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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Relembrar Keynes!

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Uma das mais clarividentes propostas feitas por John Maynard Keynes no quadro do ‘Bankor’, nova moeda internacional centro de um novo sistema financeiro internacional que a conferência de 1944 de Bretton Woods deixou cair, foi a de criar uma taxa que recaísse sobre os excedentes comerciais internacionais.

  1. Keynes, o visionário esquecido

A proposta assenta na constatação dos graves prejuízos para a estabilidade económica, social e política que resultam dos desequilíbrios comerciais internacionais estruturais – estão no centro de ambas as guerras mundiais – e penso ser a única forma inteligente de os combater.

A proposta de Keynes não só foi esquecida por Bretton Woods como foi totalmente arredada do quadro dos instrumentos potenciais de política económica internacional, sobretudo a partir dos anos 1970, quando emerge o chamado consenso de Washington (vulgarmente apelidado de ‘neoliberalismo’) que vai ter como pedra angular considerar que os equilíbrios comerciais internacionais deveriam deixar de ser uma preocupação da política económica, uma tese absurda que nunca poderá ser entendida se não forem entendidos os interesses em presença que lhe deram origem.

Acordo de Bretton Woods

Entre eles, estava em primeiro lugar o dos EUA, que tinham criado o sistema de Bretton Woods baseado na sua própria moeda. Para um país que emite livremente a moeda que serve de padrão internacional, não há problema com as contas externas, dado que os saldos negativos podem ser livremente cobertos pela criação de moeda. Foi assim que os EUA financiaram o seu esforço de guerra do Vietname com base nesse défice externo e tendo como contrapartida a criação da inflação do dólar que se propagou internacionalmente.

Mas havia também quem – nomeadamente a Alemanha – partilhasse da mesma opinião (nada devia ser feito para impedir desequilíbrios comerciais internacionais) por razões exactamente inversas, porque queria fortalecer a sua posição internacional na base de excedentes comerciais crónicos.

Nessa base, foi criado um sistema monetário europeu, o Euro, que corporizou integralmente a lógica do consenso de Washington ignorando os desequilíbrios comerciais e reduzindo tudo à necessidade de manter equilíbrios nas contas públicas, criando com isso desequilíbrios económicos enormes no seio da moeda única que não cessaram de se agravar até hoje.

  1. Ewald Nowotny, o presidente do banco central austríaco

Este enquadramento parece-me essencial para entender as palavras de Ewald Nowotny citadas por um artigo da agência de informação internacional Bloomberg intitulado ‘Nowotny diz que 74 anos de paz desequilibraram a economia’.

O primeiro elemento digno de nota no que diz Nowotny é vermos alguém que – apesar dos seus setenta e cinco anos – continua a ser o presidente do Banco Central do seu país a confessar de forma estridente que aquilo que toda a doutrina monetária europeia diz que não tem qualquer importância, os desequilíbrios comerciais, é na verdade fundamental.

Mais, ele diz que a importância desses desequilíbrios é tão grande que só a guerra e a inflação os resolveram no passado. O que ele diz quanto à guerra é exacto, e seria bom que os papagaios que dizem que o Euro assegura a paz compreendessem bem quão errados estão. Quanto à inflação, o que ele diz só se aplica quando a dívida é feita na moeda que inflaciona, o que aconteceu historicamente com a inflação americana a que fizemos referência ou parcialmente com as dívidas das reparações da primeira guerra.

O que não se entende é como Nowotny pode esquecer todo o debate económico e político que precedeu a segunda guerra, e nomeadamente que só com a eliminação de excedentes comerciais externos poderíamos afastar o perigo da guerra, como percebeu Keynes ou, em alternativa, se o quisermos levar à letra, como é possível que ele veja a guerra como único remédio das taras do sistema de que ele mesmo é um dirigente importante.

  1. Victor Constâncio

O último boletim mensal do Banco Central Alemão, saído em Agosto, dá conta da forte probabilidade de os números da economia alemã terem evoluído negativamente na primeira metade do ano e de continuarem presentemente a mesma trajectória, fruto de uma quebra importante da produção industrial.

Para o Banco Central Alemão, a política orçamental alemã é expansionista, o mercado de trabalho está em excelente situação, a política do Banco Central Europeu continua acertadamente a procurar uma inflação não muito inferior a 2% e a prevista recessão na maior economia europeia deve-se, exclusivamente, à conjuntura externa.

Dias depois, em entrevista concedida a uma revista alemã, Victor Constâncio, e colocando-se já na posição de banqueiro reformado, desfaz esta análise, designando a política económica das autoridades alemãs como ‘sem sentido’ e responsabilizando-a não só pela recessão alemã mas também por graves consequências para a Europa e para o Mundo, incluindo uma escusada guerra comercial com os Estados Unidos.

Na verdade, esta política económica não é só alemã, é europeia, foi erradamente desenhada em Maastricht – numa altura em que Victor Constâncio era já a principal ou uma das principais referências da política económica do nosso país – e substancialmente agravada depois de 2011, não só por toda a elite dirigente alemã mas como também pelos líderes de outros países, como por exemplo, Portugal.

Como tenho afirmado, se não assistimos então à implosão da moeda única isso deveu-se apenas ao Presidente do BCE Mario Draghi, admito agora, apoiado pelo seu vice-presidente português.

O problema é que Draghi vai-se embora em breve e Constâncio só falou quando as suas palavras deixaram de ter peso, sendo este problema central da economia mundial ignorado, no palco onde isso nunca deveria acontecer, o dos países que integram o chamado grupo dos sete.

A entrevista de Victor Constâncio é de uma enorme importância, mas foi silenciada pela imprensa nacional, incapaz de distinguir o que tem qualidade e relevância das irrelevâncias e mundanidades em que costuma vaguear. O que ele não esclarece é que aquilo que ele classifica como política económica alemã está gravada a ferro na legislação europeia sem que ele tenha alguma vez, que eu saiba, vindo a público alertar para os perigos que ela encerra.

Em qualquer caso, estamos perante o grande debate político e económico a que todos deveríamos dar a maior atenção.


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