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Sábado, Abril 20, 2024

Sentado em um café ao lado da igreja de Madonna di Loretto

Beatriz Aquino
Beatriz Aquino
Formada em Publicidade e Propaganda. É escritora e atriz de teatro. Nascida no Brasil a viver em Portugal.

Os sinos de uma velha catedral ressoaram atrasados e aflitos. Decerto temerosos da bronca episcopal que ouviriam por desrespeitar a liturgia das horas.

Sentado em um café ao lado da igreja de Madonna di Loretto, o jovem rapaz observa os passantes do Chiado.

Pouco ruidosos os lisboetas é bem verdade. Maybe após às vinte e duas horas que é quando a malta costuma sair para o late dinner e depois esticar as pernas pelo bairro alto. Mas ali, às nove da manhã havia algo de plácido e franco em seus semblantes. Aliás como era quase tudo na personalidade dos portugueses.

Francisco pensou nas poucas moedas que restavam em suas economias. A vida de estudante não era fácil e era bem provável que em breve ele teria que ceder aos imperativos da sobrevivência e arrumar algum trabalho. Que seria penoso e enfadonho decerto, mas que lhe permitiria prolongar sua estadia no velho mundo.

Mas enquanto sorvia o café e observava as poucas pernas que o vento de natureza viril descobria ao levantar as saias das jovens passantes, ele decidia que era bem provável que seria apenas mais tarde que ele tomaria tais providências.

O divino ócio, tão bem vendido em sua estadia em terras italianas tinha sim suas comprovação terapêutica.

Depois ele se entregaria ao cio prosaico da praticidade e organizaria os numerários em seu habitual malabarismo mensal. Depois. E um dia desses, um anjo bom haveria de lhe guiar as mãos no papel para que ele escrevesse algo decente e que bastasse para lhe justificar alguns dias de sua existência. E claro se fosse publicado não seria mal, já que todo escritor quer mesmo é susssurar aos ouvidos do mundo. Mas naquela manhã, o café esfriando pacientemente na xícara enquanto ele vertia no caderno essas reflexões bastava como confidente de que em algum lugar e bem talvez ali, era bom viver.

Os sinos de uma velha catedral ressoaram atrasados e aflitos. Decerto temerosos da bronca episcopal que ouviriam por desrespeitar a liturgia das horas. Um velho homem pigarreava tentando arrancar do peito o excesso de tabaco e porque não dizer um ou outro rancor de um amor perdido.

E ele deixou-se cair preguiçosamente na cadeira onde provavelmente também outros tantos o fizeram na doce atividade de olhar o inédito.

As saias das moças continuavam a bailar ao vento de junho incitando as narinas dos rapazes ainda imberbes.

E pensou que era bem verdade que a vida respira ordeira e pacata em algum momento do dia.

E que felizmente, seja no Chiado ou em Bangladesh, há coisas que as circunstâncias e o idioma não conseguem modificar…


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