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Sábado, Abril 27, 2024

Resistir ao fascismo, antes que seja tarde

Tereza Cruvinel, em Brasília
Tereza Cruvinel, em Brasília
Jornalista, actualmente colunista do Jornal do Brasil. Foi colunista política do Brasil 247 e comentarista política da RedeTV. Ex-presidente da TV Brasil, ex-colunista de O Globo e Correio Braziliense.

Assim encerramos mais uma semana macabra. Talvez mais macabra que as outras, porque agora a serpente começou de fato a sair do ovo, assumindo a identidade nazista, atacando a cultura, o jornalismo e a esquerda.

Há quem discorde dos que apontam o pendor nazi-fascista do governo Bolsonaro. A estes, o próprio governo respondeu nesta quinta-feira, com três fatos graves, indicadores de que a serpente começou a romper a casca do ovo, com perdão pela velha metáfora. O secretário de Cultura, Roberto Alvim, anunciou ao lado de Bolsonaro,  um programa de incentivo cultural que pretende reescrever a História do Brasil em sentido conservador. Em seguida, postou vídeo em que parafraseia Goebbels, o ideólogo do nazismo, para anunciar que vem ai uma nova arte brasileira, nacionalista, heroica, dotada de grande capacidade de envolvimento, vinculada aos valores cristãos. E para completar, irritado com a denúncia de corrupção de um ocupante do próprio Palácio do Planalto, Bolsonaro subiu o tom contra a imprensa e a esquerda, segmentos que ele aponta como o “inimigo interno”, assim como os nazistas da Alemanha elegeram os judeus como adversários a serem perseguidos. E exterminados pela solução final dos campos de concentração.

Vale repertir a comparação entre os textos de Goebbels e Alvim, para que não reste dúvida. Disse o primeiro: “A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada”. E o que disse Alvim:  “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada”.

Espantoso, grave, preocupante. Não houve preocupação em dissimular, muito pelo contrário. A estética do vídeo é nazista, o olhar perfurante do que fala, o fundo musical de Wagner. Mas este governo tem a capacidade de lançar bombas dispersivas sempre que está às voltas com um problema grave, como é agora o caso de corrupção do secretário de comunicação. É claro que todos aqueles que resistem na trincheira democrática vão se concentrar na manifestação nazi-fascista mas não podemos cair na armadilha deles. As duas coisas são igualmente importantes, exigindo denúncia e combate.

É óbvio que não haverá a arte prometida por Alvim, pois a que temos já é expressão de “nossos mitos fundantes” e expressa a pluralidade e a diversidade de nossa cultura. Os nazistas organizaram a exposição “Arte degenerada”, em que obras de Matisse, Picasso e outros modernistas foram apontadas como exemplo de arte nociva e de valores pervertidos. O nazismo, entretanto, nada produziu da arte anunciada por Goebbels. Seu maior ícone foi a cineasta Leni Riefensthal, hoje lembrada apenas pelos filmes de propaganda nazista que produziu, revistos apenas para conhecimento histórico. Mas Alvim tem R$ 20 milhões para distribuir, e haverá sempre algum oportunista disposto a vender a alma por uns 30 dinheiros. Vão tentar reescrever, principalmente, a história da ditadura mas a História é implavelmente parceira da verdade.  Ela os registrará como protagonistas de um momento tenebroso no Brasil.

A ofensiva cultural veio acompanhada de outros sinais de escalada autoritária. Os ataques à imprensa subiram de tom, por conta da denúncia de corrupção na Secom e das revelações do livro da jornalista Thais Oyama, Tormenta.  Não vale à pena repetir insultos já publicados, tanto por Bolsonaro como pelo general Augusto Heleno, pois quando o chefe dá o exemplo, a prática transborda para seus auxiliares. Uma repórter perguntou sobre corrupção, Bolsonaro perguntou se ela falava da própria mãe. Chamou a jornalista Oyama de “aquela japonesa”, e Thais devia processá-lo por racismo.  E Heleno foi no mesmo batidão, irritado porque o livro dela reproduziu sua declaração, por sinal gravada (antes da posse), de que Bolsonaro era um despreparado que de nada entendia.  Depois, mudou de ideia e virou homem forte do governo.

Regimes autoritários não suportam jornalismo algum, exceto o amestrado, o chapa-branca. O que não se entende é por que a Folha de S. Paulo e os demais veículos da mídia corporativa continuam contemporizando. Não chamam Bolsonaro de mentiroso, como deviam fazer cada vez que ele mente, e nem reagem  com a energia necessária à escalada de agressões a veículos e jornalistas. A agenda neoliberal de Guedes não pode explicar tanta complacência.

E houve também, na escalada nazi-fascista, o ataque de Bolsonaro à esquerda, num claro sinal de “pega, mata e esfola” para os radicais da extrema-direita. As pessoas de esquerda, disse ele, não querem o bem do Brasil, não são normais. Se não são normais, não são gente que mereça respeito. Então podem ser esfoladas. Neste sentido é que, primeiro o anti-petismo, e agora o antiesquerdismo de forma geral, começam a funcionar como o inimigo interno a ser combatido. Quando Hitler demonizou os judeus, deu o sinal para que fossem perseguidos e denunciados como inimigos da Alemanha, de seu progresso e da pureza de sua raça ariana.  Daí para a “solução final”, o extermínio nos campos de concentração, foi um passo.

Assim encerramos mais uma semana macabra. Talvez mais macabra que as outras, porque agora a serpente começou de fato a sair do ovo, assumindo a identidade nazista, atacando a cultura, o jornalismo e a esquerda.


Texto original em português do Brasil



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