famílias.
Estudo
O coronavírus, o estado de emergência, a recessão económica previsível, a destruição de emprego e a degradação das condições de vida se o pais continuar em casa e parado por demasiado tempo, e a insuficiência das medidas anunciadas pelo Governo de apoio às empresas e pela Comissão Europeia
(medidas anunciadas pelo governo para as empresas, estão a verde)
No nosso estudo anterior (Quais as consequências do COVID-19 na economia portuguesa?) procuramos chamar a atenção, utilizando dados oficiais, para a fragilidade e a extrema dependência da economia portuguesa em relação aos mercados externos, no que se refere quer às importações quer às exportações, agora também em crise, e para a necessidade de não esquecer a economia, devido ao medo que se espalhou por toda a sociedade portuguesa pois ela é a base material da vida de qualquer sociedade e sendo destruída todos sofrem as consequências.
Agora que foi declarado o “Estado de emergência”, embora flexível para assim conciliar a posição do Presidente da República e do 1º Ministro, mas que está já a causar efeitos graves no funcionamento da economia, até porque muitas empresas foram obrigadas a fechar, acrescido do medo e pânico que se instalou nas pessoas para o qual contribuíram os media, é importante alertar os portugueses para os riscos elevados que enfrentamos, assim como para a insuficiência das medidas que o governo tomou e também a União Europeia, devido à escassez de recursos que resulta da fragilidade da economia e do forte endividamento do Estado (ver estudo anterior).
É preciso dizer com clareza aos portugueses que se o país se mantiver em casa e parado demasiado tempo a recessão económica será inevitável e grave assim como a destruição de emprego será elevada. Nós humanos compreendemos a necessidade de ficar em casa, mas a economia não perdoa nem há milagres na economia.
A destruição do emprego causada por esta crise será muito mais rápida e maior do que na crise 2008 se o país se mantiver em casa e parado durante muito tempo
Para se poder ficar com ideia das consequências que poderá ter esta crise a nível de destruição do emprego é importante recordar o que aconteceu durante a crise de 2008 (gráfico 1).
Gráfico 1 – A variação do emprego em Portugal após o início da crise de 2008 até 2019 – Em milhares – INE
Entre 2008 e 2013 foram destruídos em Portugal 769.000 empregos, pois o emprego diminuiu de 5.198.000 para 4.429.000, o que determinou que o desemprego e o sofrimento de centenas de milhares de famílias, que está associado, disparassem como revela o gráfico 2 (dados INE).
Gráfico 2 – Variação do desemprego em Portugal após o inico da crise de 2008 até 209 – Em milhares – INE
Entre 2011 e 2013 (pico da crise) o desemprego oficial aumentou em 428,1 mil mas o desemprego real, que se obtém adicionando ao desemprego oficial os “inativos disponíveis”, ou seja os desempregados que no período que o INE fez o inquérito não procuravam emprego, e o INE por isso não os considerou como desempregados, apesar de realmente o serem, aumentou em apenas 2 anos em 636,1 mil.
A diferença em relação à crise atual, se não se não forem tomadas medidas que tenham em conta a fragilidade da nossa economia, e se não se combater o medo e o pânico que afetam muito a economia, verificar-se-á a mesma destruição de emprego ou mesmo maior mas de uma forma rápida, pois não vão ser precisos 2 anos para se atingir mais de um milhão de desempregados como aconteceu em 2013 na crise de 2008. E, em 2013, o nº de desempregados a receber subsídio de desemprego eram 653 mil, apenas 59,2% do total.
No entanto, apesar da destruição de empregos, entre 2008 e 2013, ter atingido 769 mil postos de trabalho, o número de trabalhadores com o ensino básico que perderam o emprego foi muito superior, como mostra o gráfico 3 (dados divulgados pelo INE).
Gráfico 3 – Empregados com um nível de escolaridade até ao básico – 3º ciclo – Milhares
Segundo o INE, entre 2008 e 2013, o número de trabalhadores com o ensino básico ou menos que perderam o emprego atingiu 1.152.000 e, entre 2013 e 2019, perderam o emprego mais 340.500 trabalhadores até ao 3º ciclo do sino básico ou menos, o que somados dá 1.495.700. Foi uma reconversão violenta da força de trabalho que os expulsou do mercado do trabalho e que lançou na miséria centenas de milhares de famílias de trabalhadores.
Muitos destes postos de trabalho foram depois ocupados por trabalhadores com o ensino secundário e superior recebendo menos do que recebiam os trabalhadores despedidos. Foi assim que as entidades patronais reduziram a massa salarial paga impondo uma economia de baixos salários em que uma % elevada de trabalhadores recebem apenas o salário mínimo (25% do total em Abri/2019, sendo as mulheres 31%). É de prever que, com esta crise e com as medidas insuficientes anunciadas pelo governo e pela Comissão Europeia que vão ser demoradas em pôr em prática como é habitual no país, se as empresas continuarem fechadas, a destruição de emprego será mais rápida e maior.
Tal como aconteceu na crise de 2008 serão as micro e pequenas empresas e os seus trabalhadores que mais sofrerão com a atual crise, muitas vão desaparecer
Os dados o quadro 1, do INE mostra a importância das micro e pequenas em Portugal em termos de emprego, mas também a debilidade deste setor de empresas muito destruído pela crise de 2008
Quadro 1 – As micro e pequenas empresas em Portugal, a crise de 2008, e a situação em 2018
Segundo o INE, entre 2008 e 2013 (pico da crise), o número de micro e pequenas empresas que fecharam atingiu 140.741; o emprego nelas que foi destruído totalizou 428.556 postos de trabalho (55,7% de todo o emprego destruído neste período) e o número de trabalhadores remunerados diminuiu em 316.359 nas micro e pequenas empresas. O mesmo acontecerá nesta crise, embora de uma forma mais rápida impulsionado pelo medo e pânico do “coronavírus” e pelo Estado de Emergência que está a paralisar a economia.
E também isto porque o tecido empresarial constituído por micro e pequenas é extremamente frágil (em média, 2 trabalhadores por empresa, com salários entre 735€ e 994€) embora seja importante quer em número (1.287.076 de empresas em 2018) quer em emprego (em 2018, 2.613.811 empregos e 1.652.378 trabalhadores remunerados). Muitas destas empresas já fecharam (quem percorra Lisboa e outras cidades, constata que o número de portas fechadas é já superior ao número de portas abertas, nomeadamente no setor da restauração) por falta de clientes e por falta de liquidez (basta uma quebra acentuada nas vendas ou o seu fecho mesmo temporário para não sobreviverem).
E a esmagadora maioria destas empresas não tem qualquer possibilidade de obter financiamento na banca porque não conseguem oferecer as garantias que a banca exige. Mesmo o apoio à tesouraria e liquidez anunciado mas ainda não concretizado pelo governo previsivelmente não chegará à maioria destas empresas e muitas desaparecerão.
Esta crise económica que se verifica, em primeiro lugar, do lado da procura, que resulta do medo que se instalou na sociedade portuguesa pelo tratamento dado pelos media de uma forma desequilibrada a uma matéria tão sensível (de manhã à noite a opinião publica foi massacrada com noticia negativas que geravam o medo) e das medidas de encerramento das pessoas nas suas próprias casas e de fecho obrigatório de milhares de empresas pelo governo e, depois, do lado da oferta, com a previsível destruição de muitas empresas por falta de liquidez poderá ser ainda mais grave para as famílias portuguesas do que a grave crise de saúde publica do “coronavírus”.
As grandes empresas aproveitaram a crise de 2008 para despedir 60.499 trabalhadores. O mesmo é de prever que aconteça agora. Algumas já anunciaram despedimentos ou o seu fecho (ex. Continental), o que agrava mais a situação.
É preciso proibir os despedimentos durante a crise como alguns países europeus já fizeram mas infelizmente a ministra da presidência deste governo, confrontada com essa pergunta, já disse na televisão que o governo não tenciona proibir os despedimentos o que, na pratica e objetivamente, pode ser interpretado como um convite para que o façam. E as medidas anunciadas pelo governo confirmam isso. Em relação aos trabalhadores cujas empresas fecharem ou tenham uma quebra grande nas vendas, as empresas poderão pedir o “lay-off” em que o trabalhador perde 33% do seu salario liquido, sendo o restante 70% suportado pela Segurança Social 30% pela empresa (ver Portaria 71-A/2020) E só não poderão despedir as empresas que utilizarem a linha de crédito de 3.000 milhões € anunciada pelo governo, e é de prever que o seu número seja reduzido, portanto todas as outras poderão despedir.
Os trabalhadores precários são os mais vulneráveis à atual crise e serão os primeiros a serem despedidos se nada for feito para impedir isso
Tal como aconteceu com a crise de 2008, os trabalhadores com contratos a prazo são os mais vulneráveis à crise pois são mais facilmente despedidos, sendo os primeiros a serem despedidos como já está a acontecer. Segundo o INE, entre 2008 e 2013, os trabalhadores com contrato a termo diminuíram em 93 mil. E em 2019, segundo também o INE, os com contratos a prazo eram 718 mil, um total muito elevado tendo aumentado, entre 2013 e 2019, em 89,6 mil. Muito emprego criado neste período foi precário (por ex. na restauração e no turismo).
Neste momento todos pedem o apoio do Estado. Até Nicolau dos Santos, numa recente entrevista dada num canal de televisão defendeu a nacionalização da TAP para que o Estado suportasse os prejuízos acumulados e previsivelmente os desta empresa devido à crise no setor de aviação para que, depois de saneada à custa de fundos públicos, fosse privatizada de novo.
Mas os recursos de um Estado fortemente endividado como o nosso (ver estudo anterior) e de uma Segurança Social que paga pensões de miséria são limitados até porque esses meios financeiros dependem da atividade económica, e se esta se afundar as receitas de impostos diminuirão significativamente e os descontos para a Segurança Social também cairão com o fecho de empresas. E a capacidade do Estado e da Segurança Social para apoiar os trabalhadores e a economia diminuirá também significativamente. É preciso não esquecer que a economia depende do trabalho e da criatividade das pessoas e se eles ficarem em casa ela afundar-se-á.
É preciso ter a coragem de lembrar isso num momento difícil como é este, pois até falar disso parece ser uma heresia agora. Um enorme endividamento do Estado criará problemas graves no futuro porque a divida terá de ser paga com impostos pagos pelos portugueses. A medida insuficiente da Comissão Europeia, que demostra a falta de solidariedade da U.E., dos Estados poderem ter um défice superior a 3% sem serem “punidas” pela Comissão deixa o país, no entanto, se recorrer a empréstimos, nas mãos dos mercados, ou seja dos grandes grupos financeiros internacionais que poderão impor as taxas de juros que quiserem.
O que era necessário é que o BCE comprasse essa divida – os chamados EUROBONDS – a uma taxa de juro ZERO para não estrangular financeiramente o Estados e causar nova crise, e nova entrada de uma nova “troika” o que só pode agravar uma nova crise. E a experiência neste campo foi dolorosa para os portugueses. Para além do combate eficaz à epidemia, é preciso garantir que a economia funcione. E com as medidas anunciadas pela C.E. e também pelo governo, como vamos ver, se as empresas continuarem fechadas todos sofreremos. É preciso não esquecer isso e não ter ilusões e lutar com serenidade contra isso.
A queda previsível da riqueza anual criada no pais (PIB) e dos recursos do estado e o seu rápido endividamento devido a esta crise se o país ficar parado e em casa por muito tempo e as medidas insuficientes anunciadas pelo governo
Entre 2008 e 2013 (pico da crise) a riqueza criada anualmente no país (PIB), a preços constantes portanto deduzindo o efeito da subida de preços, diminuiu em 15.281 milhões € (passou de 193.448 milhões € para 1178.169 milhões €), ou seja em 8%. O investimento caiu drasticamente, pois o Consumo de Capital Fixo foi superior à Formação Bruta de Capital Fixo (ver nosso estudo anterior), o que destruiu uma parcela importante do aparelho produtivo nacional e fragilizou muito a economia.
A situação difícil em que se encontra o SNS com equipamento obsoletos, com falta de equipamentos, em que o número de camas é um dos mais baixos dos países da U.E, com falta de profissionais é um exemplo concreto do que sucede a nível do país em muitos setores.
Se a uma forte depressão económica atingir o nosso país, se existirem setores que colapsem devido ao prolongamento da crise e do Estado de emergência, é previsível que enfrentemos de novo uma situação muito mais grave do que a da crise de 2008 porque está associada a uma pandemia geradora de medo e pânico, sendo por isso os seus efeitos a nível económico provavelmente mais rápidos e devastadores. E é de prever também que a queda na riqueza criada no país (PIB) possa ser muito mais acentuada e mais rápida do que a verificada na crise de 2008 que atingiu -8% do PIB (- 13.870M€ a preços constantes), pois as medidas já anunciadas pelo governo são claramente insuficientes : uma linha de credito concedido às empresas pela banca de apenas 3.000 milhões € com garantias dadas pelo Estado cujas taxa de juros nem é conhecida e o adiamento do pagamento de 2/3 dos impostos e das contribuições para a Segurança Social (as que não utilizaram lay-off).
Para concluir que as medidas anunciadas pelo governo para apoiar as empresas são insuficiente basta ter presente que existem em Portugal 1.294.037 micro, pequenas e médias empresas (exclui as grandes empresas) segundo o INE, e dividindo os 3.000 milhões € por aquele total de empresas dá a cada empresa um credito, que teria depois de pagar com juros, de apenas 2.318 €. É ridículo e é evidente que a maioria das empresas não utilizarão tal linha de crédito e, mantendo-se fechadas, e o governo não proibir os despedimentos (só estão proibidas as que recorrerem à linha de crédito) vão despedir o máximo de trabalhadores que puderem. Mesmo o recurso ao “lay-off” em que os trabalhadores só têm direito a 66% do salário líquido, 30% pago pelas empresas e 70% pela Segurança Social vai ser muito difícil de utilizar pelas micro empresas cujo numero, segundo o INE, é de 1.0244.495, que empregam 1.832.029 pessoas (1,5 por empresa), sendo 873.309 trabalhadores remunerados (mesmo as que pedirem o “lay-off” para o poderem obter terão de provar quebra nas vendas de 40% nos últimos 60 dias).
Portanto é de prever que as empresas, mantendo-se fechadas e as pessoas em casa, portanto sem poderem obter receitas de vendas, os despedimentos multiplicar-se-ão até porque só estão proibidas de despedir aquelas que recorrerem à linha de crédito, o que pode ser um incentivo para a maioria a não recorrerem a ele, e assim despedir livremente. A hora da verdade para as empresas só chegará em abril, pois em março ainda poderão antecipar as férias e pagar em prestações o subsídio, mas se se mantiverem fechadas, e sem vendas muitas colapsarão.
Embora lutando contra a maré, e o politicamente correto, penso que os economistas têm o dever de alertar com verdade a opinião publica não ocultando as consequências graves de uma crise económica -financeira desta natureza e com a dimensão que pode atingir. Se o país parar e ficar em casa durante demasiado tempo ela será inevitável e será dura quer para as empresas quer para as pessoas que sofrerão as consequências da paralisação da economia.
É necessário que o governo e cada um de nós atue racional e equilibradamente, não se deixando condicionar pelo medo e pelo pânico que se espalhou por toda a sociedade causada pela informação desequilibrada dos media, caso contrário os efeitos a nível económico e financeiro serão desastrosos.
É necessário também que cada um de nós pense o que pode e deve fazer para manter em funcionamento a economia fundamental para a nossa sobrevivência. É urgente encontrar o equilíbrio entre a necessidade de defender a vida das pessoas e a necessidade de manter em funcionamento a economia, o que certamente envolve riscos que, no entanto, não podemos recusar, se quisermos sobreviver como nação E é importante que a comunicação social não fomente o medo e o pânico porque este também destrói a economia e a vida dos portugueses, mas que tenha um comportamento equilibrado e responsável.
O risco da crise ser aproveitado para eliminar direitos e aumentar a exploração dos trabalhadores
Em momentos como este, aproveitando o medo gerado pela crise, as forças dominantes do Capital procuram eliminar direitos dos trabalhadores (ex.: direito à greve), justificar despedimentos maciços, reduzir os salários aos trabalhadores, e exigir a multiplicação de apoios não reembolsáveis às empresas à custa do O.E. do Estado, ou seja, à custa de receitas obtidas com impostos cobrados aos portugueses, como aconteceu na crise anterior na banca. Tudo isto deverá acontecer nesta crise, se já não começou a aconteceu.
É importante estar atentos pois a chantagem nomeadamente dos grandes patrões que acabam por ser os que obtêm as ajudas do Estado (redução de impostos e das contribuições para a Segurança Social ou mesmo não pagamento, e a multiplicação de apoios, deixando assim o Estado sem recursos) vão ser certamente enormes.
É importante que o governo resista, e que fossem proibidos os despedimentos neste período de crise grave de saúde pública, e os sindicatos não fiquem passivos, denunciem os despedimentos selvagens e lutem contra eles, caso contrário, os direitos dos trabalhadores ficarão em risco, acentuar-se-á a exploração e as desigualdades já enormes, e a sustentabilidade da Segurança Social e do próprio Estado correrão riscos.
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