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Quarta-feira, Abril 24, 2024

Quem são os donos do mundo?

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Teremos a percepção que uma mão cheia de empresas gigantescas domina todos os aspectos das nossas vidas? Ao contrário do que sugere a publicidade, que não se cansa de nos vender a ideia que somos grandes decisores, o que escolhemos escapa quase completamente ao nosso controlo.

As inúmeras marcas concorrentes são afinal propriedade de umas escassas dezenas de grandes empresas que são, por sua vez, propriedade de grandes empresas financeiras como a Vanguard, a BlackRock, a Berkshire Hathaway ou a State Street.

Estas empresas de gestão de activos (sejam eles fundos de investimento privados, hedge funds ou fundos abutre), têm em comum estratégias de investimento altamente agressivas e a especial característica de constantemente cruzarem participações que não só ajudam a esconder a verdadeira propriedade como contribuem para a maximização dos ganhos

No último quartel do século passado, dois daqueles gigantes – a Vanguard e a BlackRock – começaram a acumular participações no capital da maioria das empresas no mundo, destruindo efectivamente o mercado concorrencial e deixando dele uma mera ilusão. Na actualidade, qualquer que seja o sector de actividade, praticamente todas as grandes empresas contam entre os seus principais investidores pelo menos um daqueles quatro nomes.

Vejamos dois exemplos: um que envolve dois gigantes do sector alimentar, a Coca-Cola e a Pepsi, e outro sobre as grandes empresas tecnológicas.

Analisada a composição accionista do altamente concorrencial mercado dos refrigerantes (assim o sugerem as megas campanhas de marketing e o diz a generalidade da imprensa), onde o principal accionista da Coca-Cola é a Berkshire Hathaway Inc e três dos quatro maiores accionistas institucionais da Coca-Cola são idênticos aos da Pepsi: Vanguard, BlackRock e State Street Corporation, com os dois primeiros a representarem quase um terço do tal das acções e os três a apresentarem maior peso que os sete restantes, rapidamente se conclui que a Pepsi e a Coca-Cola são tudo menos os concorrentes que dizem ser.

Também no ramo das tecnológicas, a pretensa concorrência entre a Apple e a Microsoft (empresas responsáveis pelos sistemas operativos Mac OS e Windows e avaliadas em mais de 4,5 biliões de dólares) se esvai quando se constata a grande participação do mesmo tipo de interesses (e interessados de sempre: Vanguard, BlackRock, Berkshire Hathaway Inc e State Street Corporation), sempre à cabeça dos principais accionistas. Ainda no mesmo sector das tecnológicas continuamos a encontrar o mesmo modelo de grandes participações accionistas em empresas como a Alphabet (dona do Google, YouTube, GMail, principal desenvolvedora do sistema operativo Android e grande concorrente da Apple no universo do software para smartphones), ou na Meta (dona do Facebook, WhathsApp e Instagram), onde mais de 80% das acções estão concentradas em grandes investidores institucionais, como a Vanguard, a BlackRock e a State Street Corporation.

Quase se pode concluir que qualquer que seja o sector em análise, os principais accionistas e, portanto, os decisores em praticamente todas as grandes empresas, são os mesmos: Vanguard, BlackRock, State Street Corporation e Berkshire Hathaway. Mas quem são realmente estas empresas? Quem controla o seu capital e decide as suas acções?

A Vanguard é uma sociedade gestora de investimentos, o maior gestor mundial de fundos mútuos e o segundo de ETF (ou fundos de índice, que são fundos de investimento negociados em bolsa como se de acções se tratassem), logo atrás da BlackRock, que esconde os seus accionistas através da capa de pertencer aos próprios fundos que administra.

A BlackRock é a maior gestora mundial de activos, o maior gestor mundial de ETF e o principal agente do sistema bancário sombra (sobre o assunto ver o artigo A ECONOMIA DE CASINO – AS ESTRUTURAS), foi fundada em 1988 por Larry Fink e Robert Kapito (actuais CEO e presidente), conta-se entre os três maiores accionistas de cada uma das gigantes petrolíferas, com a excepção da Total, e está entre os 10 maiores accionistas em 7 dos 10 maiores produtores de carvão, mas está agora a posicionar-se como líder do segmento dos investimentos “verdes” (através da negociação do índice ESG que inclui empresas notabilizadas na governança ambiental, social e corporativa).

Já a State Street Corporation é a segunda mais antiga instituição financeira norte-americana em actividade, guardando e gerindo activos avaliados em mais de 30 biliões de dólares e recentemente apresentou-se como grande impulsionador do ESG.

A secular Berkshire Hathaway, a sua fundação como empresa têxtil remonta ao século XIX, é desde 1962 maioritariamente detida por Warren Buffett (tido como o mais bem-sucedidos investidores do século XX e conhecido como o Oráculo de Omaha) que a converteu na empresa holding dos seus múltiplos investimentos e participações e está avaliada em mais de 600 mil milhões de dólares.

Com a ligeira excepção da Berkshire Hathaway, onde Warren Buffett pontifica claramente, todas as outras apresentam participações cruzadas que diluem e confundem ainda mais o apuramento da sua titularidade, além de assegurarem um sistema de repartição de ganhos entre si e os seus principais accionistas (sejam eles quem forem…). Depois disto ainda poderemos continuar a acreditar ingenuamente nas propagandeadas grandes vantagens dos mercados livres? Ou não será esse mais um benefício reservado apenas aos hiper-privilegiados 0,01% dos hiper-ricos deste mundo?

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