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Segunda-feira, Abril 22, 2024

O que diz o Direito sobre abstenção, votos nulos e em branco

Ivo Miguel Barroso 1461676_645716645479287_1992782661_nAbstenção, votos nulos e em branco: o que o Direito diz sobre estes assuntos

  1. A abstenção implica um protesto que favorece os Partidos mais votados; deixa que uma minoria decida pela maioria.

Votar é um direito, mas também um dever cívico (art. 49/2 da Constituição da República Portuguesa (CRP)).

  1. Os votos nulos ou em branco não são nada convenientes, pois são inutilizados pela Lei Eleitoral para a AR (e para as restantes eleições).

Os votos em branco e nulos são à partida separados dos restantes votos[1].

Ou seja, o voto nulo e o voto em branco nem sequer são englobados na percentagem global dos 100%; eles não contam para eleger ou para impedir a eleição de nenhum Candidato: 1) o voto nulo não elege ninguém — não ficam cadeiras vazias no Parlamento; 2) o voto em branco não impede a eleição de ninguém[2].

  1. O voto de cada cidadão representa a opção por um programa político global.

Dever-se-á ter em conta os Programas eleitorais, balancear as vantagens e desvantagens dos Partidos seleccionados; fazer um juízo comparativo e global sobre os Programas; os Candidatos por cada Círculo Eleitoral. Na sequência dessa deliberação, será tomada a decisão de votar no Partido ou Lista que seja mais adequado.

  1. O Governo não é “eleito”, mas sim nomeado pelo Presidente da República (PR) (art. 187/1 e 2, da CRP). As eleições servem para eleger Deputados à Assembleia da República (AR).

Não existem “candidatos a Primeiro-Ministro”, do ponto de vista jurídico-constitucional[3].

Desde logo, não há um círculo eleitoral nacional criado por lei. Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais[4]. Cada eleitor vota num círculo eleitoral em que se encontra recenseado.

As eleições legislativas servem o objectivo de eleger Deputados.

[1] Veja-se o art. 102.º, n.º 1, da Lei Eleitoral da AR, a respeito da “Contagem dos votos”:

“1 — Um dos escrutinadores desdobra os boletins, um a um, e anuncia em voz alta qual a lista votada. O outro escrutinador regista numa folha branca ou, de preferência, num quadro bem visível, e separadamente, os votos atribuídos a cada lista, os votos em branco e os votos nulos.”

O art. 103.º regula o destino dos boletins de voto nulos: “Os boletins de voto nulos (…) são, depois de rubricados, remetidos à assembleia de apuramento geral, com os documentos que lhes digam respeito.” (v. IVO MIGUEL BARROSO, O sentido do voto em eleições legislativas, in Público, http://www.publico.pt/politica/noticia/o-sentido-do-voto-em-eleicoes-parlamentares-1635335?page=-1).

[2] Veja-se o art. 16.º da Lei Eleitoral para a AR: “A conversão dos votos em mandatos faz-se de acordo com o método de representação proporcional de Hondt, obedecendo às seguintes regras:

  1. a) Apura-se em separado o número de votos recebidos por cada lista no círculo eleitoral respectivo.”

[3] Voltaremos a este ponto.

[4] Artigo 149.º, n.º (= número) 1, 1.ª parte, da Constituição da República Portuguesa (CRP).


Deve o sistema eleitoral para a Assembleia da República ser revisto?

 O nosso sistema eleitoral para as eleições legislativas encontra-se dividido em circunscrições eleitorais. Os mandatos são atribuídos segundo o sistema de representação proporcional, segundo o método da média mais alta de Hondt[1].

Nos sistemas de representação proporcional, sucede com frequência que os cabeças-de-listas, nem tão-pouco os restantes Candidatos, sejam conhecidos por parte substancial do Eleitorado[2], registando-se um afastamento entre os Candidatos das Listas e os eleitores.

  1. De jure condendo”, cremos que é de repensar seriamente o sistema de divisão em circunscrições eleitorais e ponderar um círculo nacional único (na Constituição de 1933, até à Revisão de 1945, existiu um círculo único, mas com representação maioritária) ou, pelo menos, um círculo nacional de compensação.

Com efeito, de pouco serve que os Deputados sejam eleitos por Círculos eleitorais, e que, uma vez na AR, não representem os Círculos pelos quais foram eleitos (artigo 152.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP)): “Os Deputados representam todo o país e não os círculos por que são eleitos”).

Deste modo, os Partidos amiúde apresentam, como Candidatos a Deputados, cidadãos que não têm qualquer ligação com os círculos pelos quais são eleitos (são os chamados “Deputados pára-quedistas”).

Por outro lado, a existência de um Círculo nacional – tal como existe nas eleições europeias e na eleição presidencial – seria mais adequado para reflectir a vontade do Eleitorado.

O sistema eleitoral português, decorrente da Lei n.º 14/79, “acaba por ser, dentro dos sistemas da Europa Ocidental, o que menos escolhas oferece ao eleitor, na medida em que o voto é atribuído a listas fechadas e bloqueadas, prévia e exclusivamente elaboradas pelos partidos políticos. Fechando a porta a elementos de personalização do sistema (…)[3].

Com efeito, um Eleitor de Lisboa ou do Porto é muito mais livre e senhor da sua vontade do que um Eleitor de Portalegre (2 Deputados) ou Viseu (3 Deputados): o primeiro tem a possibilidade de votar e de eleger Deputados; ao passo que, nos Círculos pequenos, os votos se perdem.

De resto, e apesar da proibição expressa das chamadas “cláusulas-barreira” (v. artigo 152.º, n.º 1, da CRP), “o número muito baixo de Deputados a eleger em certos círculos eleitorais acaba por funcionar como uma cláusula-barreira implícita, tornando-se considerável a percentagem de votos para eleger aí um Deputado[4]. Ora, “é da máxima urgência a superação deste grave entorse à proporcionalidade[5].

Por estas razões, até devido ao fenómeno sociológico dos “Candidatos a Primeiro-Ministro”, cremos que um modelo possível a considerar seria o da existência de um Círculo Eleitoral nacional, único (o que exigiria revisão constitucional, no sentido de alterar o artigo 149.º, n.º 1, da CRP, fruto da Revisão Constitucional de 1989) ou complementar[6].

Portugal tem um território relativamente pequeno.

  1. Por outro lado, cremos que se justifica rever o monopólio de candidaturas dos Partidos políticos à Assembleia da República.

Tal já não se adapta à prática institucional e ao descrédito dos Partidos.

Porém, tal exige revisão constitucional, aprovada por 2/3 dos Deputados em efectividade de funções na AR (154).

  1. Já quanto à introdução de círculos uninominais, que são permitidos pelo art. 149/2 da CRP, discordamos, uma vez que contrariam o sistema de representação proporcional e não têm tradição no sistema português.
  2. Discordamos também frontalmente da proposta de redução do n.º de Deputados à AR.

Na Revisão Constitucional de 1997, a Constituição reenvia para a lei ordinária o n.º de Deputados à AR: varia entre 180 e 230. Trata-se de um intervalo bastante longo.

O PS tem-se oposto – a nosso ver, correctamente – à diminuição do n.º de Deputados.

Para além de roçar a inconstitucionalidade, por violação de um limite material de revisão constitucional, esta diminuição provocaria entorses ao sistema de representação proporcional, pois este só funciona, se houver uma pluralidade de Deputados, a distribuir por cada Círculo eleitoral (ou Círculo nacional).

Caso o n.º de Deputados diminuísse, a eleição por parte de pequenos Partidos tornar-se-ia bem mais difícil.

A nosso ver, pois, é preferível manter os 230 Deputados (a Assembleia Constituinte tinha 250) e cortar as despesas nos gabinetes dos membros do Governo e da Administração Pública directa e indirecta.

     [1] Este foi o sistema adoptado para a eleição da Assembleia Constituinte: procurou-se reflectir da forma mais fiel possível as opções do Eleitorado e, simultaneamente, reforçar o papel dos partidos, como forma de travar tentações “caciquistas” – cfr. Relatório do Projecto de Lei Eleitoral para a Assembleia Constituinte, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 241, pp. 5 ss., apud PEDRO DELGADO ALVES, O “meu” Deputado — Personalização e proporcionalidade na eleição da Assembleia da República, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Volume XLIV – ns. 1 e 2, Coimbra Editora, 2003, pg. 375 (nota 34).

O sistema de representação proporcional, segundo a método da média mais alta de Hondt, que “é, de todos os principais sub-sistemas proporcionais, aquele que mais favorece as maiorias e prejudica as minorias, ou seja, o menos proporcional de todos os sistemas proporcionais” (PEDRO DELGADO ALVES, O “meu” Deputado — Personalização e proporcionalidade na eleição da Assembleia da República, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pgs. 379-380)

[2] Cfr. o diagnóstico e as propostas em PEDRO DELGADO ALVES, O “meu” Deputado — Personalização e proporcionalidade na eleição da Assembleia da República, pgs. 361-412, 387 ss., 409.

[3] PEDRO DELGADO ALVES, O “meu” Deputado — Personalização e proporcionalidade na eleição da Assembleia da República, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Volume XLIV – ns. 1 e 2, Coimbra Editora, 2003, pg. 376.

[4] PEDRO DELGADO ALVES, O “meu” Deputado — Personalização e proporcionalidade na eleição da Assembleia da República, pg. 383.

[5] PEDRO DELGADO ALVES, O “meu” Deputado — Personalização e proporcionalidade na eleição da Assembleia da República, pg. 384.

[6] Há vários tipos deste modelo; no Projecto de Código Eleitoral de 1987, fruto de uma Comissão presidida pelo Professor JORGE MIRANDA, houve duas propostas alternativas: i) uma, criando um círculo nacional de 66 Deputados e repartindo os restantes 180 Deputados por círculos parciais; ii) outra, inspirada no sistema eleitoral alemão, que criava um círculo nacional de 123 mandatos e dividia o País em 123 círculos uninominais de candidatura, instituindo o modelo de duplo voto.

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3 COMENTÁRIOS

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