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Sexta-feira, Março 29, 2024

Macron no Eliseu

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Continuidade em FrançaConfirmando o seu estatuto de grande comunicador, o Presidente Emmanuel Macron substituiu a tradicional limusina civil por um jeep militar camuflado de caixa aberta na sua marcha inaugural pelos Campos Elísios.

Não se esqueceu, ao passar pelo local onde se desenrolou o último ataque jihadista, de honrar o polícia assassinado, e complementou este gesto com uma visita posterior, dada como ‘pessoal’, a soldados feridos em operações no Mali e Afeganistão acamados num hospital militar. Segundo o jornal Guardian (2017-05-15), a equipa presidencial fez saber a ‘profunda empatia’ do presidente para com ‘os representantes nacionais que se batem pela liberdade’.

Macron mostrou assim a sua determinação em manter o compromisso do seu antecessor com a luta pela liberdade, sem dar qualquer sinal de cedência à pressão fanática. Enquanto líder do maior poder militar na Europa, a mensagem de Macron tem um peso significativo e tranquilizou todos os que viam com desconforto as suas declarações de campanha, quiçá irresolutas no que toca ao combate ao jihadismo. 

O domínio da Defesa ultrapassa largamente a componente estritamente militar, e Macron ainda tem de provar a sua capacidade de compreender os desafios colocados pelo vasto leque de ameaças totalitárias, embora seja verdade que a recusa em baixar as armas militares é condição necessária a enfrentar esses desafios.

Seguindo os preceitos constitucionais franceses, as eleições legislativas sucedem-se às presidenciais. Estas estão agendadas para 11 e 18 de Julho próximos, sendo que o governo agora nomeado pode ser visto como mero ‘governo de combate eleitoral’, em todo o caso sem segurança de confirmação após o escrutínio parlamentar.

Os ministros do Presidente Macron

A lógica das nomeações governamentais de Macron parece reflectir a da sua campanha centrista, qualificada como ‘nem de direita nem de esquerda’, tendo sido nomeados políticos centristas ou moderados oriundos de ambos os campos políticos. A aposta parece ser a de conquistar o eleitorado tradicional dos partidos estabelecidos de forma a dar força e confiança ao movimento presidencial e assim aumentar as hipóteses de obter maioria nas eleições parlamentares.

A nomeação do Ministro da Defesa do Presidente François Hollande, o socialista Jean Yves le Drian, para ministro da Europa e Negócios Estrangeiros confirma o sentido de continuidade neste domínio; por sua vez a nova Ministra da Defesa, a centrista e membro do Parlamento Europeu Sylvie Goulard, é uma convicta europeísta.

O Primeiro-ministro, Edouard Phillipe, é um eis socialista e um conhecido moderado no sei do Partido Republicano. Tal como o primeiro Primeiro-ministro nomeado por Hollande, também Phillipe domina a língua alemã e possui laços próximos com o vizinho germânico.

Se os primeiros gestos públicos do presidente sublinharam o seu empenho em relação às forças armadas, a segunda acção oficial relevante foi uma vista à Chanceler Merkel.

O eixo Franco-Alemão

Desde os primeiros passos da construção europeia – o 9 de Maio, dia da Europa, assinala a data de uma declaração de convite à constituição da primeira Comunidade Europeia dirigida às autoridades alemãs pelo Ministro de Negócios Estrangeiros Francês, Robert Schuman, em 1950 – a diplomacia francesa tem estado obcecada pela preservação do ‘eixo Franco-Alemão’.

Entre 1870 e 1945, a França e a Alemanha travaram três guerras de grande dimensão e hoje a elite francesa está convencida de que o eixo acima referido, estabelecido com base na paridade dos dois principais fundadores Europeus, é a garantia de uma paz sólida e duradoura.

Enquanto a Alemanha reemergiu rapidamente como motor industrial e financeiro da Europa pós-Segunda Guerra, a França tornou-se o principal pilar no domínio da Defesa. A França foi também durante muito tempo a capital cultural da Europa, permanecendo a cultura até hoje como que um seu símbolo emblemático; o país pensou ainda durante bastante tempo que o vigor do seu sector agrícola constituiria uma vantagem económica importante.

E no entanto desde a reunificação alemã, senão mesmo há mais tempo, que se tornou claro para os observadores externos que o ‘eixo Franco-Alemão’ é uma ilusão. A Alemanha tem uma posição económica dominante, especialmente nas esferas industrial, monetária e financeira, sendo que os únicos domínios nos quais a França se destaca, como por exemplo a dissuasão nuclear, não são suficientes para equilibrar os dois países.

A ficção do ‘eixo’ levou a França a seguir decisões alemãs fazendo de contas que se tratava de decisões comuns. Para manter as aparências, o corpo diplomático francês tem menosprezado sistematicamente a sua capacidade autónoma de influência sobre os rumos da Europa, e isto em detrimento tanto dos seus interesses nacionais com dos da construção Europeia em geral.

E a Europa com Macron

Esta orientação diplomática tem sobrevivido incólume a todas as convulsões da política francesa, tendo sido assumida integralmente por Emmanuel Macron que, muito criticado pela sua falta de firmeza europeia, nomeadamente por Le Pen, que o caracterizou como caniche de Merkel, prometeu promover a ‘Reforma da Europa’.

A ‘Reforma da Europa’ é uma expressão bastante ambivalente, interpretada de formas antagónicas por diferentes actores europeus. Enquanto uns entendem por reforma uma aposta central no crescimento, desenvolvimento, simplificação, meio ambiente, coesão e democracia, outros interpretam-na como aplicação da agenda ‘ordo-liberal’ alemã, caracterizada por austeridade nas finanças públicas e liberdade empresarial a ser introduzida nos Tratados Europeus.

A maioria da elite federalista europeia pensa que a reforma será levada a cabo através de uma combinação confusa entre medidas de engenharia financeira e multiplicação de instituições europeias que de alguma forma responderiam às aspirações dos cidadãos europeus.

A primeira “cimeira Macron-Merkel” não se poderia ter revelado mais desastrosa para as ambições de Macron em trazer reforma à Europa. A chanceler Merkel, fortalecida pelas suas vitórias eleitorais recentes nos estados federados alemães, rejeitou todas as sugestões do seu parceiro, ao passo que o Presidente Francês aceitou a exigência alemã de abrir uma ‘Reforma do Tratado de Lisboa’, uma possibilidade nunca aceite pelo seu antecessor.

Como a elite francesa deveria ter entendido, o Brexit aumentou os desequilíbrios no seio da Europa, enfraquecendo também dramaticamente a posição francesa e obrigando o país a abrir novas perspectivas, ultrapassando as quimeras do ‘eixo’.

Macron no panorama global

Convém ainda notar que a integração europeia não é uma alternativa ao reforço do posicionamento de cada estado membro no panorama global; a França, tal como todos os estados europeus, deve compreender a grande importância e necessidade de um envolvimento autónomo no mundo.

Não é possível combater o jihadismo no Mali ignorando ao mesmo tempo a sua expressão no Afeganistão; da mesma forma que é um erro subestimar o desafio representado pela versão melhor organizada e perigosa do dito jihadismo, a iraniana.

No cenário político interno, o Presidente Macron deverá considerar o lado negativo do edifício político que está a construir. Os mesmos políticos que tão facilmente abandonaram as suas antigas e estabelecidas famílias políticas (tanto à esquerda como à direita do espectro político) serão provavelmente os primeiros a abandonar o navio quando os ventos mudarem. E os ventos, mais cedo ou mais tarde, vão mudar.

O Presidente Macron navegará facilmente os presentes mares de melhoria do clima económico, mas faria bem em manter o seu olhar num horizonte mais longínquo. Está longe de ser garantido que o eleitorado francês dê nova oportunidade às elites francesas se estas voltarem a falhar.

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