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Terça-feira, Outubro 15, 2024

A questão da soberania de Timor-Leste

M. Azancot de Menezes
M. Azancot de Menezes
PhD em Educação / Universidade de Lisboa. Timor-Leste

Professor/Formador de Professores Mestre em Educação – Especialização em Supervisão e Orientação Pedagógica (Univ.Lisboa) - Sec Geral do PS Timor

Uma das questões estratégicas que está na ordem do dia em Timor-Leste é a anulação dos tratados celebrados pela Austrália e Timor-Leste e a exigência da delimitação definitiva das fronteiras marítimas, à luz da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS).

Perante o silêncio e indiferença de muitas forças políticas e organizações, por uma questão de elementar sentido de justiça, sem pretensões, pois é um facto histórico, tomo a liberdade de recordar que esta reivindicação foi apresentada publicamente pelo Partido Socialista de Timor (PST), há 14 anos, quando se opôs com total frontalidade ao governo australiano, onde se destaca a acção de protesto realizada em Maio de 2002, em Díli.

O protesto ocorreu porque o mar de Timor-Leste é um direito inegociável conquistado com muito sangue e sacrifício do martirizado povo timorense, que perdeu os melhores dos seus filhos. Tratou-se de uma reclamação legal e legítima no quadro da Constituição da República Democrática de Timor-Leste (RDTL), mas também no âmbito da jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) e do Tribunal Internacional do Direito do Mar (TIDM).

Hoje, a sociedade timorense ganhou consciência sobre a importância dessa reivindicação e uniu-se. Toda a Nação, com o apoio da solidariedade internacional, e as manifestações de 22 e 23 do passado mês de Março assim o demonstraram, uniram-se em defesa da nossa soberania, inegociável, porque o desenvolvimento económico do País depende muito dos recursos do mar. Hoje, em uníssono, esta questão tornou-se um imperativo nacional na exigência de que o governo australiano cumpra de forma escrupulosa o que está determinado na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS).

Todos nós, por uma questão de nacionalismo e de defesa da nossa soberania, vamos exigir que sejam anulados os tratados assinados pelos governos da Austrália e da FRETILIN porque foram rubricados baseados em argumentos sem validade no âmbito do processo de exploração do mar de Timor-Leste com a tese da Plataforma Continental, e explorando as nossas fraquezas conjunturais e estruturais. Esta argumentação baseada na Plataforma Continental não tem cabimento no quadro daConvenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) e é contestada por todos aqueles que agem de boa fé. O povo timorense, o mesmo que ajudou as tropas australianas durante a IIª Guerra Mundial, foi enganado pelos sucessivos governos australianos, pelo que, urge denunciar e demonstrar que os tratados assinados apenas beneficiam o governo australiano e as empresas que de forma gananciosa prejudicam Timor-Leste, ao serviço do neoliberalismo.

Nestes termos, para além da argumentação política inerente a princípios fundamentais de justiça social e humanismo, é de total pertinência usarem-se argumentos de carácter científico produzidos na perspectiva de estudiosos especialistas em assuntos sobre a problemática das fronteiras marítimas, na expectativa de que todos nós possamos ficar um pouco mais esclarecidos sobre esta matéria e assim podermos exercer o nosso direito à reivindicação com conhecimento de causa e de forma mais fundamentada, à luz de uma argumentação assente nos princípios preconizados na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS).

soberania-timor

Contexto histórico do conflito sobre o petróleo do mar de Timor-Leste

Década de 60 – Austrália inicia negociações para delimitação de fronteiras com os Países vizinhos

Em termos geográficos, o problema relacionado com os recursos petrolíferos no mar de Timor, entre o Sul da ilha de Timor e o Norte da Austrália, teve início nos anos 60 quando a Austrália começou a negociar a delimitação das suas fronteiras marítimascom os seus países vizinhos (Antunes, 2003), era ainda Timor-Leste uma colónia portuguesa.

Segundo King (2002), anos antes tinham sido realizados por empresas multinacionais trabalhos de sismologia no mar e descobriram-se grandes reservas de recursos petrolíferos. Na opinião dos sucessivos governos australianos, a plataforma continental australiana inclui a zona inteira do mar de Timor até o Timor Trough, uma área que representa mais de 80% do fundo do mar entre os dois países e, segundo os mesmos, todos os recursos a Sul de Timor Trough pertencem à Austrália, usando a argumentação da Plataforma Continental, tese que não é aceite por muitos geógrafos, onde se inclui Chaudhry (2006), nem pelo Direito Internacional actual baseado na UNCLOS.

Década de 70 – Polémica sobre a Plataforma Continental e o surgimento da expressãoTimor Gap

Em 1972, segundo Nevins (2004), por citação de Antunes, a Austrália concluiu as negociações com a Indonésia no que diz respeito às suas fronteiras marítimas. Portugal, conforme defende Antunes (2003), colocou em causa a tese de que aplataforma continental australiana terminava no Timor Trough, pelo que, argumentou de que a plataforma continental australiana no Timor Trough deveria respeitar o princípio baseado na equidistância.

Na opinião de Antunes (2003) a fronteira marítima delimitada na parte do mar a Sul de Timor-Leste não se concretizou por não ter havido acordo entre a Austrália e a Indonésia. Ao espaço entre a fronteira da Austrália e da Indonésia definido por estes dois países, em que Portugal não opinou, designou-se por Timor Gap. King (2002), citado por Antunes, refere que apesar de não ter havido qualquer tipo de acordo, e portanto não houve regulação, mesmo assim, a Austrália concedeu licenças de exploração e de petróleo a empresas petrolíferas nessa zona.

Década de 80 – Tratado do Timor Gap

Em 11 de Dezembro de 1989 a Austrália e a Indonésia assinaram o Tratado do Timor Gap (Timor Gap Treaty). O acordo rubricado por estes dois países ignorou totalmente os interesses legítimos de Timor-Leste, pois havia o reconhecimento «de facto» da anexação por parte da Indonésia como 27ª Província, e também porque Portugal preferiu aguardar a resolução da «Questão de Timor». Repare-se que, o Tratado do Timor Gap foi uma exigência da Indonésia por esta entender que o acordo de 1972 era para si desvantajoso e não queria aceitar a argumentação da Austrália baseada na tese da Plataforma Continental.

 

Parte 2: As consequências da assinatura do Tratado do Timor Gap entre a Austrália e a Indonésia  (a publicar, amanhã)

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