“Os gigantes do negócio petrolífero suiço fizeram de África a sua coutada, inundando o continente de carburantes poluentes, aproveitando-se das normas laxistas locais em matéria de qualidade do ambiente”, denuncia um relatório dessa ONG.
A acusação é forte mas bem documentada. Após uma longa investigação de 3 anos, a organização afirma ter testado 47 amostras de carburantes (25 de diesel e 22 de gasolina) vendidos pelas filiais das Vitol, Trafigura, Addax&Oryx e Lynx Energy, todas sediadas em Genebra. Estes produtos foram vendidos em oito países da África ocidental, desde o Senegal, a Norte, até à Zâmbia, a Sul.
1500 vezes a norma europeia
“Apresentam taxas de enxofre muito elevadas, algumas conformes às normas locais, mas escandalosas se comparadas às normas europeias: cerca de 1600 ppm (partes por millhão) para o carburante vendido sob a marca Puma (filial da Trafigura) em Angola, enquanto o limite legal na Europa é de 10 ppm” afirma-se no Relatório.
Para os autores do relatório, este comércio poluente é, de certa forma, legal pois as substâncias respeitam as normas africanas – mas «ilegítimas», pois consistem na venda de carburante da pior qualidade possível com vista ao máximo lucro. Além de que o ar poluído por este negócio se tornou um flagelo para os habitantes das grandes metrópoles africanas.
Derramamento das substâncias e as tecnologias de vendas devem cessar de imediato
Citado pela Public Eye, o director geral do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, Erik Solheim, considera «inaceitável fornecer carburantes inferiores aos países em desenvolvimento, dado o importante impacto sobre a saúde […]. O derramamento das substâncias e as técnicas de venda devem cessar de imediato.»
O império petrolífero suiço em África
Para além da mensagem moral, o relatório revela o modelo de negócio suíço em África. Em dez anos, sociedades como a Puma (filial da Trafigura) e a Vivo Energy (Vitol) tornaram-se vastos impérios petrolíferos que controlam a distribuição de gasolina em Marrocos e em Moçambique (onde a Vitol detém 100% do comércio) retirando importantes receitas – África garante mais de um quarto dos lucros da Trafigura, sublinha o relatório.
A Glencore, Gunvor ou Litasco, sediadas em Genebra, figuram entre os principais fornecedores de produtos petrolíferos em África, um mercado em franco crescimento. O carburante é o mais embarcado nos tankers na zona Anvers-Roterdão-Amsterdão, após ser misturado, muitas vezes nos navios, ao largo, para atingir a qualidade exigida pelos mercados de destino.
Esta técnica de «blending» é obrigatória para fabricar a gasolina, explicam os negociantes. A actividade de mistura é muito lucrativa e quem melhor o faz é o mais bem pago, afirma um profissional citado anonimamente no relatório.
Mas, segundo a Public Eye, o blending permite também, graças aos padrões laxistas praticados em África, revender substâncias poluentes e – ironia cruel – o petróleo africano é inicilmente de boa qualidade.
Mistura poluente
As misturas praticadas ao longo da cadeia de produção podem juntar ao carburante substâncias poluentes como o «pygas», um resíduo da indústria plástica. Esta substância foi encontrada, em Março de 2016, num carregamento em Amsterdão no «High Beam», fretado pela Mercuria.
A companhia genebrina afirma que o carburante em questão correspondia às especificações dos seus clientes, às normas legais em vigor no local de destino (provavelmente a Nigéria) e que tinha sido inspeccionada por uma sociedade de certificação.
A Vitol e a Trafigura/Puma, afirmam respeitar as normas legais dos países africanos e prometem adaptar-se a futuras normas em matéria de poluição ambiente.
“É absurdo sugerir que temos um interesse qualquer, em manter, em África, os limites de enxofre mais elevados do que deveriam ser” sublinha a Puma na sua resposta à ONG.
Atraso africano
Os negociantes consideram que o relatório da Public Eye é “orientado”, baseado em estereotipos negativos sobre a sua indústria, reflectindo uma certa ignorância sobre os processos complexos que regem os mercados petrolíferos, como escreveu a Vitol numa tomada de posição enviada à ONG.
A Addax&Oryx respondeu com mais detalhe às questões levantadas pela Public Eye. «Os produtos petrolíferos são naturalmente ricos em enxofre e só recentemente os investimentos massivos nas refinarias (nos países desenvolvidos) permitiram reduzir o teor de enxofre dos carburantes», refere a sociedade.
Neste aspecto, África está atrasada, mas recupera lentamente em matéria de normas de qualidade ambiental, acrescenta a empresa, que considera esta tendência «muito positiva».
Fonte: Relatório da ONG Public Eye