Mesmo respeitando o destaque que na capa deste livro foi entendido redigir, o de tratar-se esta obra de uma “Comemoração dos 100 anos da entrada de Portugal na frente europeia da I Guerra Mundial”, e apreciando o seu conteúdo, somos daqueles que defendem que as guerras não se comemoram – evocam-se.
E nessas evocações com a exigência da pedagogia necessária. É que não há conflitos isentos ou engrandecedores das Civilizações, pelo custo. Paga-se em vidas e inutilidade o interesse de muito poucos.
Aceite-se o contraditório: há guerras libertadoras, daquelas que retiram aos escravos as suas grilhetas, mas são exceções. Nos cenários que criam, é a grandeza dos seres humanos que nelas tomam parte que os valores mais intensos se revelam.
Parece uma incongruência o coexistir de atividades musicais com a violência dos combates, ou que uma geração de crianças tenha sido concebida por entre os escombros, que o heroísmo, a abnegação, a solidariedade com o próximo se revele na guerra como em nenhum outro tempo da vida das civilizações. Mas a vida é sempre mais rica que a morte que a termina.
Este livro de Maria José Oliveira vem mostrar-nos um lado intenso, por vezes desprezado e fundamental: que vida improvisada coube aos nossos quando feitos prisioneiros na I Guerra (1914 a 1918, sendo que para os portugueses começou ativamente na Europa em Janeiro de 1917).
Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial, Frente Europeia – 1917 – 1918, de Maria José Oliveira, edições Saída de Emergência, Porto Salvo, 2017
Jornalista e historiadora, a caminho de finalizar o seu Doutoramento em História Contemporânea, Maria José alia assim a metodologia operacional de duas áreas nobres da investigação – convém não o esquecer e lutar para que assim continue a ser.
Sabemos que o jornalismo, que era contrapoder e analítico, passou a uma coisa híbrida do poder em que a análise não é bem vinda em muitas frentes.
Sabemos que a história, depois de grandes saltos em frente, tem confundido o dar prioridade a opiniões pessoais e fantasmagorias de herdeiros de mágoas, com o rigor que a distingue. (Li há dias o prefácio a uma obra que já existia nas bibliotecas mas que um truque comercial resolveu recolocar à venda com outro título, a “ver se tal”. No prefácio, com amargura, lia-se uma espécie de declaração de intensões de alguém que assumia o desejo de voltar atrás na cultura historiográfica, reclamando-se dos métodos usados “antes dos anos 70”. Bizarrias, tanto mais que a História olhando momentos do passado é sempre uma intensa leitura de continuidades e cabe-lhe usar recursos sempre novos).
A história dos prisioneiros de guerra é delicada. Os próprios, quando sobreviviam, pouco ou nada contavam do que tinham sofrido e desesperado. Por isso, entre tantos outros elogios possíveis, o trabalho da historiadora Maria José Oliveira merece leitura muito atenta. E não se diga que foi feito para quem gosta de História ou da história das guerras e dos conflitos. É um livro de sóbria e ávida leitura, também para outros leitores.
É sabido que Portugal foi à guerra por questões várias. A sua jovem República precisava dessa afirmação, a ameaça de território então português, em concreto o território africano colonial, obrigava-nos a ações concretas, a começar pela defesa das populações ameaçadas.
Mas a euforia da guerra, também em Portugal onde o Parlamento lhe dava Vivas!, e aprovava a mobilização das tropas, continha um lado não ideológico, vincadamente utópico, de messianismo, de êxtase, como se fosse essa a solução para os males do mundo e a certeza da criação de uma vida nova.
Foram milhões os mortos (logo a seguir, veio a pneumónica, ou gripe espanhola, que dizimaria muitos mais milhões de seres humanos) e escreveu-se uma página vergonhosa e sangrenta, negra da História mundial (não contentes, os europeus mataram-se poucos anos passados na II Guerra, sem falar de conflitos de menor dimensão que promoveram em nome de causas sempre duvidosas).
Os mortos enterravam-se, por vezes anonimamente, eram soldados e civis desconhecidos, gerações perdidas, o futuro ameaçado.
Em locais impróprios sofria-se um outro tipo de humilhação: os prisioneiros de guerra contavam os minutos de uma vida sem resposta, em campos de internamento e de trabalhos forçados (na Alemanha, na França, na Bélgica, na Polónia…).
Serve este livro de Maria José Oliveira para sabermos mais de nós. Um livro que faz justiça – e essa, a justiça, é-nos devida, pois o que se perde na guerra é sempre coisa muito valiosa que se rouba a todos os que ficam para lá dela, com memórias que se diluem ou feridas que nunca chegam a fechar.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90