Diário
Director

Independente
João de Sousa

Quinta-feira, Abril 25, 2024

Somos pequenas sereias e grandes guerreiras

“A invisibilidade no cinema e na sociedade é fruto do racismo estrutural e parece ser natural que nós, negras, ocupemos apenas os papéis de subalternidade e exploração”.

Nas diferentes formas de expressão artística a imagem negra é sempre associada ao primitivo, ao sofrimento, ao atrasado, ao serviçal, ao supersticioso, a ameaça e a escravidão. O povo negro, historicamente, esteve sujeito a sub-representação. Esta realidade é ainda mais cruel quando se trata de nós, mulheres negras, que estamos na base da pirâmide social.

No cinema não é diferente. Há alguns dias a Disney anunciou a notícia de escalar atriz afrodescendente para o filme ‘A Pequena Sereia’ e logo gerou polêmica. A escolhida para interpretar Ariel na adaptação foi a cantora americana Halle Bailey, de 19 anos. Branca e ruiva na primeira versão, a Ariel da Disney será negra na versão humana.

Não há novidade nas reações quando se tem o anúncio de uma mulher negra para fazer o papel de uma personagem que todo mundo imagina que seja branca, mesmo quando se tratam de seres místicos e não humanos, como é o caso da sereia. É como se determinados papéis, de princesas a rainhas, de postos de poder a posições de relevância, estivessem reservados aos brancos. De modo geral, negros ocupam posições subalternas, na vida real e na televisão.

Halle Bailey possui as características necessárias para desempenhar o papel, como afirmou o próprio diretor do filme que a escalou, mas a cor de sua pele foi o motivo da resistência, desprezo e críticas do público. Eles reivindicavam “fidelidade a primeira versão do filme”, mas o fato é que o racismo está tão enraizado que é de causar estranheza quando uma mulher negra é escalada para ser o protagonista. Além disso, notem como o talento da atriz e cantora é ignorado, pois a competência da mulher negra é questionada e com isso vem a necessidade de provar, incontáveis vezes, o nosso conhecimento, que somos boas profissionais, inteligentes e bonitas.

Segundo o estudo brasileiro “A Cara do Cinema Nacional” produzido pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, as negras apareceram em menos de dois a cada dez longas-metragens entre os anos de 2002 e 2012. No mesmo período nenhum dos filmes nacionais de maior bilheteria teve uma mulher negra na direção ou como roteirista. Atrizes negras e pardas são apenas 4,4% do elenco principal.

A invisibilidade no cinema e na sociedade é fruto do racismo estrutural e parece ser natural que nós, negras, ocupemos apenas os papeis de subalternidade e exploração. Escravidão, exposição a todo tipo de violência, subemprego, falta de acesso à educação e outros direitos básicos e o extermínio parece ser o caminho mais natural a ser seguido pelo povo negro no Brasil, no Caribe, na América Latina e no mundo.

A representatividade está muito longe de ser encarada como algo necessário e natural, mas precisamos romper com as amarras do racismo e do patriarcado. Cresci assistindo a Pequena Sereia e tantas outras personagens de pele branca e cabelos alisados. Tenho esperança na menina negra que terá a chance de ver a Pequena Sereia com a sua cor de pele e reinvidicar heroínas como Teresa de Benguela. O cinema ou a Disney são apenas o início. Queremos contar as nossas histórias.


por Nágila Maria Azevedo Rocha, Psicóloga e militante da União da Juventude Socialista   | Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado


Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante  subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

 

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -