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Quinta-feira, Março 28, 2024

Sobre os erros da esquerda

Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Pesquisadora, coordenadora do Centro de Memória Sindical e jornalista do site Radio Peão Brasil. Escreveu o livro "O mundo do trabalho no cinema", editou o livro de fotos "Arte de Rua" e, em 2017, a revista sobre os 100 anos da Greve Geral de 1917

As eleições de 2018 foram trágicas para a esquerda brasileira. Jair Bolsonaro, com seu até então insignificante PSL, tomou o Brasil como uma avalanche, um tsunami, uma catástrofe natural para a qual não estamos preparados, arrastando casas, árvores, carros.

Segundo nossos padrões, era improvável que Bolsonaro ganhasse. Antes da campanha na TV diziam que seus 8 segundos iriam reduzi-lo à sua pequenez. Quando começaram os debates diziam que ele perderia quando começasse a falar. Quando ele começou a crescer nas pesquisas, diziam que já tinha atingido o teto. Quando ficou claro que ele ia para o segundo turno, diziam que ele perderia para “qualquer um”. Bem, o que ficou comprovado é que o padrão mudou.

Achei curiosa sua vitória e fiquei pensando porque tantos brasileiros o elegeram. Tantos brasileiros que votaram em Lula e em Dilma. Que nesta eleição mesmo votariam em Lula, se ele fosse candidato. O que deixamos passar?

Lembrei da comoção popular em torno da morte, em 2015, do cantor sertanejo Cristiano Araújo e da crônica que o jornalista Zeca Camargo fez na ocasião. O jovem cantor, falecido precocemente em um triste acidente, não era conhecido nos grandes centros e a comoção em torno da tragédia causou surpresa. De uma hora para outra vimos pela TV milhões de fãs de um ídolo desconhecido. Zeca Camargo falou de uma “pobreza da alma cultural brasileira” e da falta de “ídolos de verdade”.

Foi assim que eu vi, não apenas a eleição, mas o engajamento popular em torno de um político com ideias tão estranhas (e repulsivas) aos formadores de opinião de todo campo autoproclamado civilizado.

Resta-nos agora repensar nossos padrões. Não nosso padrão político e social, visto a esquerda comprovadamente sustenta os mais inclusivos e avançados programas para um país. Mas sim nosso padrão de comunicação, ação e auto entendimento.

A despeito das surpresas destas eleições, o comportamento errante e vacilante da esquerda já demonstrava que o resultado seria ruim para este campo. Os partidos de esquerda, na minha opinião, sintetizaram em 2018 os principais erros que vem alimentando desde pelo menos a segunda eleição de Dilma Rousseff. Por isso chamei esta eleição de “laboratório de erros”, onde situações são testadas e o erro é validado. O lado bom é que podemos pegar este caso específico e nos debruçar sobre ele, com o objetivo, espero, de não reproduzir os mesmos erros. Pensando nisso, e para que eu mesma possa organizar minhas reflexões, resolvi listar alguns fatos que, pelo que entendo, nos lançaram à esta retumbante derrota. Como um exercício didático mesmo. Talvez possa lhe ser útil. Vamos à lista:

Erros

  1. Rifar os sindicatos. Não entender que o movimento sindical é o principal movimento social.
  2. Considerar a luta de classes fora de moda.
  3. Ser arrogante.
  4. Idealizar o “povo”.
  5. Subestimar o inimigo.
  6. Não ter “timing”.
  7. Achar que ser esquerda é um fim em si.
  8. Pregar para convertidos.
  9. Ter as cúpulas dos principais partidos e organizações cada vez mais brancas, com traços europeus e de classe média remediada.
  10. Ser sisudo e não saber rir de si mesmo.
  11. Focar nas divergências e não nas convergências.
  12. Não admitir críticas.
  13. Ser dogmático.
  14. Pensar que tudo que não é esquerda, é direita.
  15. Subestimar a imprensa.
  16. Achar-se superior.
  17. Achar que vai ensinar/doutrinar quem não se enquadra no “padrão esquerda”.
  18. Supervalorizar uma ação formada apenas e restritamente por mulheres de esquerda e, ao mesmo tempo, condenar e ridicularizar mulheres que não se enquadram nos “padrões esquerda”.
  19. Ser estereotipadamente feminista no discurso e, na prática, criar dificuldades e jogos de poder com as mulheres com as quais convive (vale para mulheres e homens).
  20. Subestimar as redes sociais.
  21. Não saber o valor da passagem de ônibus e metrô.
  22. Ser autoindulgente.
  23. Ser personalista.
  24. Soberba intelectual/cultural.
  25. Ser demagogo.

Um ou outro erro que me escapa no momento pode ser acrescentado posteriormente. O que importa é que não podemos perder essa chance de aprender! Sobre a direita, eu não faria uma lista de erros da direita porque entendo que ela é, como um todo, um grande erro político. Um erro que só atrapalha, atrasa a vida e se impõe através de manipulações e ideias colocadas erradamente.


Texto original em português do Brasil


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