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Quarta-feira, Abril 24, 2024

O acordo Bangladesh-Birmânia sobre os Rohingya

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Aung San Suu Kyi – a líder histórica da oposição birmanesa (Myanmar) e actualmente ‘conselheira de Estado’ uma posição semelhante à de Primeiro-Ministro na orgânica birmanesa – e o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Bangladesh, Abul Hassan Mahmood Ali, assinaram dia 23 em Naypyitaw (a capital birmanesa), um acordo para a repatriação de refugiados ‘Rohingya’.
No dia anterior, o chefe da diplomacia americana tinha classificado oficialmente a operação militar que no Verão desencadeou a fuga dos ‘Rohingya’ como limpeza étnica, posição acerbamente criticada pelo Embaixador da Rússia em Naypyitaw. No mesmo dia em que os EUA produziam a declaração, o comandante em chefe das forças armadas de Myanmar, o general Min Aung Hlaing, era recebido em Pequim, com declarações públicas sobre a necessidade de reforçar os laços entre os dois exércitos e um sepulcral silêncio sobre a limpeza étnica ou o acordo prestes a ser concluído entre o Bangladesh e Myanmar.

Qualquer solução para a situação tem que contar com um esforço continuado de diálogo entre comunidades, etnias e religiões, tanto em Arakan como em Chitagong, e, sobretudo, conseguir vencer a pressão das potências exteriores que querem manipular o confronto. O apoio humanitário às populações perseguidas, a sua defesa no regresso e o isolamento dos jihadistas que querem fazer das populações civis carne para canhão das suas guerras é o grande desafio.

É duvidoso que o acordo possa resultar no regresso da maior parte dos refugiados às suas aldeias, ou mesmo no primeiro passo para uma resolução de um longo problema, e isto por várias razões.

  1. Em Myanmar, o poder está principalmente nos militares, e está absolutamente nos militares em matéria de defesa e segurança interna;
  1. O Estado de Arakan foi historicamente palco de inúmeros confrontos entre os poderes vizinhos, nomeadamente indianos e birmaneses, com grandes massacres e movimentos demográficos. As perseguições étnicas e fugas da população Rohingya da Birmânia para o Bangladesh, como de resto as perseguições étnicas e fuga dos Jumma e dos Chakma em sentido inverso têm sido constantes ao longo das últimas décadas, embora com a ascensão ao poder de um governo laico no Bangladesh a situação destas populações não muçulmanas tenha melhorado substancialmente neste último país.
  1. Os Rohingya são um produto étnico complexo, fruto de vários movimentos demográficos (inclusivamente, compreendendo, aparentemente, os descendentes de portugueses que tiveram uma significativa presença nas zonas costeiras de Arakan e em Cox Bazar, hoje em dia no Bangladesh). Embora haja uma pequena minoria hindu, a sua esmagadora maioria é muçulmana, e o principal movimento armado Rohingya é jihadista utilizando formas extremas de violência.

Limpeza étnica dos Rohingya

A limpeza étnica dos Rohingya ocupou a maior parte do noticiário humanitário desde Agosto até agora, falando-se permanentemente de ‘Islamofobia’ e culpando-se Aung Suu Kyi por tudo o que de negativo aconteceu, pondo-se de lado a responsabilidade primeira dos militares birmaneses e do incondicional apoio internacional de que desfrutam, enquanto o acordo entre o Bangladesh e a Birmânia passou quase desapercebido.

Sem surpresas, constatamos que a República Islâmica do Irão foi a principal manipuladora da tragédia dos Rohingya. As forças iranianas (à frente de grupos armados vindos de vários países, em aliança com a Rússia, com o Presidente Assad e várias milícias sírias) puderam assim continuar as operações militares que levaram à fuga e à morte de um número muito maior de seres humanos (e por sinal, esmagadoramente muçulmanos) perante a indiferença quase geral da opinião pública internacional.

Mas é também forçoso notar que passou quase despercebido o apoio diplomático e não só dado pela Rússia e pela China ao exército birmanês como a principal razão pela qual ele se sentiu à vontade para levar a cabo uma política de limpeza étnica.

Em vez de pedir responsabilidades aos militares birmaneses no poder, a opinião pública entreteu-se a fazer de Aung Suu Kyi o exclusivo bombo da festa, errando o essencial da pontaria e contribuindo, na prática, para o reforço da margem de manobra dos militares birmaneses. Os EUA foram atrás dos acontecimentos, com uma apreciável falta de capacidade de intervir na guerra da informação internacional.

Onde existem ódios históricos fundados por vezes mais em percepções do que em realidades objectivas bem como quem queira instrumentalizar essas situações, a opinião pública torna-se presa fácil da manipulação de potências internacionais.

O que precisamos urgentemente é de uma concertação internacional que proscreva a limpeza étnica e o genocídio, na Birmânia como na Síria como em qualquer outra parte do mundo.

 

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