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Quarta-feira, Março 27, 2024

Raul Castro

Helena Pato
Helena Pato
Antifascistas da Resistência

(1921 – 2004)

Destacado cidadão da Resistência antifascista, sempre presente nos combates pela Liberdade e pela Democracia, Raul Castro era um homem sensível, vertical e com firmeza de convicções que revelava no vigor da intervenção política e nas relações humanas. Licenciado em Direito, exerceu a advocacia e teve especial intervenção nos Tribunais Plenários fascistas, onde, determinado e corajoso, defendeu dezenas de presos políticos. Foi preso pela PIDE duas vezes, uma das quais em 1947.

Foi deputado e dirigente do MDP/CDE (vice-presidente da Comissão Central) e, anos depois, fez parte da direcção da Intervenção Democrática (ID). Foi deputado à Assembleia da República (durante 15 anos); e, também, vereador e deputado municipal na Câmara Municipal do Porto (durante 13 anos).

Família de resistentes ao fascismo

Raul Fernandes de Morais e Castro era filho de Irene Castro e de Amílcar Castro . Tinha três irmãos: Armando, Amílcar e Irene. Nasceu no Porto em 25 de Agosto de 1921, acidentalmente na freguesia de Cedofeita, porque a mãe residia então na Escola Infantil de Cedofeita de que era directora (tal como sucedia a todas as directoras de Escolas Oficiais). Ida da Rua de Cedofeita, esta família passou depois para o Largo do Corpo da Guarda (freguesia da Sé), onde a Avó (de uma família de mulheres professoras) era também directora da escola. A Mãe Irene Castro, pessoa de grande humanidade, sempre recordada por antigas alunas que não a esqueciam, uma resistente ao fascismo com atitudes de grande coragem perante o regime, inscreveu-se no Partido Comunista Português às escondidas do marido e da família (tem biografia na Página Antifascistas da Resistência). A partir de 1942, a família de Raul Castro viveu durante uns anos na Rua D. João IV, no nº 414, e a casa era um centro de grande actividade contra a ditadura de Salazar.


Amílcar de Castro, Irene de Castro, seus pais, com o filho mais velho, Armando de Castro

O pai de Raul Castro começou por ser ferroviário na Estação de S. Bento, e quando já tinha dois filhos resolveu tirar o curso de Direito, como aluno voluntário (sem ter de assistir às aulas), porque o seu ordenado, junto com o da mulher, não bastavam para as despesas. Depois, passou a exercer advocacia[1]. Era um homem muito corajoso e um grande lutador pela liberdade, embora nunca se tivesse filiado em nenhum partido. . Foi ele quem desencadeou no Porto o célebre 1º de Maio de 1931, ao anunciar da varanda do jornal “O Século” (na esquina da Rua 31 de Janeiro) que tinha acabado a ditadura fascista, o que não acontecera. Foi preso 11 vezes pela polícia política de Salazar, a última das quais em 1939.

Licenciado em Direito

Em 1945 Raul Castro formou-se em Direito na Universidade de Coimbra e foi, com o irmão mais velho, Armando Castro (biografia na Página Antifascistas da Resistência), para o escritório do Pai, Amílcar Castro, na Rua 31 de Janeiro, nº 45-2º andar. Por essa altura, Raul, Armando, Amílcar e a Mãe, Irene, aderiram ao Partido Comunista Português. Raul Castro, que participava nas actividades do MUD, iria ser preso pela PIDE, em 1947, na já mencionada casa da Rua D. João IV[2], julgado no Tribunal Plenário de Lisboa e condenado em 18 meses de prisão correccional, com pena suspensa. Porém, o Ministério Público recorreu da sentença, alegando que nos crimes políticos não se podia suspender a pena e, apesar de fundamentada a defesa do ponto de vista contrário, por parte do seu advogado, ele foi condenado ao cumprimento dos 18 meses de prisão, acrescidos das fascistas “medidas de segurança de internamento, de 6 meses a 3 anos, prorrogáveis, enquanto fosse considerado perigoso”. Resolveu então não se apresentar à prisão e fugir de casa. Durante cinco meses andou fugido de terra em terra, tendo estado em Trás-os-Montes, em Gaia, em Gondomar, em vários lugares. Deixou crescer o bigode para não ser reconhecido, embora nunca saísse à rua, e aguardou uma amnistia. Na falta desse perdão que não via chegar, decidiu apresentar-se à PIDE, no Porto, onde veio a cumprir metade da pena (9 meses), até ser posto em liberdade condicional. Iria então passar um ano sem trabalhar e a escrever o livro “Transformação de Sociedades Comerciais”. Saiu da prisão cheio de dívidas, pediu dinheiro emprestado, comprou um “Peugeot” em segunda mão e recomeçou a vida de advogado.

Raul Castro defendeu o maior número de anti-fascistas no Tribunal Plenário

Em Março de 1957, Raul Castro foi um dos 72 advogados de Lisboa e do Porto que assinaram uma representação ao ministro da Presidência pedindo um «inquérito à PIDE». Em 1969, apresentou ao II Congresso Republicano de Aveiro uma tese intitulada «Actualidade dos Princípios Gerais de Direito estabelecidos pelo Regime Republicano em 1910». Participou também no III Congresso da Oposição Democrática, igualmente realizado em Aveiro, em 1973, com uma tese intitulada «Ideologia e Democracia – Para Desmascarar a Desmontagem de Mitos Ideológicos do Corporativismo». Foi suplente na lista candidata da Oposição Democrática (Porto), nas eleições de 1973.

Raul Castro

A 4 de Outubro de 1969, na sede central da CDP, comemora-se o 5 de Outubro e Raul Castro é orador.
Fotografia facultada pela filha de Raul Castro, Maria Eduarda Castro.

 

Raul Castro terá sido o advogado que defendeu o maior número de anti-fascistas no Tribunal Plenário – mais de setenta, em 32 processos – além de intervir em alguns processos especiais. .

Foi deputado e dirigente do MDP/CDE

Fotografia de Raul Castro facultada pela filha, Maria Eduarda Castro.

Em 1974, quer o PCP, quer o MDP/CDE, propuseram o seu nome para Presidente da Câmara do Porto, mas terá sido vetado por Spínola. Passou então a ser cabeça de lista nas eleições da Câmara Municipal do Porto e esteve 13 anos na CMP, como deputado municipal e vereador.

Além de Vice-presidente da comissão nacional do MDP/CDE, foi eleito deputado à Assembleia da República pelo MDP/CDE nas I, II, III e IV legislaturas. De 1987 a 1995 foi deputado à Assembleia da República (círculo do Porto), na lista da APU e depois da CDU. No total esteve 15 anos como deputado na Assembleia da República.

Pertencia a uma família de grandes lutadores contra o fascismo. Filho de activos resistentes, que se mantiveram sempre na luta política, e irmão de destacados antifascistas, depois do 25 de Abril Raul Castro continuou um abnegado combate na construção da Democracia. No seu intenso trabalho político passava em Lisboa metade do seu tempo, ainda que com prejuízo da vida familiar. Também Armando Castro, seu irmão, deu especial contributo como historiador económico de grande mérito e como advogado. Depois da Revolução, Armando e Amílcar mantiveram-se sempre militantes do PCP; Raul e Irene estiveram no MDP/CDE até 1987, e depois entraram para a Intervenção Democrática (ID).

Raul Castro faleceu a 21 de Agosto de 2004, em Cassús, quando tomava banho no tanque da sua amada quinta.

A autobiografia de Raul Castro, terminada no Porto em 1999, encerra com estas palavras: «Estas são algumas notas de que me lembro sobre a minha vida. Delas resulta a preocupação que tenho sobre Cassús quando outra geração tomar conta de Cassús. E também a preocupação de que os meus descendentes, filhos e netos, saibam lutar para me continuar, como eu procurei lutar ao longo da minha vida»[3].


Na foto podem ver-se Raul Castro, Armando Castro e a Mãe, Irene Castro, numa sessão de comemoração do “31 de Janeiro”, no Porto..

Publicações

Tem publicados alguns trabalhos de carácter jurídico, como A Indemnização Comercial nas Expropriações por Utilidade Pública: Notas de Processo (Lisboa, 1954); Transformação de Sociedades Comerciais (Porto,1955); Estudantes do Porto no Tribunal de Polícia – Duas Alegações para o Tribunal da Relação do Porto (Porto, 1974); Reunião ilegal ou acusação irreal?, uma edição da sua autoria, saída em Março de 1974, com a alegação de recurso para o Tribunal da Relação do Porto no processo dos 90 estudantes no Tribunal de Polícia (julgamento que decorreu entre 9 de Julho e 29 de Dezembro de 1973).

Também depois do 25 de Abril, publicou na Editorial Inova: “Dois Pareceres em Processo Penal de Natureza Política” (um deles sobre Jorge Araújo, então a cumprir pena); “Duas Teses Anti-Fascistas” ( teses apresentadas no 2º e 3º Congressos Republicanos de Aveiro); e as alegações “Podriqueira, o Nome lhe Basta” e “Lesado sim, Arguido não”. Colaborou na edição “Estudantes de Coimbra no Plenário”.

Quando se encontrava em Coimbra, escreveu três novelas, a que deu o título “Virá um Dia Melhor”, de que terá sido publicado na “Via Latina”, no tempo da Direcção Académica presidida pelo então seu grande amigo Francisco Salgado Zenha. Mais tarde, quando andava fugido à PIDE, escrevera vários poemas, que o MDP publicou em 1974, com o título “Coração-Povo”, e que esgotou. .


Raul Castro, Duas Teses Antifascistas, Editorial Inova, Julho de 1974. (João Esteves)

Reunião ilegal ou acusação irreal?” Edição da autoria de Raul de Castro saída em Março de 1974, contendo a alegação de recurso para o Tribunal da Relação do Porto no processo dos 90 estudantes no Tribunal de Polícia (julgamento que decorreu entre 9 de Julho e 29 de Dezembro de 1973). Alegação da recorrente Maria da Graça Campos Morais e Castro e dos recorrentes Joaquim Alfredo Almeida da Rocha, Carlos Alberto Monterroio Martins da Rocha e José Luís Carneiro Praça. (João Esteves)


Colaborou, com pseudónimos, entre eles Saul Fernandes, em vários jornais da província, como a “Gazeta de Coimbra” e o “Comércio da Póvoa de Varzim”, de que teve a seu cargo a direcção da página semanal “O Comércio dos Jovens”; colaborou em “O Diabo”, (onde escreveram grandes nomes de resistentes antifascistas), com um poema com o pseudónimo de João Carlos; e na “Pensamento” (uma outra revista da área democrática), com “Cartas a uma Idealista”, também usando o pseudónimo de Saul Fernandes.

E escreveu, anónimo, centenas de manifestos ilegais, no quadro dos movimentos oposicionistas a que pertenceu.

Raul Castro começou muito novo a ler grandes obras literárias e outras, que, em sua opinião, terão contribuído para lhe gizar a ideologia socialista, que manteve até à sua morte – o “Manifesto do Partido Comunista” de Karl Marx e outras obras de KM e de Lénine (todas proibidas em Portugal, mas que algumas livrarias vendiam à sucapa a pessoas de confiança).

[1] «Em 1947, estava a dormir no meu quarto, e eles entraram, acenderam a luz e mandaram-me vestir, passando a fazer uma busca em toda a casa. Fizeram o mesmo nos outros quartos, e nem eu, nem os meus irmãos sabíamos qual de nós ia ser preso, só o soubemos quando me levaram a mim». Foi levado para o Aljube de Lisboa, para uma cela, que tinha uma enxerga, com cobertores que cheiravam mal, e cujo espaço não era mais de 4 metros de comprimento e 1,5 de largura. Nessas celas, a que os presos chamavam os “curros”, esteve nove dias e depois mais 11 numa sala com outros presos.

[2] O meu Pai foi um homem extraordinário. Foi sempre um desprendido de vestuário, almoçava no escritório (a minha mãe mandava lá uma empregada com um baú de folha, com o almoço), e tinha na gaveta da secretária as coisas mais variadas, desde broa, castanhas, rebuçados, etc.»

[3] A quinta de Cassús – A frágil saúde da Mãe de Raul justificou que o Avô e o Pai se unissem na compra de uma quinta fora do Porto, para a senhora “ir a ares”, durante as férias grandes. A Quinta de Cassús não pode deixar de ser aqui referida já que fazia parte das memórias afectivas mais intensas de Raul Castro e do irmão Armando Castro. Ali se realizaram, durante o fascismo, várias reuniões ilegais do Partido Comunista Português. Para ambos, Cassús era um paraíso. Já perto do seu desaparecimento, tinham tais recordações desse lugar, que o Porto era remetido para um 2º lugar nas suas referências saudosas do passado. E, no entanto, fôra em Cassús que o Pai tinha sido preso, pelo menos três vezes.

Nesse tempo íamos para Cassús de comboio, que saía da Estação de S.Bento às 7:40 h, e, às 6 da manhã, a minha Mãe já estava a desfazer as camas, a tirar os lençóis, sendo eu, aliás, o último a levantar-me, porque dormia muito. A bagagem, as malas, daquelas antigas, chamadas de porão, iam para Nine, e o caseiro ia lá buscá-las de carro de bois. Era para mim e meu irmão uma alegria a chegada das malas, onde vinham as nossas coisas. Ali passávamos as férias grandes, julgo que mais de dois meses, e as férias da Páscoa, indo o Padre, com o Compasso, a nossa casa, com a condição que o meu Pai punha, de deixar a cruz no portão de entrada. (…) É claro que não havia luz eléctrica, eram velas, candeeiros a petróleo, o petromax e, na cozinha, um gasómetro, que dava uma luz muito forte. Lembro-me de que, mais tarde, lá ia uma camioneta de carga, por volta de 20 de Setembro, buscar achas de lenha, para o fogão do Porto, que descarregavam no passeio da Rua D.João IV, barris, pequenos, de vinho e as malas, etc. Em cima da carga, vinha o caseiro, o António, que já morreu, todo contente por vir ao Porto. (…) O meu Pai tinha uma grande paixão por Cassús, onde ia todas as semanas. E, pelo caminho, desde o apeadeiro até Cassús, ia distribuindo rebuçados aos míudos que encontrava, de tal modo que alguns deles choraram quando souberam que o meu Pai tinha morrido».

Dados biográficos


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