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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Sociologia budista uma leitura de Nandasena Ratnapala

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

 DO AVESSO

Ratnapala é um académico. Usa as metodologias operativas dos sociólogos ,o que equivale a dizer que estuda o comportamento humano em função do meio e os processos que interligam os indivíduos em associações, grupos e instituições.

E aplica as ferramentas que a antropologia pôs ao seu alcance – por outras palavras, procura estudar o homem e a humanidade de maneira totalizante, ou seja, abrangendo todas as suas dimensões. Ratnapala dá-nos uma visão que, diríamos, utilitária do budismo. Apresenta-o como uma estrutura e prática de vida, e faz-nos aceitar que o budismo não é uma religião, e mais do que uma filosofia  é uma prática de vida baseada integralmente em ensinamentos profundos – para revelar a verdadeira face da vida e do universo.

O budismo revela-se assim como uma linguagem quotidiana e contemporânea. Não nos permitimos concluir que após a leitura de Ratnapala o nosso entendimento tenha sido mais profundo porque a prática de vida que se explica é a prática de vida de um outro lugar, de uma outra tradição. O que emerge todavia é o que resulta de artificial quando aqui e agora, no nosso país, na nossa Europa herdeira das luzes de França e Inglaterra dos séculos XVIII e XIX queremos aplicar ensinamentos como estes, por mera moda.

Depois de ter experimentado a sua iluminação debaixo da figueira – experiência mística, irrepetível – Buda terá proferido o seu discurso de Benares. Foi então que apresentou as verdades nobres acerca do sofrimento: tudo é sofrimento; o sofrimento é causado pelo desejo; o sofrimento termina quando o desejo se extingue; isto é determinado pelo caminho das Oito Vias. Quando pregava, o Buda não pretendia converter as pessoas, mas iluminá-las. É uma religião de sabedoria, onde conhecimento e inteligência predominam.

Nandasena Ratnapala

Nandasena Ratnapala equaciona a visão prática do budismo nos nossos dias e determina a sua dimensão social. Reforça que, afinal, o Budismo é uma religião prática, devotada a condicionar a mente inserida no seu cotidiano, de maneira a leva-la à paz, à serenidade, à alegria, à sabedoria e liberdade perfeitas. Por ser uma maneira de viver que extrai os mais altos benefícios da vida, que não deixa de ser sofrimento em si.  Mas destaca como também o Budismo é um sistema ético e filosófico. Social e cultural.

Buda, na verdade, é um título, uma qualificação, não um nome próprio. Quer dizer “aquele que sabe” ou “aquele que despertou”, o Iluminado, a Luz. É um termo aplicado a pessoas excepcionais que atingem determinado grau de elevação moral e espiritual e se transformam em mestres de sabedoria. É, na pirâmide social, o topo dos topos. No seu olhar cingalês, Ratnapala revela também que em cada cultura o Budismo foi adaptado, ganhando características próprias em cada região.

Os ensinamentos básicos do budismo são: evitar o mal, fazer o bem e cultivar a própria mente. O objetivo é o fim do ciclo de sofrimento, samsara, despertando no praticante o entendimento da realidade última – o Nirvana. Isso implica uma estrutura sociológica apta, desafia a antropologia das sociedades, impondo-lhe rituais de iniciação e de passagem muito definidos e retroativos. E sobretudo mexe com  legislação que estrutura a vida comunitária dos povos (nos seus estudos, Ratnapala inclui muitos temas sociais, sobre as práticas quotidianas com a lei e fora dela, os comportamentos de risco, os desvios aos padrões).

“Sou aquilo que faço”

A moral budista é baseada nos princípios de preservação da vida e da moderação. O treino mental foca a disciplina moral (sila), a concentração meditativa (samadhi), e a sabedoria (prajña). É uma forma estruturada de vida – e para a vida.

A velha afirmação ocidental “Sou aquilo que faço” não tem aqui lugar, pois até a decisão de decidir pode limitar o percurso para a Luz que, preferencialmente nem é feito em movimento. Os atos parecem estruturalmente o contrário da Iluminação, do alcance do Nirvana:é o próprio gesto pelo qual o Vazio é perturbado e a Diferença (e, com ela, a falsa aparência e o sofrimento) se introduz no mundo.

(O ato está assim próximo do gesto de Bodhisattva[1] que, depois de ter alcançado o Nirvana regressa, por compaixão, ou seja pelo Bem comum, à realidade fenomenal para ajudar os outros seres vivos a alcançar o Nirvana). Nandasena Ratnapala procura o Bem comum.

Citou-se Eduardo Lourenço no início deste trabalho:A crise na Europa não é uma crise superficial, é uma crise profunda. É que a civilização e a cultura à qual nós pertencemos é crítica desde a sua origem. Este é o continente onde foi inventada uma forma de pensar o mundo e de nos pensarmos a nós próprios, que é laica na sua essência e que se chama filosofia: discutir o nosso conhecimento em relação a tudo, a começar pela composição do universo. É uma civilização em que tudo é debate. Até Deus é discutível. Nas outras civilizações, Deus é a resposta. Para nós, Deus é a questão. Essa é a grande diferença.”

E não deixa de ser esta a nossa conclusão.

[1] O ser iluminado

Por opção do autor, este artigo respeita o AO90

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