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João de Sousa

Quinta-feira, Março 28, 2024

Os tratados comerciais e o clima

Na cimeira de Paris COP 21, muitos líderes mundiais vieram fazer líricos discursos sobre a limitação dos gases com efeito de estufa, da temperatura global, etc. Independentemente de diversas associações de cientistas já terem declarado que as metas de Paris não são, de modo nenhum, suficientes para parar a degradação climática, o facto que parece relevante é que os mesmos que defendiam em Paris metas ambiciosas para jornalista ver, são os mesmos que, à porta fechada, prosseguiam negociações para impor tratados comerciais como o TTIP, CETA ou o TISA que visam entregar às grandes companhias um alargado conjunto de direitos e privilégios sem qualquer responsabilização, ao mesmo tempo que implantam mecanismos para impedir os governos de defender o interesse público, o ambiente, a justiça, o clima ou as reformas da sociedade.

O CETA é o exemplo acabado de tudo o que se disse. Um dos principais princípios da lei europeia é o da precaução, que o tratado nem sequer menciona. É verdade que inclui capítulos sobre os padrões sociais, ambientais e laborais, mas nada prevê para os implementar de facto. O próprio desenvolvimento sustentável permanece uma alusão sem conteúdo prático, dado não conter mecanismos vinculativos.

Os objectivos de reduzir a utilização de combustíveis fósseis para a produção de eletricidade, reduzir práticas agrícolas destrutivas e distância de transporte, apostando em ciclos económicos regionais, são completamente inviabilizados pelo CETA e pelos outros tratados corporativos, uma vez que visam promover o comércio, sem qualquer consideração pelas consequências ambientais.

O Art.8.1 do CETA especifica que a concessão, pesquisa, extracção e exploração de recursos naturais estão abrangidos pelo conceito de investimento e pela arbitrariação (ICS), ou seja, nenhum governo se arriscará a restringir essas operações, temendo as pesadas indemnizações que daí possam resultar.

Compreende-se que um pacto que visa atribuir às grandes companhias poderes superiores aos dos próprios governos democraticamente eleitos, tem necessariamente de ter um efeito devastador sobre o ambiente e o clima, até porque, à luz do acordo, as companhias não podem ser responsabilizadas pelos desmandos que perpetrarem contra o ambiente, a saúde pública, as normas laborais, etc.

E isso já está a acontecer, antes mesmo de o CETA entrar em vigor.

Por influência dos poderosos lobbies da indústria dos combustíveis fósseis, a directiva europeia sobre a melhoria da qualidade dos combustíveis foi diluída para acomodar o petróleo “sujo” do Canadá, obtido das areias de xisto.

Trata-se de um combustível bastante mais poluente que o petróleo convencional e que essa directiva iria excluir, se fosse aprovada. Assim, as primeiras remessas desse combustível já estão a chegar à Europa.

Diversos estudos demonstram que o CETA virá necessariamente potenciar a prospecção, produção e queima de combustíveis fósseis, pondo claramente em causa os objectivos da COP 21. É, aliás, consensual entre a comunidade científica que, se queremos parar a degradação climática, então 80% dos combustíveis fósseis terão de permanecer no subsolo.

Diversos relatórios como “The Truth About Climate Ghange” ou “Oil Change International afirmam claramente que as metas de Paris não permitem sequer chegar perto de reduzir a temperatura global e que não há espaço para mais projectos de energias fósseis. Mas parece que a Comissão Europeia e o respectivo Conselho de Ministros não estão nada preocupados com o assunto.

Para vermos como se trata afinal de uma clara opção político-económica, se os gigantescos subsídios que os governos de todo o mundo (com destaque para os EUA e Canadá) concedem às petroquímicas fossem aplicados ao desenvolvimento de energias limpas, enormes progressos poderiam já ter sido feitos e muitas centenas de milhar de empregos duradouros seriam criados, assegurando um futuro muito mais sustentável. Infelizmente, certas elites continuam a apostar nas energias do passado.

Provando como a UE é um sistema ao serviço dos grandes lobbies corporativos, a Comissão Europeia tomou a iniciativa de propor que algumas das obrigações ambientais que as companhias petrolíferas tinham de respeitar, passassem de obrigatórias a facultativas.

Ainda outra directiva – são apenas exemplos-, esta a respeito dos pesticidas e químicos perigosos, foi igualmente atenuada para não prejudicar as companhias canadianas e americanas que têm normas muito menos exigentes e permitem a comercialização de muitas dezenas de produtos proibidos na Europa (por enquanto).

José Oliveira, activista da Plataforma Não aos Tratados Transatlânticos
As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

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