Não sou profeta, visionário ou antecipador do futuro, mas verifico no levantamento quotidiano dos acontecimentos que um dia serão História, sempre inacabada, o que traduz, sem equívocos a derrota desses que vivem para o terror.
O seu principal inimigo não é este ou aquele império, esta ou aquela força militar, solista ou em coligação, este ou aquele País amedrontado que pede olho por olho, dente por dente, mas a inquebrável espécie humana.
Não há dúvida que essa é resistente. Passou genocídios, horrores de toda a qualidade, desmesuradas catástrofes e, à escala, pequenos dissabores insuportáveis.
Sobreviveu a guerras, escaramuças e traições, ditaduras, revoluções sangrentas, matanças, fundamentalismos e nacionalismos, deixou para trás ditadores sangrentos e acéfalos.
Todavia, no seu germe há nela um radical de força resistente que nos trouxe até aqui, com ou sem temores, em épocas de maior pacificação ou nas guerras mais enlouquecedoras. Fez-nos criar valores – humanistas, laicos, afetivos – que ultrapassaram todos os inimigos.
Filhos foram feitos em pleno holocausto. Há gerações com a idade das guerras. Somos a imensa e espantosa espécie animal que cria o terror mas que também não se deixa vencer por ele, nem pelos ditadores modais, pelas adversidades que os mais fracos nos impõem mal tomam o poder.
Os terroristas são assassinos comuns, a soldo. Estão condenados ao fracasso. Brandem as suas kalashnikov ou as suas UZI ou as suas M, de acordo com os patrocinadores, passeiam-se em poderosos veículos japoneses de caixa aberta e usam a última moda em matéria de armamento e roupinha castrense; usam linguagem aprendida de cor que os seus treinadores mentais lhes incutem como aplicativo de ação.
São figurinhas perigosas e instrumentalizadas que servem o grande capital e dão muito jeito a quem faz negócio em larga escala (da droga às armas, do petróleo ao tráfico de pessoas e órgãos, de obras de arte a diamantes…).
Há umas semanas, um jornalista perguntava-me se eu era capaz de sustentar uma visão coerente do homem religioso de 2026 (como será daqui a 20 anos? É capaz de antever?).
Todos temos a pretensão de dominar o (quase) religioso dom da profecia e estive tentado a fazer o futuro ali mesmo, a projetá-lo como nova crença, a fazer de uma das minhas ficções a antecâmara de irresponsável realidade. Espicaçado pela pergunta, hesitei alguns segundos. Depois acalmei-me.
Falar do futuro da religião é sempre um erro, pois sendo o homem, por natureza, religioso, é-o por carência – e também não é possível falar-se da Religião mas das religiões, no plural, e são tantas aquelas onde o Homem se revê. É nelas que devemos ponderar. Não há uma única capaz de ser única.
Há Deus em várias formas e deuses em todas as formas e, ao contrário do que se possa pensar, e há ainda a ausência deles, que também louvamos. Não é o desejo de uma Presença (a psique a laborar o transcendente) mas de uma aceitação da não Presença (somos aquilo em que acreditamos e o invisível conterá novas visões que, eventualmente, nos agradem).
De um modo ou de outro, mais assertivos ou mais ignorantes, andámos sempre às voltas com a inquietação da morte, com as balizas quase sempre intocáveis e incompatíveis do bem e do mal, com a transcendência e a metafísica, os fenómenos e a essência e com o que está para lá deles. Isto é, com uma tendência muito vincada para o profano, alimentámos sempre a fome do sagrado.
Hoje, as nossas religiões são interpretações individuais. O que é religioso em nós não o é no outro. E quando celebramos juntos, cada um tem uma interpretação que considera unívoca e sua, daquilo que, de forma ilusória, é pertença de um grupo, do coletivo.
Individualista e hedonista, a cultura do homem é essa fascinante ambiguidade: fartos do real, promovemos o metafórico. Por isso sobrevivemos ao terror, por ser brutalmente verdadeiro e incapaz de vencer profundas quimeras.
Nota: o autor escreve de acordo com o AO90