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Sábado, Maio 4, 2024

Morreu António Tavares, dirigente associativo angolano e activista por Timor

M. Azancot de Menezes
M. Azancot de Menezes
PhD em Educação / Universidade de Lisboa. Timor-Leste

No dia de Natal morreu em Luanda um dos meus melhores amigos de sempre. Aos 60 anos de idade, o infortúnio bateu à porta de António Tavares. Para mim morreu um irmão, um grande amigo, um camarada defensor dos direitos humanos e de causas humanitárias, sociais e políticas.

António da Conceição Tavares, natural de Luanda, nasceu a 14 de Março de 1963. No final da década de 80 viajou para Lisboa para frequentar a licenciatura em Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Após a conclusão do curso de graduação em 1992, decidindo prosseguir estudos, concluiu em 1995 o curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento Económico e Social no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) e um curso de língua e cultura espanhola na Escuela Democrática de Madrid.

Como estava a viver em Portugal, em contacto com os imigrantes africanos, com a comunidade cigana e com os refugiados de Timor-Leste fugidos da invasão Indonésia, António Tavares rapidamente se apercebeu dos imensos problemas que afligiam os imigrantes e as minorias étnicas tendo decidido abraçar o associativismo em defesa das causas dos mais pobres e vulneráveis.

 

Defensor dos imigrantes africanos residentes em Portugal

Em Lisboa, António Tavares fundou a SOS – Associação de Defesa dos Angolanos com o intuito de desenvolver políticas de integração das comunidades imigrantes e das minorias étnicas, tendo sido Presidente e membro da Direcção durante doze anos.

No final da década de 80, eu encontrava-me em Portugal para prosseguir estudos superiores. No âmbito das minhas actividades de cidadania aceitei ser membro do Conselho Municipal das Comunidades Imigrantes e das Minorias Étnicas da Câmara Municipal de Lisboa, em representação da Comunidade dos Refugiados de Timor, e também na Câmara Municipal da Amadora, em representação da Liga dos Amigos de Timor.

Esta circunstância de estar em Portugal envolvido em actividades associativas permitiu-me conhecer bem o saudoso António Tavares e acompanhar de perto todo o seu percurso e os valores que defendia em prol de associações de imigrantes.

Tenho na minha memória muitas acções e actividades realizadas por António Tavares com várias associações e entidades, nomeadamente com a Associação Unidos de Cabo Verde, dirigida na altura por Mário de Andrade (já falecido) e Maria João, com a Associação de Cabo Verde dirigida por Celeste Correia, com uma Associação de São Tomé e Príncipe, dirigida por Alberto Neto, com associações da Guiné-Bissau, com destaque para a Associação dirigida por Fernando Ká (já falecido), associações do Brasil e de Moçambique, entre tantas outras.

O trabalho de António Tavares implicou igualmente o envolvimento de associações portuguesas que apoiavam a sua luta, como o SOS Racismo, na altura dirigido por José Falcão, a Associação Olho Vivo, cuja Presidente era Flora Silva, a Frente Anti-Racista, cujo principal dirigente era António Correia e a Associação Moinho da Juventude para citar estas que me estão na memória.

No quadro deste movimento associativo, na busca da unidade entre todos os imigrantes e outras minorias, de forma sábia e estratégica, António Tavares organizou a criação da FACL – Federação das Associações da Comunidade Lusófona e venceu as eleições para ser o Representante das Associações das Comunidades Imigrantes na Comissão Nacional Extraordinária de Legalização de Imigrantes afecta ao Ministério da Administração Interna de Portugal, cargo que ocupou durante dez anos.

Em termos profissionais, ainda em Portugal, António Tavares foi Oficial de Justiça, tendo exercido funções na antiga 3ª Conservatória de Registo Civil durante três anos, no 28º Cartório Notarial de Lisboa durante cinco anos e na Conservatória do Registo Predial por um período de dez anos.

Posteriormente, atendendo ao seu estatuto luso-angolano, exerceu outras ocupações, como Deputado Municipal na Câmara de Lisboa, durante sete anos, Assessor do Secretário de Estado Adjunto do Ministério da Administração Interna, durante nove anos e Assessor da Vereadora da Acção Social da Câmara Municipal de Lisboa, com o pelouro das Comunidades Imigrantes e das Minorias Étnicas.

Enquanto Assessor e Deputado, António Tavares teve um papel decisivo no apoio às associações de imigrantes, em especial na atribuição de espaços físicos para a instalação das sedes da Associação Amigos do Pelundo, da Associação Amigos do Príncipe e da Associação de Defesa dos Angolanos, entre outras.

 

Activista por Timor-Leste e peticionário nas Nações Unidas

O meu querido amigo António Tavares, sempre incansável e solidário, disponibilizou-se para defender a causa de Timor-Leste.

Em Lisboa, enquanto activista por Timor-Leste, apoiou a organização de várias manifestações realizadas em Lisboa, no Rossio e na Praça do Comércio, para denunciar e condenar o massacre do Cemitério de Sta. Cruz em 12 de Novembro de 1991.

Em 1995 e em 1996 acompanhou-me a Nova Iorque e apresentou petições a favor da autodeterminação e independência do Povo de Timor-Leste no Conselho Económico das Nações Unidas, concretamente no Comité de Descolonização das Nações Unidas. No mesmo período, António Tavares também foi comigo a Washington, D.C. para sensibilizar políticos norte americanos para a causa de Timor-Leste.

António Tavares (Esqª) com observadores em Timor-Leste (Arquivo PST, 1999)

Como activista por Timor-Leste, em nome da Associação de Defesa dos Angolanos, António Tavares tomou uma série de posições públicas a favor da libertação de Avelino Coelho, actual Presidente do Partido Socialista de Timor (PST), quando esteve refugiado na Embaixada da Áustria em Jakarta durante mais de um ano, no final da década de 90. Uma das acções de grande importância foi ser um dos subscritores das cinco mil assinaturas entregues ao Embaixador Carlos Santos, no Escritório das Nações Unidas em Lisboa.

Na qualidade de Observador Internacional, a convite do Partido Socialista de Timor (PST), esteve presente no Referendo realizado em 30 de Agosto de 1999. Em Díli, após os ataques das milícias pró-indonésias, António Tavares foi perseguido pelas milícias, tendo conseguido escapar a muito custo com o apoio dos militantes do PST e de um australiano, evacuado para Darwin.

 

Sempre demonstrou o seu grau de elevada educação e humanismo

António Tavares

António Tavares, querendo fazer valer a sua experiência profissional granjeada em Portugal, nomeadamente na área do registo e notariado, em Luanda, foi consultor da Empresa Merap Consulting. Mais tarde, até Dezembro de 2021, foi Director Geral da Empresa Mindmap Consulting. Posteriormente desenvolveu actividades de carácter empresarial na área do Trading, Desenvolvimento de Tecnologias e no Registo e Notariado.

António Tavares, no dia 24 de Dezembro de 2023, quando se encontrava no aeroporto de Luanda para viajar para Portugal pois a família aguardava-o para celebrar o Natal, sentiu-se mal e foi levado para o hospital onde acabou por falecer, provavelmente vítima de um AVC hemorrágico.

Nas causas mais nobres, na defesa das comunidades imigrantes e das minorias étnicas, onde se incluía a comunidade timorense e a cigana residentes em Portugal, António Tavares fez-se sempre presente.

No seu trato com todas as pessoas, António Tavares sempre demonstrou o seu grau de elevada educação e humanismo.

A morte prematura de Antoninho, como era carinhosamente tratado pelos mais próximos, deixou muita tristeza, consternação, um vazio difícil de ser avaliado.

Registei mensagens de muita tristeza e consternação nas  redes sociais e foi-me solicitado pelo Presidente do PST que informasse a viúva e a família sobre o sentido de imensa tristeza em relação ao desaparecimento físico de António Tavares.

Grande amigo, irmão e camarada, decidiste partir. Resolvi escrever e partilhar o teu percurso de vida para que ele seja conhecido e respeitado, em Angola, em Portugal, em Timor-Leste, em outros lugares, por onde passaste e fizeste obra digna.

Com um nível de tristeza que só eu posso calcular, expresso as minhas mais sentidas condolências à viúva, Nelinha, minha querida amiga, aos filhos, Wilson e Rúben, e à restante família que conheci tão bem.

António Tavares, descansa em paz!

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