Para as gerações mais jovens, IRS, IRC e IVA – os três grandes impostos gerais – fazem parte de uma realidade cujos contornos se vão alterando anualmente aquando da votação das Leis do Orçamento, com comentários mais ou menos doutos de “fiscalistas” (geralmente juristas, com alguns economistas) anunciando-se por vezes verdadeiras reformas fiscais, sustadas ou invertidas sob os governos seguintes.
O sistema fiscal português não se formou num só dia
Para as gerações mais jovens, IRS, IRC e IVA – os três grandes impostos gerais – fazem parte de uma realidade cujos contornos se vão alterando anualmente aquando da votação das Leis do Orçamento, com comentários mais ou menos doutos de “fiscalistas” (geralmente juristas, com alguns economistas) anunciando-se por vezes verdadeiras reformas fiscais, sustadas ou invertidas sob os governos seguintes.
Pertencendo à geração que nasceu nos anos 1950, só tomei recentemente consciência de que durante a minha infância e adolescência funcionaram duas comissões visando objectivos relacionados com legislação fiscal, depois fundidas numa única comissão de reforma fiscal presidida pelo Professor Teixeira Ribeiro, cujas propostas contribuíram para um vasto conjunto de medidas publicadas em meados dos anos 1960, que nos deixaram com um sistema de impostos sobre o rendimento de carácter “cedular” corrigido por um imposto complementar, e um imposto unifásico sobre a despesa – o imposto de transacções cobrado de modo geral a nível do grossista, coexistente com a tributação de consumos específicos através de impostos especiais. Curiosamente a melhor introdução ao funcionamento da Economia que tive nos liceus acabou por ser a apresentação desses impostos no livro de Martins Afonso relativo a Organização Política e Administrativa da Nação. O imposto sobre indústria agrícola veio a ficar suspenso por força dos interesses que afectava, com o protesto do Professor de Coimbra. Mais tarde, quando leccionei Finanças Públicas, vim a perceber que a articulação com os impostos municipais não existia, e que por exemplo com a Contribuição Industrial, receita do Estado, chegaram a coexistir um Imposto sobre o Comércio e Indústria, receita municipal, um adicional sobre a Contribuição Industrial, a favor dos municípios, um adicional sobre o Imposto de Comércio e Indústria receita do Estado e derramas municipais. Uma “espetada” de impostos que me deixou uma aversão intelectual às medidas fiscais avulsas e alegadamente temporárias.
Parte da minha vida activa decorreu sob a teoria de constituição fiscal definida em 1976 que, como em relação a outros sectores, foi sendo “amenizada” mas não deixou de prever um imposto único sobre o rendimento pessoal, e sob a prática de reforma fiscal dos anos 1960. Segundo julgo tanto esta constituição fiscal como a criação pela Reforma Fiscal de 1988 do Imposto Único sobre o Rendimento (IRS/IRC), articulados, reflectiam ainda o pensamento de Teixeira Ribeiro, com uma entorse representada pela criação da então denominada Contribuição Autárquica, embora as sucessivas alterações introduzidas em trinta anos prejudiquem a reconstituição da intenção original do sistema. Nada como reler as lições académicas das épocas em que as soluções ainda estavam longe de estabilizadas, e no caso que interessa ao presente artigo, as Finanças (de harmonia com as prelecções ao 3º ano jurídico de 1970-1971, pelo Professor Doutor Teixeira Ribeiro, dactilografado por João Abrantes), Coimbra, 1971 e as Lições de Finanças Públicas, Coimbra Editora, 1977, que conservo com carinho na minha biblioteca, apesar de “datadas”, aliás o autor sempre escreveu de forma muito acessível aos estudantes de economia.
Tributação das mais valias ou das transacções onerosas de imóveis?
As “Lições” distinguem rendimento – produto, correspondente no essencial a rendimentos pagos a factores, e rendimento – acréscimo, onde se enquadrariam tanto transmissões de bens a título gratuito, usualmente tributados em imposto sucessório, e mais-valias realizadas evidenciadas por transmissões de bens a título oneroso, em que Teixeira Ribeiro explica que só através de presunções se pode determinar se o contribuinte previu ou não a valorização dos bens… Pessoalmente entendo que o rendimento – produto não deveria ser tributado para as pessoas singulares, por mais que tal dê jeito ao fisco, com base em valores anuais mas sim com base em valores médios, e sobretudo, que é uma violência tributar as mais valias adicionando o seu valor ao rendimento – produto do ano de realização. Se formos ver hoje o Código do IRS encontramos aliás toda uma série de factos que são enquadrados como mais-valias – e não só a venda de bens imóveis – mas cuja inclusão envolve também toda uma série de previsões relativas a não sujeição tributária em caso de reinvestimento dentro de determinados prazos, à consideração de menos – valias e a correcção monetária. Do mesmo modo os investidores institucionais têm usufruído de isenções em sede de IRC.
Neste contexto entendo que têm cabimento numa eventual alteração ao Código do IRS as propostas do BE e de Rui Rio no sentido de tratar de forma diferenciada as mais-valias imobiliárias em função do tempo de detenção dos imóveis. Mais as de Rui Rio, que vão no sentido de um desagravamento permanente, do que as do BE, na medida em que o tratamento actual já é gravoso quanto baste, e um agravamento para fazer face a pressões especulativas não poderia deixar de ser revertido quando estas se atenuassem. E a diferenciação poderia ser feita através de taxas, não de taxas-tipo de receita, mas de taxas do imposto. Por muito que alguns comentadores simulem desconhecer o facto, no Código do IRS para além do sistema de taxas gerais aplicadas segundo os escalões de rendimento, existem taxas liberatórias (artigo 71º), taxas especiais (artigo 72º), taxas de tributação autónoma (73º), parecendo-me que estariam aqui em causa taxas especiais, cuja introdução não iria tornar muito mais complicada a administração do imposto, que tem resistido a coisas piores.
Vem-se falando também de uma alternativa que seria o agravamento das taxas do Imposto sobre Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT), quando o último vendedor não o retivesse um período mínimo no seu património, possivelmente com a precaução de o fazer sob a forma de adicional consignado a uma qualquer finalidade “nobre”, à semelhança do AIMI, e quem sabe, restringindo a sua aplicação a concelhos ou freguesias mais atingidos pela chamada especulação imobiliária. Seria também um imposto de relativamente fácil administração e cuja introdução seria facilmente reversível, não me parecendo justificado negar a sua eficácia com o argumento de que seria pago pelo comprador. Na realidade, apesar de a repercussão legal incidir sobre o comprador, a repercussão económica far-se-ia sentir, ceteris paribus, sobre o vendedor.
Também tem sido dito que os impostos se destinam essencialmente a cobrir encargos públicos ou a fazer redistribuição, mas aqui remeto também para a parte das lições de Teixeira Ribeiro em que este fala de impostos com finalidade extra-fiscal.
Note-se que não estou a dizer que precisemos de modificar as taxas de IRS ou de IMT para moderar a especulação imobiliária, limito-me a rebater alguma da argumentação que tenho visto vir a público.
O nome da coisa
Em artigo publicado no Jornal Tornado de 15 de Agosto de 2018 (Lisboa, para além do caso Robles) tive ocasião de me referir a um divertido artigo de Vera Gouveia Barros sobre a alegada especulação imobiliária . Tendo presente o que aí foi dito, recuso o nome de imposto / taxa Robles ou Riobles para a “coisa” em gestação.
O que está em causa aqui não é uma operação imobiliária complexa do tipo que Robles, engenheiro civil conhecedor da cidade e do mercado imobiliário, gizou para um prédio em Alfama mas em geral toda e qualquer pequena ou média operação como seja a aquisição, por valores modestos, de uma casa na zona do Rato, para, ao que foi dito, o comprador alojar um sobrinho, casa essa que sofreu beneficiações e foi depois vendida em tempo “record” com declaração da mais valia para efeitos de IRS. Vera Gouveia Barros considera-a um exemplo educativo e pelo que vejo o protagonista António Costa é hostil a que operações deste tipo passem a ser especialmente tributadas.
Falemos então de “Taxa Costa”, que o dito Costa, ao que se sabe, não irá deixar passar.
Articulação levada ao ponto de a taxa do IRS no último escalão e a taxa do IRC inicialmente se corresponderem,, tendo a evolução legislativa fiscal e não fiscal alterado completamente a filosofia subjacente.
Designadamente com a conversão de muitos dos “abatimentos” em “deduções” e com a recusa recente de repercutir os desagravamentos dos rendimentos dos dois primeiros escalões do IRS na tributação de quem atinja escalões mais elevados.
No Governo Durão Barroso / Manuela Ferreira Leite, veio a ser aprovada uma reforma dos impostos sobre o património, preparada sob o segundo Governo Guterres por Rogério Fernandes Ferreira criando-se o IMI e o IMT e extinguindo-se a Contribuição Autárquica e o Imposto sobre Sucessões e Doações.
António Bagão Félix, “Imposto Riobles à pressão”, Público, 21 de Setembro de 2018.
Os exemplos educativos de Robles e Costa”, ECO, 3 de Agosto de 2018.
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